Por Isabel Gonçalves
De um lado, Juliana encheu o carrinho. Ela queria trocar a geladeira que faz barulho de avião, aproveitou e comprou uma fruteira nova, um tênis de corrida e umas roupas lindas que estava namorando há tempos, mas na hora de finalizar, a compra foi negada por conta do limite do cartão. Do outro lado, Tadeu finalmente conseguiu trocar o celular que a bateria durava menos que a sua paciência. Com Marina foi diferente, ela gosta de ir presencialmente ao shopping aproveitar as promoções. E todos eles se renderam aos supostos descontos da Black Friday.
Só que, enquanto as vitrines piscam 70% OFF, a realidade é um pouco mais constrangedora. Porque todo mundo tem uma história de Black Friday que prefere esquecer. A verdade é que o problema raramente é o desconto. O problema somos nós mesmos, que chegamos no fim do ano cansados, emocionados e facilmente influenciados pela sensação de oportunidade única… que volta todo novembro.
Como surgiu a sedução do desconto
A Black Friday é praticamente o Carnaval do consumo, é barulhenta, exagerada e cheia de gente que acorda dizendo “hoje eu não gasto nada” e termina o dia abraçada a uma caixa do Mercado Livre sem lembrar exatamente como chegou lá. Para se ter uma noção, em 2024, a Black Friday movimentou R$9,38 bilhões apenas entre quinta-feira e domingo.
Mas não é à toa que essa data mexe tanto com a gente. Ela foi desenhada para isso e o nosso cérebro, coitado, cai bonito. A Black Friday acontece sempre após o Dia de Ação de Graças. Lá fora eles passam o feriado em casa com a família para agradecer as coisas boas da vida e no dia seguinte, vão para a rua aproveitar o outro lado bom da vida, o consumo.
Por que a Black Friday mexe tanto com a gente?
Primeiro, porque somos naturalmente atraídos pela sensação de ganho. Quando vemos um produto de R$2.000 por R$1.299, nem importa se nunca quisemos aquilo na vida: a cabeça dispara um “você está economizando R$701!”. É a famosa “girl’s math”.
Depois, tem o fator escassez. “Só hoje”, “últimas unidades”, “relâmpago”, “acaba em 3… 2… 1…”. A urgência nos empurra para decidir rápido demais, e decisão rápida raramente é decisão boa.
E tem também o lado social da coisa. A Black Friday virou evento cultural. Grupo de WhatsApp mandando print de promoção, TikTok Shop cheio de live de compras e as lojas estendendo as promoções o mês inteiro. A gente entra no clima sem perceber e ninguém quer ser o único do rolê que “não aproveitou nada”.
No fim das contas, a Black Friday mexe com a gente porque combina três ingredientes explosivos: emoção, urgência e comparação social. E quando esses três se juntam, até o consumidor mais racional corre o risco de achar que está fazendo “o negócio da vida”… quando, na verdade, está só caindo na mais antiga armadilha do varejo, comprar pelo desconto, não pela necessidade.
Nessas horas, o cartão de crédito é herói ou vilão?
Se existe um personagem que se tornou protagonista durante a Black Friday, é o cartão de crédito. Ele não aparece nos banners, mas é responsável por boa parte das frustrações do consumidor. E os números confirmam isso: segundo a pesquisa Pagamentos Disruptivos, da OneKey Payments, 82% dos consumidores abandonam o carrinho durante o checkout, e a principal causa é justamente a falha na etapa de pagamento.
E aí está a primeira grande armadilha, o limite. Como explicou Reinaldo Boesso, CEO da fintech TMB, o brasileiro tem, em média, cerca de R$1.400 de limite. E como a Black Friday acontece no fim do mês, a maioria disso já está comprometida com os outros gastos mensais.
A segunda armadilha é o parcelamento sem fim, que transforma compras emocionais em dívidas de longo prazo. É aquela sensação de “12x suaviza”, mas que, somada a outras parcelas, cria um condomínio de boletos que ocupa o orçamento pelos próximos meses. É nessas que você vira o ano no vermelho.
Rodrigo Mandaliti, do IGEOC (Instituto de Gestão e Excelência Operacional em Cobrança) alertou que quando a compra é feita por impulso, o que parece economia “pode virar o início de uma bola de neve de dívida”. A Black Friday não perdoa quem parcela por empolgação.
O passo a passo para não cair na cilada do “desconto imperdível”
Vamos aos fatos, ninguém acorda pensando “hoje vou me endividar”. A cilada da Black Friday não acontece por maldade, acontece por impulso, falta de planejamento e controle financeiro.
Então, para atravessar essa temporada de descontos com o bolso inteiro, aqui vai um passo a passo que funciona na prática e pode te salvar de compras questionáveis:
1. Defina um teto de gastos realista
Antes de abrir o site, pergunte-se: quanto posso gastar sem estragar dezembro, janeiro e minha paz de espírito? Rodrigo Mandaliti reforça que o desconto só vale se couber no orçamento. O resto é ilusão promocional.
2. Faça uma lista, e trate como se fosse lista de mercado
A lista é anti-impulso. “Geladeira”, “notebook para trabalho”, “cadeira boa para coluna”. Se não está na lista, não entra no carrinho. Black Friday sem lista é igual ir ao mercado com fome, dá ruim.
3. Pesquise o histórico de preços (o famoso contragolpe no “metade do dobro”)
Não caia na magia do antes R$4.000 / agora R$2.990.
Se você já sabe que vai comprar algo que precisa na Black Friday, comece pesquisando meses antes. Compare. Use ferramentas de histórico.
4. Pague à vista sempre que possível
À vista é onde o desconto real mora. Parcelar quando o orçamento já está apertado é como empurrar a dívida com a barriga… sabendo que, em janeiro, a barriga está cheia de outros boletos.
5. Pergunta final é lei
“Eu compraria isso pelo preço cheio?” Se a resposta for “não”, é o desconto comprando você e não você comprando o produto.
Conclusão: então, o que vale a pena comprar na Black Friday?
A realidade é direta e nada glamurosa. Só vale a pena comprar aquilo que você já precisava antes do desconto aparecer. Se você já vinha pesquisando uma geladeira, um notebook, um celular para trabalhar, uma TV para substituir aquela que morreu, ótimo. A Black Friday é um bom terreno para aproveitar preços mais competitivos.
Agora… se você sequer pensava no item até ver o anúncio piscando em vermelho, o alerta é simples: aquilo não é uma oportunidade, é uma distração. Por mais difícil que seja de entender, a verdade é que a Black Friday é amiga do planejamento e inimiga da pressa. Se for no impulso, o melhor negócio é fechar a aba e manter o orçamento inteiro para o que realmente importa.
