Quando você se olha no espelho, você se enxerga ou apenas se vê? Com essa pergunta, iniciei, na semana passada, um encontro com mulheres para refletirmos sobre imagem pessoal, constelação e autoestima. A intenção era abrir espaço para algo além da estética: falar sobre como nos percebemos, como nos apresentamos ao mundo e, sobretudo, como nos reconhecemos diante de nós mesmas.
Vivemos em uma sociedade que nos cobra sermos felizes o tempo todo, como se a vida fosse uma vitrine. Nas redes sociais, sorrimos, mostramos conquistas, exibimos filtros e escondemos imperfeições. Mas quem somos além da imagem que projetamos? O que existe por trás desse reflexo no espelho?
Ainda que alguns tentem se proteger dizendo: “Não me importo com o que vão dizer, eu sou assim”, na prática, sustentar essa postura é desafiador. Muitas vezes, cedemos à pressão porque ser quem se é, com sua própria história e vulnerabilidades, exige esforço e coragem. Desagradar, perder a validação externa e quebrar expectativas não é nada fácil.
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A psicanalista Vera Iaconelli nos lembra que o “eu” nasce cedo, por volta dos dois anos, quando criamos uma autoimagem que carregamos pela vida. “Eu sou a filha querida, eu sou a boazinha, eu sou a princesa linda.” Mas essa imagem é apenas uma parte, frágil e ilusória, do que realmente somos. A vida nos convida, constantemente, a revisitar e expandir essa construção. A menina que hoje se vê como senhora no espelho precisa abrir espaço interno para acolher novas fases, novos papéis e novas identidades.
O problema é que muitas vezes ficamos aprisionados a uma imagem única, superficial, que precisa estar sempre perfeita. As redes sociais reforçam esse aprisionamento: o filtro, mais aceito do que o rosto real, transforma-se na nova “verdade”. Isso é insustentável. Alguém grava um vídeo e, ao se rever, pensa: “Estou feia, parecendo isso ou aquilo”. Mas está apenas se vendo como é. O problema é que, em algum ponto, ser quem se é deixou de ser suficiente. Então, repete-se a gravação, recorre-se a filtros, porque a imagem passou a valer mais do que a própria pessoa. Não é mais fake news, é o fake de si mesmo.
Esse processo é despersonalizante, passamos a acreditar que nosso valor está apenas no que mostramos. Se para os adultos “maduros” vencer tudo isso já é difícil, imaginem para as crianças e jovens em formação. Não surpreende que tantos adolescentes sofram ao sair de casa, como vão se expor “sem filtro”? A consequência é o “encasulamento” ou a corrida por padrões inalcançáveis, muitas vezes sustentados por procedimentos estéticos invasivos.
Meninas pressionadas a serem magras, com uma pele impecável, sem marcas ou imperfeições; meninos cobrados a exibirem força e músculos. Mas, afinal, quem somos além da imagem? Onde está nosso verdadeiro valor?
Pesquisas mostram que, ao conhecer alguém, o cérebro forma impressões em segundos, e 93% dessa impressão vem da comunicação não verbal. O olhar, a postura, o tom de voz falam antes das palavras. Isso revela o poder da imagem, mas também o risco: se não houver consciência, a imagem vira prisão; se houver autoconhecimento, ela se torna recurso autêntico de expressão.
E aqui entram dois pilares fundamentais: amor-próprio e merecimento. Amar-se é reconhecer que você não é apenas um corpo ou um reflexo, mas uma história viva, feita de qualidades e fragilidades. É aceitar-se em cada fase, sem a necessidade de se comparar o tempo todo. Merecer é se permitir ocupar espaços sem sentir culpa, acreditar que o valor não está apenas no que você oferece ao outro, mas também no simples fato de existir. Sem amor-próprio e merecimento, a imagem nunca será suficiente, sempre parecerá precisar de mais um filtro, mais um retoque.
Como dito pela pesquisadora Brené Brown, “acreditar que somos dignos de amor, pertencimento e alegria é o poder que move nossas vidas”. Diversos estudos em psicologia positiva também comprovam que autoestima e merecimento são pilares da saúde mental, relacionamentos e realização pessoal.
Nesse sentido, construir sua marca pessoal não é vaidade, mas um processo de autoconhecimento profundo. É perguntar: quem sou eu? Como quero ser visto e percebido? Qual mensagem quero transmitir? É alinhar imagem, postura e comunicação ao que realmente faz sentido para você.
Para refletir, pense em um ser pelo qual você sente amor incondicional. Se este ser estivesse triste ou em dificuldade, o que você faria? Provavelmente ofereceria colo, cuidado, escuta e incentivo. E quando é com você mesma? Por que tantas vezes somos tão rigorosos conosco, negando o mesmo amor e compaixão que oferecemos aos outros? Talvez esteja aqui a chave: recuperar o amor incondicional por nós mesmos.
Amar-se não significa egoísmo, mas reconhecer o próprio valor e cuidar das próprias necessidades. Priorizar o seu bem-estar não é negligenciar o outro, mas uma condição para relações verdadeiramente saudáveis. O amor-próprio é exercício constante e diário, feito de autocompaixão, gentileza e compreensão.
Reinventar-se é um movimento de dentro para fora. O mundo está pronto para receber sua melhor versão, mas, antes, ela precisa ser reconhecida por você.
Como já dito aqui nesta coluna antes, você é a única pessoa que estará com você para o resto da sua vida. Portanto, trate-se bem.
Não seja uma cópia. Seja uma edição única, exclusiva de si mesma.
