No universo microscópico das doenças, os parasitas representam uma força silenciosa e devastadora. Habitam corpos, sugam nutrientes, multiplicam-se nas sombras de nossos órgãos e, não raro, conduzem à morte. Estima-se que mais de dois bilhões de pessoas no mundo hospedem esses seres indesejáveis em seus intestinos, fígados, sangue e tecidos. Da malária que dizima populações à esquistossomose que aflige nossos compatriotas ribeirinhos, os parasitas não pedem licença; simplesmente tomam posse.
Mas seria ingênuo ou talvez conveniente restringir nossa análise ao mundo biológico. O parasitismo transcende os limites da medicina e encontra expressão perfeita nas relações humanas. Ah, como somos hábeis em reproduzir, no plano social, aquilo que condenamos no plano biológico!
Os parasitas humanos – permitam-me a licença metafórica – não necessitam de microscópio para serem identificados, embora frequentemente passem despercebidos por nossa cegueira seletiva. São aqueles que se alimentam do trabalho alheio, que sugam energias, que drenam recursos de forma crônica e sutil.
Há, porém, uma espécie particularmente insidiosa desse parasita social: aquele que caminha ao seu lado por décadas, sorrindo, concordando, aplaudindo seus esforços enquanto secretamente planeja o “mata leão”. Como o Plasmodium, que aguarda pacientemente no fígado antes de invadir as hemácias. Os sinais de sua presença são sutis: elogios exagerados seguidos de pequenos favores solicitados, interesse desproporcional por seus investimentos, perguntas aparentemente inocentes sobre detalhes da sua vida.
Os sintomas de sua ação manifestam-se no isolamento progressivo que promove entre você e outros possíveis parceiros de trabalho, na sensação inexplicável de culpa que você sente ao questionar suas intenções, e na rapidez com que transforma sua gratidão em obrigação. E então, quando a oportunidade aparece, dá o golpe certeiro, transmutando décadas de afeto simulado em documentos, procurações e transferências bancárias que, num passe de mágica, somem e aparecem. O mais irônico? Enquanto você agoniza com a traição, ele já frequenta os mesmos círculos sociais, narrando com pesar a história do amigo ingrato que abandonou.
Como diria o velho Otto, "o Brasil não é para principiantes". Enquanto o Schistosoma mansoni perfura tecidos com simplicidade bruta, os parasitas calculistas executam manobras complexas, revestidas de legalidade e, por vezes, aplaudidas pela plateia que delas padece.
Não falo apenas dos corruptos de ocasião, esses amadores que vez ou outra são flagrados com a dinheiro na cueca. Refiro-me aos parasitas institucionalizados, aqueles que desenvolveram mecanismos sofisticados de extração sem jamais violar, aparentemente, o Código Penal.
Assim como o Trypanosoma cruzi se esconde nas células cardíacas para fugir do sistema imunológico, nossos parasitas sociais ocultam-se em códigos, estatutos e regimentos, tornando-se praticamente inexpugnáveis. Enquanto médicos e cientistas desenvolvem antiparasitários cada vez mais potentes, a sociedade parece impotente diante dos sugadores de recursos públicos.
O mesmo cidadão que se horroriza com a notícia de desvio de verbas da saúde não hesita em "dar um jeitinho" quando a oportunidade se apresenta. Pequenos e grandes parasitas, unidos pela mesma lógica predatória. Não seria este o grande paradoxo brasileiro? Um país abençoado pela natureza, até o tornado da semana passada em Rio Bonito, mas amaldiçoado por seus próprios habitantes?
A ironia é que, diferentemente dos helmintos e protozoários, nossos parasitas sociais raramente causam sintomas agudos. A doença que provocam é crônica, insidiosa, manifestando-se na forma de escolas sem professores, hospitais sem médicos, estradas esburacadas e uma sensação permanente de que algo está errado, embora não consigamos precisar exatamente o que é.
Como médico, posso receitar albendazol para verminoses intestinais. Mas qual seria o fármaco capaz de eliminar o parasitismo entranhado em nossa cultura? Talvez esteja aí a grande diferença entre os parasitas biológicos e os sociais: para os primeiros, desenvolvemos microscópios e medicamentos eficazes; para os segundos, seguimos míopes e desarmados, como se a doença fosse parte inevitável da condição brasileira.
Enquanto discutimos academicamente o problema, os parasitas – de ambas as espécies – seguem seu curso natural: multiplicando-se, adaptando-se e, sobretudo, sobrevivendo às custas do organismo hospedeiro. A diferença é que, no caso dos parasitas humanos, o hospedeiro somos todos nós, a sociedade que desnutre silenciosamente, anestesiada pelo costume.
Ao final, resta-nos a constatação melancólica de que, enquanto as doenças parasitárias podem ser erradicadas com equidade na distribuição de riqueza, saneamento básico, educação e medicamentos, o parasitismo social exigiria uma transformação profunda em nosso modo de ser e estar no mundo. Até lá, seguiremos como aquele paciente crônico que já se acostumou com seus sintomas, que já não se incomoda com a palidez no espelho, que normalizou a fraqueza constante. Um país que aprendeu a conviver com seus parasitas, biológicos e sociais, numa simbiose perversa.
E você, caro leitor, já identificou os parasitas que habitam seu corpo social? Ou você não seria um deles? Certamente não. Parasitas sociais jamais chegariam à última frase dessa crônica. São como vampiros, não conseguem se enxergar no espelho.
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