O Imperatriz do Maranhão está classificado para representar o Estado na Copa do Brasil de 2026, ao lado de Maranhão e IAPE. Mas essa participação pode estar ameaçada em razão de sua falência. A medida foi decretada no início deste ano pelo juiz da 5ª Vara Cível de Imperatriz, após o clube ajuizar uma recuperação judicial (RJ) e não apresentar o plano de reestruturação econômica no prazo legal.
Em junho, o Tribunal de Justiça do Estado deu provimento a um recurso de agravo de instrumento determinando que o processo voltasse para a primeira instância porque o juiz não havia analisado um pedido de prorrogação do prazo para a apresentação do plano. Vale destacar que a ação foi ajuizada em 2023 e que o clube já havia requerido outras prorrogações.
No mês passado, o magistrado se pronunciou, indeferindo a prorrogação e intimando o clube para se manifestar no processo. Ou seja, deu a entender que poderá manter sua decisão de decretação da falência.
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O caso tem chamado atenção, inicialmente, porque poderemos estar diante da primeira falência de um clube de futebol brasileiro, mas, também, porque há uma controvérsia se essa medida é juridicamente possível.
O Imperatriz foi fundado em 1962, com o nome de Sociedade Atlética Imperatriz. Em 2000, o nome foi alterado para Sociedade Imperatriz de Desportos (SDI). Apesar do termo sociedade, a SDI é uma associação.
A lei que criou as SAFs (14.193/21) prevê que clubes organizados como associações podem utilizar-se da recuperação judicial para tentar superar uma crise econômico-financeira.
Mas, ainda, paira uma dúvida se é possível decretar a falência deles, caso não consigam a reestruturação por meio da recuperação judicial. A medida, segundo a Lei de recuperação e falência (11.101/05), é exclusiva para empresários individuais e sociedades empresárias.
Para alguns doutrinadores, a solução para uma recuperação judicial frustrada de uma associação deve ser o encerramento do processo e a dissolução dela, de acordo com o procedimento próprio previsto no Código Civil. Não se aplicaria, portanto, a chamada convolação em falência como ocorreu com a SDI.
Mas não é essa a principal discussão que assistimos na Justiça Maranhense. Como visto, a convolação da RJ do Imperatriz em falência foi revertida pelo Tribunal do Estado porque o juiz não teria examinado um requerimento de prorrogação do prazo apresentado pelo clube.
Mas, ao determinar o retorno do processo para a primeira instância, o Tribunal não se limitou a se manifestar sobre essa questão processual. O desembargador relator foi além, para deixar claro que, a despeito do descumprimento das regras da recuperação judicial, a falência do clube não deveria ser decretada, porque há uma necessidade de se preservar a associação em razão de sua função social, ligada à geração de empregos diretos e indiretos para a cidade de Imperatriz e para o Maranhão, que sofrem com uma alta pobreza.
Ele destacou que, embora a decisão de 1º grau seja tecnicamente correta, a falência poderá gerar desemprego em massa e impactar negativamente a economia local.
Citou, ainda, que as regras previstas na Lei da Liberdade Econômica (13.874/2019) promovem a iniciativa privada e a competitividade e permitem que empresas contribuam para o desenvolvimento econômico e social e que a decretação de uma falência é uma intervenção desnecessária do Estado.
Tudo indica, portanto, que, caso a falência seja novamente decretada, esse será o entendimento do Tribunal do Maranhão, quando se deparar com um eventual recurso apresentado pelo clube.
Há, porém, que se questionar se tal posicionamento, que é comum em outros tribunais, não estaria desvirtuando os objetivos e os princípios da Lei que rege a recuperação e a falência de empresas em nosso país.
Ela tem, de fato, como princípio fundamental a função social da empresa. Mas é fundamental, também, entender que o remédio da recuperação judicial só deve ser ministrado para os empreendimentos que se mostrarem viáveis economicamente. Além disso, essa viabilidade deve ser analisada pelos credores ao examinarem um plano de recuperação e votarem sobre sua aprovação.
Caso ela não seja constatada, a falência deve ser a solução, o que não significa que o princípio da função social não será observado. A Lei de Recuperação e Falência (11.101/05) prevê que, no caso de falência, é possível transferir os meios de produção da falida como bens e marca, por exemplo, para outro empreendedor, garantindo-se que aquela atividade seja mantida.
Diferentemente do que constou na decisão do Tribunal Maranhense, em muitos casos é a falência que garante benefícios à liberdade econômica e à livre concorrência. A manutenção de uma recuperação judicial a todo custo, por sua vez, revela uma interferência estatal que favorece determinado agente econômico em prejuízo de seus concorrentes.
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Em artigo recente publicado no Consultor Jurídico, a Professora Paula Forgioni ressaltou que “a perpetuação artificial de estruturas inviáveis paralisa a alocação eficiente de recursos, desarticula cadeias produtivas e transfere à coletividade os encargos da ineficiência”.
Ela destacou que a aplicação do princípio da “função social exige consciência das consequências sistêmicas, na medida em que o funcionamento do crédito, a solidez das relações econômicas e a previsibilidade do ambiente de negócios dependem da eliminação dos agentes incapazes de operar eficientemente”.
O prazo legal para a apresentação de um plano de recuperação judicial é de 60 dias, contados da decisão que deferiu o processamento (prosseguimento) da recuperação. Diferentemente de um princípio jurídico que pode comportar interpretações diversas, a regra que estipula esse prazo não gera nenhuma dúvida.
O juiz, ao decretar a falência do Imperatriz, apontou que a ausência de um plano de recuperação revelou uma desídia que não se se espera de uma empresa em recuperação, pois prejudica os credores e compromete a própria função social da recuperação judicial.
Ainda que encontremos peculiaridades no contexto econômico social ligado ao clube, bem observadas pelo desembargador ao julgar o agravo de instrumento, negar a falência ou mesmo manter o processo de recuperação em situações como essa, acaba desvalorizando a própria recuperação judicial.
Como consequência, ela poderá ser desvirtuada e, cada vez mais, ser usada, para que empresas ou mesmo associações não cumpram suas obrigações e as prorroguem por meio de uma chancela estatal. Pesquisas recentes mostram que, nos últimos anos, houve um aumento significativo de pedidos de recuperação. Houve, também, um aumento das falências, mas em menor proporção.
Como dizia o saudoso professor Marlon Tomazette, que nos deixou recentemente, “Quem pede recuperação judicial assume o risco de ter a falência decretada”. Esse é o recado que o judiciário deve passar para o mercado.
O autor desta coluna é advogado, especialista e mestre em Direito Empresarial. É sócio do escritório Ribeiro Rodrigues Advocacia.
Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o e-mail lfelipeadvrr@gmail.com.
