Há uma característica mineira que analistas costumam resumir assim: por aqui, mesmo o que não é político acaba sendo. Não se trata de uma vocação dramática, mas de uma sensibilidade histórica. Minas lê camadas. É treinada para decodificar acenos, medir palavras, comparar gestos. Por isso, a visita de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a Belo Horizonte, formalmente dedicada a entregas do governo federal, produziu efeito imediato no ambiente eleitoral. O presidente veio inaugurar ações do governo federal. Saiu tendo reorganizado conversas que ocorriam a portas fechadas. Dez meses antes da eleição, é o suficiente.

Durante entrevista ao Estado de Minas, ao Portal Uai e à TV Alterosa, Lula mencionou nomes que, a seu ver, compõem o repertório de alternativas para 2026. Citou Alexandre Kalil, do PDT; Tadeu Leite, do MDB; Marília Campos, do PT; Margarida Salomão, também do PT; e Rodrigo Pacheco, do PSD. Ao listar esses cinco nomes, o presidente abriu uma espécie de inventário público das possibilidades que o PT e o próprio Palácio do Planalto enxergam em Minas. A lista produziu reações imediatas e assimétricas, mas também cumpriu outra função que Brasília e Belo Horizonte já reconhecem nos bastidores: dar um norte a um campo político que vinha operando em estado de dispersão.


Enquanto a direita mineira avança com mais organização e clareza de projeto, com Mateus Simões (PSD) já costurando alianças e Cleitinho (Republicanos) firmando posição na disputa pelo voto conservador, a centro-esquerda ainda tateava seus próprios caminhos.


Havia liderança, mas não direção. Força eleitoral, mas pouca coordenação. Lula, ao falar, reduziu essa nebulosidade. Sua lista, longe de definir candidaturas, serviu para reposicionar atores, sinalizar prioridades e, sobretudo, despertar um campo político que estava meio adormecido desde o fim das eleições municipais. Em outras palavras, o presidente precisou empurrar o processo para que Minas deixasse de flutuar e voltasse a organizar o próprio roteiro.


Kalil, por exemplo, preferiu o silêncio. A menção de Lula o recolocou na prateleira das lideranças viáveis, mas não mudou nada do que se apura sobre sua postura. O ex-prefeito carrega mágoas do PT e calcula que qualquer aproximação explícita pode comprometer negociações que ainda não amadureceram. A reunião recente com Edinho Silva, presidente nacional do PT, não avançou. Kalil deseja apoio petista, mas não se dispõe a associar sua imagem à simbologia da sigla, o que limita contrapartidas e desafia a expectativa por reciprocidade. A citação presidencial tem valor simbólico, mas não altera seu rumo de curto prazo.


O caso de Tadeu Leite é distinto. O elogio de Lula ao presidente da Assembleia Legislativa, reforçado por uma rápida conversa no palanque, foi interpretado como gesto de boa-fé política e reconhecimento de relevância institucional. Tadeu já havia sido citado por Edinho Silva dias antes, o que indica convergência entre o partido e o Palácio do Planalto. O movimento ganhou ainda mais peso porque ocorreu em meio a protestos de sindicalistas contra a privatização da Copasa. Na Assembleia, a crítica é considerada politicamente dirigida, já que Tadeu pauta e os cinquenta votos favoráveis são de responsabilidade do governo Zema.

 

Rodrigo Pacheco ocupa lugar central na intenção declarada do presidente. Lula disse não ter desistido do senador, apontando-o como maior personalidade pública de Minas e nome natural para a disputa de 2026. A resposta de Pacheco foi cortês, reafirmando o diálogo institucional e agradecendo o reconhecimento. Mas nada se moveu internamente. Interlocutores próximos reiteram que a janela para essa candidatura se fechou.


A filiação de Mateus Simões ao PSD, com aval de Kassab, comprometeu o espaço partidário para o senador. Para disputar, Pacheco precisaria de nova legenda e construção de coalizão – condições inexistentes hoje. MDB, União Brasil e PP têm seus próprios projetos; o PSB, única alternativa teórica, o deslocaria politicamente. Soma-se a isso seu desejo de encerrar a vida pública com o fim do mandato. Lula insiste que há tempo. Os aliados de Pacheco discordam.

As duas prefeitas citadas vivem circunstâncias claras. Margarida Salomão já havia comunicado que não deixará a prefeitura de Juiz de Fora. Sua inclusão na lista foi recebida mais como deferência do que como projeção real de candidatura. A situação de Marília Campos, porém, envolve cálculo. Ao Estado de Minas, ela afirmou estar aberta a disputar o Senado, desde que essa seja a prioridade do presidente. Rechaçou qualquer hipótese de concorrer ao governo, seja para a cabeça de chapa, seja como vice. A bancada federal do PT aprovou seu nome por unanimidade para o Senado, pendente apenas da deliberação do diretório estadual. Marília, no entanto, deseja ser candidata única da chapa, um desenho ameaçado pela possibilidade de o ministro Alexandre Silveira ser incluído como segundo nome. A disputa interna permanece aberta.


A visita de Lula pretendia reforçar entregas. Terminou iluminando rotas políticas que já estavam em construção. Kalil preservado. Tadeu valorizado. Pacheco inalterado. Margarida fora do jogo. Marília condicionada. Minas reagiu como sempre reage: olhando o que está dito e o que está sugerido. E, desta vez, com a precisão de quem sabe que dez meses são suficientes para mudar tudo, mas não para ignorar sinais.

 

JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS


DAMIÃO NA TV ALTEROSA

O prefeito de Belo Horizonte, Álvaro Damião (União Brasil), participou ontem, quando a capital mineira completou 128 anos, do programa Alterosa Agora, da TV Alterosa, em que foi apresentador por anos. O chefe do Executivo municipal disse que a presença no programa no aniversário da capital mineira, agora como convidado, foi muito emocionante, além de ser uma data muito especial para ele. “É muito emocionante voltar à TV Alterosa, porque é minha casa. Minha vida está aqui, minha história está aqui. Eu sou muito agradecido a todos que me ajudaram, de alguma forma, em todas as etapas da minha vida e a TV Alterosa também me ajudou, me deu mais visibilidade”, afirmou.

 

GABRIEL, O AUSENTE NECESSÁRIO

A ausência de Gabriel Azevedo (MDB) na lista de possíveis nomes para 2026 citada por Lula não foi mero esquecimento. Setores do PT resistem ao ex-vereador, e o Planalto preferiu não projetar uma alternativa que parte da sigla não endossa. Nos bastidores, a exclusão foi tratada como decisão consciente. Mas a omissão também atende a um movimento que parte do próprio Gabriel. Fontes próximas ao emedebista afirmam que a omissão presidencial, longe de prejudicá-lo, pode até reforçar sua estratégia. Para ele, não ter a bênção do presidente é útil; distanciar-se do bolsonarismo, indispensável. A lógica é semelhante à que orientou a estratégia de Fuad Noman na disputa pela Prefeitura de Belo Horizonte em 2024: ocupar o centro num tabuleiro polarizado. Nesse cenário, o silêncio presidencial não o enfraquece. Para Gabriel, ele opera quase como ativo político.


DISPUTA POR PODER

Nos bastidores da Prefeitura de Belo Horizonte, a avaliação é que quem tem garantido as principais entregas da agenda externa da cidade é a secretária-adjunta de Desenvolvimento Econômico, Chyara Sales. Professora de Relações Internacionais e com trânsito antigo no tema, Chyara é creditada internamente pela vice-presidência das Mercocidades para 2026/2027, pela liderança local na Copa do Mundo Feminina da Fifa de 2027 e pela captação de quase 2 milhões de reais em fundos internacionais. A expectativa é que, após a aprovação da reforma, sua área seja integrada à estrutura do novo secretário Cheng Qu, que deve focar na atração de negócios.

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