Toda ciência é dirigida pela inovação, certo? Toda a evolução determinada pelas novas tecnologias, certo?
A resposta é um grande “sim” para boa parte do espectro civilizatório e do bem estar (saúde, comunicação, informações e conhecimento em geral), mas pode ser um redondo “não” (ou um “em parte”) quando tratamos do Urbanismo, quando falamos de cidade.
E, nessas áreas do conhecimento, em sua aplicação prática (prédios e cidades), as principais regras, as melhores práticas e as experiências mais ricas e duradouras remontam a séculos, quando não a milênios.
Cidades nasceram como o arranjo mais denso e no menor território que a tecnologia construtiva e os materiais disponíveis poderiam oferecer, e assim se desenvolveram até a revolução industrial, quando novos meios de transporte e uma abundância até então desconhecida proporcionaram o espalhamento das cidades. Sociedades baseadas na escassez encontraram no desperdício a medida de riqueza visível.
Novos materiais, novas técnicas construtivas, mesmo paradigma: a cidade só prospera onde há vida, onde há densidade, proximidade e vitalidade. Enquanto a cidade se mantém, os subúrbios precisam ser mantidos ao custo de contribuições adicionais ou subsidiadas pela cidade densa, que passa a desperdiçar os recursos de muitos em benefício de poucos.
Expansões que proibiam prédios, ocupações multifamiliares e a maior parte de comércio e serviços (começando pela proibição das lavanderias e negócios chineses) forjaram a ideia do subúrbio como o um local ideal, idílico.
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O que foi vendido, nas cidades, como marco civilizatório e como evolução era, na verdade, o oposto. O espalhamento permitiu separar populações por etnia, origem, cor ou renda, transformando uma tapeçaria numa colcha de retalhos, incentivando a segregação.
Mas os fundamentos do que forma uma cidade justa, viva, segura e vitalizada permanecem inalterados, embora distorcidos em cânticos populistas e românticos de espalhamento, de setorização, de usos exclusivos. Nenhum novo fundamento foi descoberto, nenhum novo conhecimento, nenhuma evolução. Apenas novos juízes e novos jogadores decidindo novas regras sobre o mesmo tabuleiro, às expensas da população local.
A visão do urbanismo do século comprometeu a densidade e forçou o espalhamento do território, promoveu a subutilização dos lotes e desidratou as áreas de lazer, o transporte público e a infraestrutura de drenagem das cidades. Como consequência de 100 anos dessa obtusidade, cidades espalhadas, moradias mais caras, transporte público sempre insuficiente, menos áreas de lazer, e as pessoas morando cada vez mais longe de onde os empregos são oferecidos.
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A saída é bastante simples, e possível: incentivar retrofits e novas construções nos centros das cidades e nas áreas com melhor infraestrutura, alterar as regras e promover a densidade e o maior aproveitamento dos lotes, inclusive os pequeninos. Ter afastamentos (ou não), e construir colado à divisa devem voltar a ser prerrogativas dos incorporadores, e escolha dos compradores não imposição dos burocratas e gestores municipais.
Tratando de cidades, não há tecnologia, não há smart cities, não há “blá blá blá” que supere (ou compense) a densidade, a verticalidade, e um território compacto. A realidade é uma bigorna, e cidades espalhadas sempre exigirão mais recursos para implantar e operar o transporte público, e sempre precisarão construir, equipar e manter funcionando mais unidades de educação e saúde (do que uma cidade compacta, que terá menos hospitais e menos escolas, porém mais capacitados). Cidades espalhadas sempre precisarão gastar mais em asfalto e infraestrutura de drenagem, assim como em mais postos policiais e em mais agentes da força de segurança. Em oposição, sofrerão para manter parques, praças e áreas de lazer, sinalização e a limpeza pública.
Em se tratando de cidades, a geografia importa mais do que a tecnologia. O bom senso e o conhecimento vernacular, mais do que qualquer “oba oba” e “teses disruptivas”.
