Por Marina Aguayo Simão*
O acidente de trabalho e a doença ocupacional representam algumas das mais graves violações aos direitos fundamentais do trabalhador, causando impactos devastadores não apenas na vida dos empregados e suas famílias, mas também gerando custos sociais e econômicos significativos para toda a sociedade brasileira. Segundo dados do Ministério da Previdência Social, o país registra anualmente centenas de milhares de acidentes de trabalho, consolidando uma triste posição entre as nações com maiores índices de sinistralidade laboral no mundo.
A legislação brasileira construiu ao longo das décadas um sistema de proteção que abrange desde a prevenção até a reparação integral dos danos causados por acidentes e doenças relacionadas ao trabalho. Este sistema envolve múltiplas esferas de responsabilidade - previdenciária, trabalhista e cível - cada uma com suas características específicas, mas todas convergindo para o objetivo comum de proteger a integridade física e mental do trabalhador.
A Constituição Federal de 1988 elevou a segurança e a saúde no trabalho ao patamar de direito fundamental, estabelecendo no artigo 7º a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Esta previsão constitucional fundamenta todo o arcabouço normativo posterior, incluindo as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho, que detalham as medidas de proteção específicas para cada setor da economia.
O conceito de acidente de trabalho evoluiu significativamente desde as primeiras legislações do século XX. Atualmente, a Lei 8.213/91 define acidente de trabalho como aquele que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause morte, perda ou redução da capacidade para o trabalho, permanente ou temporária. Esta definição ampla abrange não apenas os acidentes típicos ocorridos no local e horário de trabalho, mas também os acidentes de trajeto e as doenças ocupacionais.
Classificação e caracterização dos acidentes de trabalho
A legislação previdenciária estabelece três modalidades principais de acidentes de trabalho, cada uma com características específicas que determinam os direitos e procedimentos aplicáveis. O acidente típico constitui a forma mais conhecida, ocorrendo no local e durante o horário de trabalho, em decorrência direta da atividade laborativa. Exemplos incluem cortes, queimaduras, quedas, esmagamentos e choques elétricos que acontecem durante a execução das tarefas profissionais.
O acidente de trajeto, por sua vez, ocorre no percurso entre a residência e o local de trabalho, ou vice-versa, independentemente do meio de locomoção utilizado. A jurisprudência tem ampliado progressivamente o conceito de trajeto, reconhecendo como equiparados aos acidentes de trabalho aqueles ocorridos em desvios necessários, como ida ao banco para recebimento de salário, ou em percursos alternativos justificados por circunstâncias específicas, como obras ou interdições na via habitual.
As doenças ocupacionais dividem-se em doenças profissionais e doenças do trabalho. As doenças profissionais são aquelas produzidas ou desencadeadas pelo exercício de atividade específica, constantes de relação oficial elaborada pelo Ministério da Previdência Social. Exemplos clássicos incluem silicose em trabalhadores de mineração, asbestose pela exposição ao amianto, e perda auditiva por ruído excessivo. Já as doenças do trabalho são adquiridas ou desencadeadas em função de condições especiais em que o trabalho é realizado, desde que se estabeleça nexo causal com a atividade laborativa.
A caracterização do nexo causal representa um dos aspectos mais complexos na configuração dos acidentes e doenças ocupacionais. É necessário demonstrar a relação direta entre a atividade profissional e o dano sofrido, considerando não apenas a exposição imediata, mas também fatores como predisposição individual, condições preexistentes, e exposições cumulativas ao longo do tempo. A perícia médica desempenha papel fundamental nesta caracterização, devendo considerar o histórico ocupacional completo do trabalhador.
O Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) introduziu importante inovação no sistema, estabelecendo presunção de nexo causal para determinadas doenças quando há correlação estatística entre a patologia e a atividade econômica da empresa. Esta presunção simplifica significativamente o processo de reconhecimento da doença ocupacional, transferindo ao empregador o ônus de comprovar a inexistência de relação entre a doença e o trabalho.
Direitos previdenciários e estabilidade do acidentado
O trabalhador vítima de acidente de trabalho ou doença ocupacional faz jus a um conjunto abrangente de benefícios previdenciários, que visam garantir sua subsistência e custear o tratamento necessário para recuperação da capacidade laborativa. O auxílio-doença acidentário constitui o benefício principal. A partir de 25 de abril de 2025 o tema teve alteração sensíveis em favor do trabalhador. Anter o trabalhador orecisava se afastar pelo menos 15 (quinze) dias para ter direito ao auxilio doença acidentário, após emissão do Comunicado de Acidente de Trabalho. Após a Tese Jurídica nº 125 foi aprovada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) em 25 de abril de 2025, durante sessão plenária virtual, mesmo que o afastamento seja inferior a 15 dias, o trabalhador pode ter direito à estabilidade, desde que a condição de saúde esteja ligada ao ambiente de trabalho, ou às atividades profissionais e seja comprovada de forma adequada.
Esta regra visa garantir assistência imediata ao acidentado, evitando lacunas na cobertura financeira durante o período inicial de tratamento. O salário de benefício para cálculo do auxílio-doença acidentário considera a média das 80% maiores contribuições desde julho de 1994, garantindo valor mais favorável ao segurado.
A estabilidade acidentária representa uma das principais proteções conferidas ao trabalhador acidentado. O artigo 118 da Lei 8.213/91 garante estabilidade provisória no emprego pelo prazo mínimo de 12 meses após o retorno ao trabalho, impedindo a dispensa sem justa causa durante este período. Esta proteção visa permitir a readaptação do trabalhador às atividades laborativas e evitar discriminação em razão do acidente sofrido.
A estabilidade aplica-se independentemente do tempo de afastamento, sendo devida mesmo nos casos de afastamento inferior a 15 dias, desde que caracterizado o acidente de trabalho. A jurisprudência tem reconhecido que a finalidade da norma é proteger o trabalhador em situação de vulnerabilidade decorrente do acidente, não sendo razoável condicionar este direito ao recebimento de benefício previdenciário.
O auxílio-acidente constitui indenização paga mensalmente ao segurado que, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, apresentar sequela definitiva que implique redução da capacidade para o trabalho. Com valor correspondente a 50% do salário de benefício, este auxílio é cumulativo com outros rendimentos e aposentadorias, reconhecendo o caráter indenizatório da prestação.
Nos casos mais graves, que resultem em incapacidade total e permanente, o trabalhador faz jus à aposentadoria por invalidez acidentária, correspondente a 100% do salário de benefício, sem aplicação do fator previdenciário. Este benefício visa garantir subsistência digna ao trabalhador que perdeu completamente a capacidade laborativa em decorrência do acidente de trabalho e pode ser pleiteado judicialmente.
Responsabilidade civil e reparação integral dos danos
A responsabilidade civil do empregador por acidentes de trabalho e doenças ocupacionais representa evolução significativa na proteção aos direitos do trabalhador, permitindo reparação integral dos danos sofridos, que vai muito além da cobertura previdenciária básica. O artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal assegura o direito à indenização por dano decorrente de acidente de trabalho quando houver dolo ou culpa do empregador.
A caracterização da responsabilidade civil exige a demonstração de três elementos essenciais: conduta culposa ou dolosa do empregador, dano sofrido pelo trabalhador, e nexo causal entre a conduta e o dano. A culpa pode manifestar-se por negligência, imprudência ou imperícia na adoção de medidas de segurança, descumprimento de normas regulamentadoras, ou fornecimento inadequado de equipamentos de proteção.
Os danos indenizáveis abrangem tanto os danos materiais quanto os morais. Os danos materiais incluem lucros cessantes, correspondentes à redução da capacidade de ganho do trabalhador, gastos com tratamento médico não cobertos pela previdência social, adaptações necessárias na residência, e custos com acompanhante quando necessário. O cálculo dos lucros cessantes deve considerar não apenas a diferença salarial imediata, mas também as perdas futuras decorrentes da redução da capacidade laborativa.
Os danos morais reconhecem o sofrimento psíquico causado pelo acidente, incluindo dor, constrangimento, limitações na vida social e familiar, e redução da autoestima profissional. A quantificação do dano moral considera a gravidade das lesões, grau de culpa do empregador, capacidade econômica das partes, e impacto na vida pessoal do trabalhador. A jurisprudência tem admitido valores expressivos em casos de acidentes graves com sequelas permanentes.
A responsabilidade objetiva do empregador vem ganhando espaço na jurisprudência, especialmente em atividades de risco elevado. Nestes casos, independentemente de culpa, o empregador responde pelos danos causados em razão da atividade desenvolvida. Esta evolução jurisprudencial reflete o princípio de que quem aufere lucros da atividade deve suportar os riscos dela decorrentes.
As ações de reparação civil decorrentes de doença ocupacional e acidente de trabalho podem ser ajuizadas na Justiça do Trabalho, conforme entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal. O prazo prescricional é de cinco anos a partir da ciência da incapacidade para o trabalho, ou de dois anos após a extinção do contrato de trabalho, aplicando-se o prazo que for mais favorável ao trabalhador.
A prevenção continua sendo a estratégia mais eficaz para redução dos acidentes de trabalho e doenças ocupacionais. Investimentos em tecnologia, treinamento, equipamentos de proteção, e cultura de segurança representam não apenas obrigação legal, mas também vantagem competitiva para empresas que reconhecem o valor do capital humano. A construção de ambientes de trabalho seguros e saudáveis constitui responsabilidade compartilhada entre empregadores, trabalhadores, sindicatos, advogados trabalhistas e poder público, todos comprometidos com a dignidade e preservação da vida humana no trabalho.
Dra. Marina Aguayo Simão é advogada trabalhista, empresária e autora do livro “Relações de trabalho modernas e as fronteiras da legalidade”. Fundadora do escritório Aguayo Simão Advocacia e Consultoria e do Instituto IMAS, atua há mais de 10 anos na defesa dos direitos do trabalhador, com foco em ações estratégicas, educação jurídica e justiça social. Reconhecida por seu posicionamento firme, linguagem acessível e visão disruptiva, é também mentora de carreira, palestrante e idealizadora do Método Ação e Superação, voltado ao empoderamento profissional com segurança jurídica. Sua trajetória inspira transformação: do zero à liderança de um dos nomes mais respeitados na advocacia trabalhista contemporânea.
