Em 2022, publiquei aqui nessa coluna o texto “A última volta na volta” dizendo sobre a importância de saber fechar ciclos. Naquela época, fiz minha última volta em torno da Lagoa da Pampulha e me despedi das provas de longa distância. Depois de anos correndo em diversos lugares do mundo, acumulando medalhas, lesões, histórias, disciplina e autoconhecimento, eu tinha chegado à conclusão sincera de que um ciclo havia se completado. Meu corpo e minha mente pediam uma pausa, e eu os ouvi. Naquele momento, encerrar parecia o movimento mais honesto que eu poderia fazer comigo.
Mas a vida, com sua maneira silenciosa de nos surpreender, foi me convidando a revisitar essa decisão. Meus filhos descobriram o amor pela corrida e, motivada pelo entusiasmo deles, voltei a treinar. Não no mesmo ritmo que eles, porque cada um tem sua trajetória, seu tempo, seu corpo. Ainda assim, algo dentro de mim reacendeu. E percebi que, sim, eu podia mudar de ideia, e que isso não representava incoerência, fraqueza ou falta de palavra. Representava movimento.
A impermanência, ensinamento tão presente em tradições filosóficas e espirituais, costuma nos lembrar que nada permanece igual por muito tempo. Nós mudamos, nossos corpos mudam, nossos desejos mudam, as circunstâncias mudam. O que ontem parecia uma certeza absoluta pode, hoje, já não fazer sentido algum. O ciclo que parecia encerrado pode se abrir novamente. O que parecia impossível pode voltar a ser possível. Aceitar isso exige humildade, flexibilidade e um olhar generoso para si.
Quando decidi me inscrever novamente na Volta da Pampulha, que acontece agora no dia 7 de dezembro, algo em mim estava mais leve. A decisão não nasceu da pressão ou da nostalgia, mas do reconhecimento de que eu podia recomeçar sem negar o que vivi. A verdade é que encerrar um ciclo não invalida a possibilidade de abri-lo de novo, caso a vida nos ofereça outra perspectiva. Fechar significa dar um tempo àquilo que, mais adiante, talvez se revele sob outra forma.
A corrida, mais uma vez, me trouxe uma lição. Em um dos treinos, eu precisava correr 14 quilômetros, mas naquele dia o corpo não respondeu. Estava pesado, lento, desconectado. Parei, respeitei meus limites e, desapontada, voltei para casa. Planejei o treino novamente e três dias depois, no mesmo percurso, completei a distância com tranquilidade. O corpo é sábio. A vida também. Há dias em que avançamos, há dias em que pausamos. Nada disso define quem somos; define apenas o momento que estamos atravessando.
Lembrei daquele velho ditado: às vezes precisamos dar um passo atrás para dar dois para frente. E aqui está uma verdade que aprendi na pele: ser resiliente não é insistir até quebrar. Ser resiliente é adaptar-se, reavaliar, recuar quando necessário e retomar quando fizer sentido. É permitir-se mudar de ideia sem culpa, porque mudar de ideia também é sinal de maturidade e não de fragilidade. É saber ouvir o corpo, o outro, a vida, a nova versão de si mesmo que vai se revelando conforme o tempo passa.
E você, se permite mudar de ideia?
Há algo que decidiu lá atrás e que talvez hoje já não faça mais sentido?
O que você insiste por lealdade ao passado e não por vontade presente?
Existe algum “nunca mais” que virou “talvez agora”?
A impermanência não é um convite à instabilidade; é um convite à honestidade. A vida se move, e nós nos movemos com ela. Permitir-se mudar de opinião, de direção ou de ritmo é um gesto de coragem e de presença. É reconhecer que a pessoa que tomou uma decisão no passado não é exatamente a mesma pessoa que existe agora.
Posso mudar de ideia e está tudo bem.
Você também pode. Permita-se.
