Por Isabel Gonçalves

A compra era simples. No caixa, cartão na mão e a tranquilidade de quem sabe que ainda é começo de mês. Mas a tela respondeu seco: transação negada. Sem aviso, sem alerta prévio, sem explicação imediata. A resposta veio um tempo depois, o limite do cartão já estava todo comprometido.

Essa cena está cada vez mais comum e quase nunca tem a ver com fraude ou erro do sistema. Na maioria das vezes, o problema está bem ali, escondido em parcelas antigas e decisões tomadas no automático quando o caixa perguntou: “quer dividir?”. O parcelamento no cartão de crédito virou hábito e, para muitos, uma extensão da renda mensal. Só que o custo desse conforto costuma aparecer antes do que a gente imagina. 

Como funciona o parcelamento em cartão de crédito?

O parcelamento no cartão de crédito parece inofensivo, quase automático, mas costuma enganar muita gente. Quando você parcela uma compra, não está só “facilitando o pagamento”. Na prática, está assumindo uma dívida que vai acompanhar você por vários meses.

Na prática: 

  • O banco reserva o valor total da compra, não apenas a parcela.

  • Seu limite disponível diminui imediatamente pelo montante integral.

  • O limite só é liberado gradualmente à medida que as parcelas são pagas

Como fica o limite do cartão quando parcela?

Funciona assim: mesmo que só a primeira parcela apareça na fatura, o valor total da compra já fica preso no limite do cartão. Um produto de R$1.200 em 12 vezes não compromete só os R$100 do mês. Os outros R$1.100 continuam lá, ocupando espaço, até a última parcela ser paga.

E aí o efeito bola de neve começa. Cada parcelamento novo se junta aos antigos e vai comendo o limite aos poucos. Por isso tanta gente começa o mês achando que quase não usou o cartão, mas descobre que ele já está praticamente todo comprometido por compras feitas lá atrás.

O parcelamento cria a ilusão de que cabe no bolso

Parcelar muda a percepção do gasto. Em vez de olhar para o valor total, o consumidor passa a focar apenas na parcela, que quase sempre parece pequena e fácil de encaixar no orçamento do mês. R$80, R$120, R$150… isoladamente, esses números raramente assustam. O problema é que o cartão não enxerga parcelas, ele enxerga dívida.

Essa lógica faz com que decisões sejam tomadas no automático. Diante da pergunta “quer dividir?”, muita gente aceita sem pensar duas vezes, porque a parcela cabe hoje ou porque é sem juros. Mas a grande verdade é que, se o parcelamento está liberado, o produto já custa mais caro do que seria à vista. 

No fim das contas, o parcelamento cria uma sensação de controle que não se sustenta. Ele não faz o gasto caber melhor no bolso, apenas adia a dor do pagamento e empurra o problema para frente.

Jovens, redes sociais e crédito fácil: uma combinação perigosa

Entre os jovens, o parcelamento no cartão deixou de ser exceção e virou regra. O primeiro contato com o crédito costuma acontecer cedo, muitas vezes antes de qualquer noção de planejamento financeiro. O cartão passa a funcionar como extensão da renda, não como ferramenta, como alerta Rodrigo Mandaliti, presidente do IGEOC. Nesse cenário, comprar agora e pagar depois vira algo natural, quase parte da rotina, mesmo quando a renda ainda é instável ou limitada.

As redes sociais amplificam esse comportamento. Elas funcionam como vitrines que nunca fecham, com anúncios feitos sob medida para cada perfil. Quando conveniência, parcelamento e aprovação imediata se encontram, a decisão de compra deixa de ser racional.

E o resultado aparece nos números. Segundo o Mapa da Inadimplência, o Brasil tinha 78,8 milhões de inadimplentes em agosto de 2025, e 11,4% deles tinham entre 18 e 25 anos. Sem educação financeira básica, sem reserva e sem clareza sobre o impacto dos juros, a inadimplência jovem aumenta e muitos comprometem a renda futura logo no início da vida produtiva.

Parcelar ou não parcelar? Eis a questão 

Usar o cartão de crédito não precisa ser sinônimo de aperto financeiro. O problema não está no cartão em si, mas na forma como ele é usado. Veja 4 dicas simples para te ajudar: 


  1. Olhe para o valor total, não para a parcela
    Antes de aceitar o parcelamento, considere o preço cheio da compra e pergunte se você pagaria aquele valor à vista. Se a resposta for não, o parcelado normalmente também não vale a pena.

  2. Reserve o parcelamento para compras maiores
    Parcelar pode fazer sentido para despesas altas, planejadas e que vão durar mais do que as parcelas, como eletrodomésticos ou móveis. Se você parcelou o churrasco que durou uma tarde já não valeu a pena. 


  1. Defina um limite mental menor que o limite do banco
    O limite concedido não é um convite para gastar tudo, até porque estamos enfrentando um grande problema institucional em que bancos oferecem um crédito desproporcional à capacidade do cliente. Trabalhar com um valor mais baixo ajuda a manter margem para imprevistos e evitar sustos logo no início do mês.

  2. Evite parcelar compras do dia a dia
    Supermercado, delivery, roupas e pequenas compras parceladas criam um rastro de compromissos que não condizem com a realidade. O supermercado vai aparecer mês que vem, o delivery vai durar 30 minutos e por aí vai…  

O cartão de crédito adia pagamentos, não aumenta o salário. Se a compra depende do parcelamento para “caber”, é sinal de alerta. Para te ajudar nas compras, faça pausas. Dar um tempo entre o desejo e a compra ajuda a reduzir decisões impulsivas. 

Conclusão: parcela pequena, impacto grande

O parcelamento no cartão não pesa no momento da compra. Ele pesa depois. Silencioso, acumulado e persistente, vai ocupando o limite, comprometendo a renda futura e criando a falsa sensação de que está tudo sob controle, até o cartão ser negado. Quando isso acontece, o problema não nasceu ali no caixa. Ele vem sendo construído parcela por parcela.

No fim das contas, o parcelamento no cartão de crédito não é um problema isolado, é um hábito perigoso. Ele parece facilitar a vida no presente, mas cobra disciplina para não comprometer o futuro. Entender como o parcelamento funciona, reconhecer a influência do consumo emocional e acompanhar de perto o próprio limite são passos básicos para retomar o controle. Não se trata de parar de consumir, mas de escolher melhor quando, como e por que parcelar. 


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