José Carlos avisou aos pais que passaria o final de semana na casa de amigos, em São Paulo mesmo. Despediu; virou a esquina de casa e correu até o ponto marcado para a saída da caravana de torcedores do Corinthians a caminho de Minas Gerais. Camisas, foguetes e confiança completa de que, ao final dos 600 quilômetros até Belo Horizonte, no dia seguinte, soltariam o tão sonhado grito de “campeão” em pleno Mineirão.

“Ao Corinthians, basta vencer o Cruzeiro”, anunciavam as manchetes. A imprensa paulista tratava a rodada final do quadrangular decisivo do Campeonato Brasileiro de 1969 como a consagração de um surpreendente Corinthians, que havia liderado quase todo o certame, comandado pelo craque Roberto Rivellino.

O Cruzeiro, que três anos antes, em 1966, havia se sagrado campeão em cima do Santos de Pelé e nos seguintes – 1967 e 1968 – caíra apenas nas semifinais para Náutico e Botafogo, respectivamente, chegava para a peleja contra o Corinthians no domingo, 7 de dezembro, como azarão. Estava na terceira posição, atrás ainda da Academia de Futebol, o Palmeiras de Ademir da Guia.

Mesmo com a euforia da torcida dentro do ônibus, a caminho da Capital das Alterosas e do oba-oba da crônica esportiva, o jovem José Carlos sabia que não se tratava de “basta vencer o Cruzeiro”. Por sua ligação familiar com as terras mineiras e o amor absoluto pelo bom futebol, ele sabia qual Cruzeiro era aquele. Um dos maiores times da história do futebol mundial e de uma camisa lindíssima, como ele iria descrever a Academia Celeste décadas depois.

José Carlos estava compenetrado nas arquibancadas do Mineirão, tomadas por quase 60.000 pessoas, quando Evaldo abriu o placar para o Cruzeiro. Rivellino empataria, mas o time estrelado voltaria à frente com Dirceu Lopes, o Príncipe.

Quando Arnaldo César Coelho apitou o final da partida, silêncio geral. O favorito Corinthians morria às margens da Lagoa da Pampulha. Já o Cruzeiro, pela diferença de apenas um gol de saldo, perderia o campeonato para o Palmeiras, que, na capital paulista, acabava de vencer o Botafogo por 3 a 1.

Com o salto alto quebrado e os cotovelos doloridos, os corintianos, para não darem o braço a torcer para a Nação Azul, pateticamente, deixaram o estádio comemorando – pasmem – o título do Palmeiras. Cantando, inclusive, o hino do arquirrival como forma de provocar os cruzeirenses. Menos um dele: José Carlos. Por amor ao seu Corinthians, por respeito ao Cruzeiro e por começar a temer o pito que receberia do pai quando sua versão da “dormida na casa dos amigos” seria desmascarada, ele voltou em silêncio.

Ficou na memória. A frustração com a perda do primeiro título nacional do Corinthians, na viagem escondida para Belo Horizonte, em 1969, só foi superada 20 anos depois, em 1990, quando aquele jovem já era um dos maiores jornalistas esportivos do Brasil.

Juca Kfoury nos fez essa confidência nos bastidores das gravações do filme oficial do centenário do Cruzeiro (“Em busca da história do Cruzeiro”), lançado em 2021. Foi seu modo de demonstrar seu profundo respeito pelo Maior de Minas.

“O Cruzeiro de meados dos anos 60 até o começo dos anos 70 foi um dos maiores times da história; não do futebol brasileiro apenas, (foi) do futebol mundial”, assim, no filme, Juca Kfoury descreveu o Time do Povo Mineiro.

Hoje, no mesmo Mineirão, Cruzeiro e Corinthians iniciam a disputa por mais um título nacional. De 1969 até aqui, ambos conquistaram taças superando um ao outro: eles em 1998 e nós, em 2017.

Recordar sobre o desfecho desastroso do “já ganhou” do Corinthians de 1969 é uma boa preleção para o Cruzeiro de Leonardo Jardim que, nesta noite, entrará em campo como favorito nessas semifinais da Copa do Brasil.

Ao nosso escrete, é preciso o mantra de encarar a peleja despido de qualquer soberba. É concentração total e respeito, mas com uma gana incontrolável por liquidar o quanto antes as semifinais, pois, como em 1969, no jogo de volta, um golzinho de saldo pode fazer falta.


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