Em 2022, a pesquisadora na área de saúde mental e gênero e professora do Departamento de Psicologia Clínica (Universidade de Brasília) Valeska Zanello lançou o livro “A prateleira do amor: sobre mulheres, homens e relações”. Voltei a pensar nele nos últimos dias ouvindo minhas pacientes e outras mulheres em grupos maternos se perguntando se, agora, já com mais de 40 anos, separadas, elas ainda tinham chance de encontrar um novo amor.


O livro aborda a queixa na esfera amorosa que é uma constante na vida das mulheres: o porquê de a “beleza” ser ressentida como um capital tão importante, e por que é tão comum mulheres “adotarem” seus parceiros, cuidando deles, por eles e para eles, enquanto os homens não apenas evitam a experiência amorosa, como também são ridicularizados quando se apaixonam, e têm o trabalho ocupando um lugar central em suas vidas, assim como a sexualidade ativa, marcada sobretudo pela ideia de quantidade (“quantas comeu?”).


Para explicar essas questões, relacionadas às hierarquias de gênero, Valeska Zanello propõe a metáfora da prateleira do amor. A imagem da prateleira explicita a profunda diferença qualitativa e de investimento que o amor romântico tem para mulheres e homens. Para elas, trata-se de algo identitário, motivo pelo qual persistem mesmo em relações abusivas. Para eles, trata-se de fonte inesgotável de lucro afetivo.


A metáfora é perfeita sobre como as mulheres se subjetivam. Na nossa cultura, um dos valores mais importantes é o amor. Nós, mulheres, aprendemos uma forma de amar que nos torna vulneráveis, nos tornamos "amor centradas", ou seja, a ideia de sucesso é ser escolhida nessa prateleira. É assim que nos colocamos socialmente e competimos entre nós: a tal rivalidade feminina, fazendo de tudo para estar na prateleira, na frente da prateleira, entre as mais valorizadas, dentro de um ideal estético, um padrão de beleza que foi construído historicamente: jovens, brancas, magras.

 




A prateleira fala do nosso modo de amar e do modo de amar dos homens; as mulheres do fundo da prateleira são aquelas que não servem para o amor.


Na prática, o que tenho visto são mulheres com mais de 40 anos, divorciadas, preocupadíssimas com sua aparência física e com a idade com medo de nunca mais conseguirem se relacionar com um homem. Mesmo as mulheres que estiveram dentro desse ideal estético, por já não serem tão jovens, começam a sentir que estão indo para o fundo da prateleira e sentem medo de não conseguir um novo amor.


Elas conseguiram se libertar de relacionamentos ruins, muitas vezes abusivos, mas não se sentem completas sem um homem, porque aprenderam que não se bastam, que são insuficientes, que precisam de um homem para terem valor. Elas buscam tratamentos estéticos em busca de rejuvenescimento numa tentativa vã de continuar competindo com as mais jovens na disputa por um par. E essa necessidade de ter alguém acaba levando-as a repetir o mesmo tipo de relacionamento anterior, no qual se contentam com migalhas masculinas, porque preferem estar mal acompanhadas do que sós.

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