Alguém já disse que a política é a economia concentrada. Via de regra, acompanhamos a política econômica a partir das decisões dos ministérios da Fazenda e Planejamento, não damos muita atenção às decisões de natureza econômica tomada pelo Congresso, muitas vezes no âmbito das comissões técnicas da Câmara e do Senado, que deliberam em caráter terminativo no caso de leis ordinárias, exceto quando há recurso ao plenário. Damos mais atenção às articulações de bastidor e à trama política para ocupação de espaços de poder na votação dessas matérias. A grande exceção é a aprovação do Orçamento da União.

O Congresso aprovou ontem a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, que estabelece as regras para elaboração do Orçamento do ano que vem, que ainda será votado. Gastos e as metas são detalhados no Orçamento, mas as regras do jogo são estabelecidas pela LDO. A grande novidade deste ano não foi o avanço em relação aos investimentos do governo federal, que já vinha ocorrendo ano a ano, mas o calendário para exceção obrigatória dessas emendas pelo governo.

Até então, essa era uma prerrogativa do Ministério da Fazenda, habilmente utilizada como moeda de troca pelo Palácio do Planalto na aprovação de seus projetos. Entretanto, com o calendário, o governo ficou ainda mais refém do Parlamento. O colégio de líderes e, portanto, o próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também perderam poder de intermediação das demandas do chamado “baixo clero” da Casa junto ao governo, o Uber vai tornar ainda complexa a relação Entre o Executivo e o Legislativo.



As emendas impositivas são as individuais, ou seja, de autoria de cada deputado ou senador, e de bancada são emendas coletivas desatinadas aos estados. De autoria do deputado Danilo Fortes (União-CE). Agora, a LDO prevê que o empenho (reserva) dos recursos deve ser feito 30 dias após a divulgação das propostas.

Como 2024 é um ano de eleições municipais, o pagamento deve ser feito no primeiro semestre, por meio de transferências fundo a fundo, da União para os entes federados, nas áreas de saúde e assistência social. Estão previstos R$ 48 bilhões para esses gastos, que não têm nenhum compromisso com os projetos estruturantes do governo federal, mas, sim, com os interesses imediatos da maioria dos parlamentares nas suas bases eleitorais.

O governo poderá contingenciar o pagamento apenas no caso das emendas de comissões da Câmara e do Senado, que não são impositivas, porém, na mesma proporção das suas despesas discricionárias, que não são obrigatórias. Ou seja, em vez de contingenciar, foi contingenciado a não adiar o pagamento de emendas, em vez deinvestir em projetos estruturantes, terá que fazer um corte linear. Essas emendas foram “anabolizadas” após o Supremo Tribunal Federal (STF) acabar com o chamado “orçamento secreto”, considerado inconstitucional.

Fundo eleitoral

Segundo a LDO, pelo menos, 0,9% da receita corrente líquida (RCL) de 2022 será destinado às emendas de comissão, sendo dois terços para a Câmara e um terço para o Senado. São mais R$ 11,3 bilhões sob controle de deputados e senadores. Em 2002, foram R$ 329,4 milhões; neste ano, R$ 6,9 bilhões. Agora quase dobrou. Fortes, porém, manteve a meta de déficit zero para 2024, o que atende à narrativa da equipe econômica, mas parece até cinismo diante da voracidade do Congresso em relação ao Orçamento da União de 2024.

O fato de R$ 5 bilhões em investimentos do programa de Aceleração do Crescimento (PAC) terem ficado de fora da meta fiscal das estatais federais corrobora a sensação de que a meta de déficit zero foi mantida por mera formalidade, embora isso possa ter consequências muito sérias para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se não forem cumpridas, em caso de perda de sustentação no Congresso. Poderá até ser pretexto até para um impeachment, vide as famosas “pedaladas fiscais” do governo Dilma Rousseff, se a meta não for alterada em caso de déficit fiscal.

Para fechar com chave de ouro a LDO, os recursos destinados às eleições municipais passaram de R$ 900 milhões, o que era irreal, para surreais R$ 4,9 bilhões, que serão administrados pela cúpula dos partidos. A lei ainda não prevê a origem desses recursos, o que vai gerar uma queda de braços entre o Executivo e o Congresso na hora de aprovar o Orçamento de 2024: a Fazenda quer que o dinheiro saia das emendas de comissão, os parlamentares pretendem pongar os recursos do PAC. 

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