Jornal Estado de Minas

O lugar não dá mais nada

Cheiro de boi podre, quando o boi está apodrecendo. Muito ruim. Aquilo ali atacou a cabeça. Eu tive que tomar remédio, ir a Belo Horizonte. Me deram soro, aplicaram remédio e aí fiquei uns cinco dias no hospital tomando remédio por conta do cheiro. Quando vou dormir, lembro de ver todo mundo morto. Sonho de noite. Antigamente, quando estava aqui, batia na cama que nem uma pedra.

Lá (em Mariana), não. Eu bato na cama, durmo um sono e daí a pouco acordo assustado.

Estou na pousada e minha mulher na casa da filha. Aqui nesse lugar (Paracatu de Baixo) não adianta mais, não. Só se comprarem lá para cima. O lugar em que está esse barro aqui não dá mais nada. Estava sentado lá na casa do meu vizinho e tem um pé carregado de chuchu. Só porque essa lama beirou lá morreu o pé de chuchu.
Quem tinha mamão... Já morreu tudo. O lugar em que passa essa lama não precisa plantar, que não dá nada.

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Tenho 12 filhos. O mais velho tem 35 anos e meu caçula vai fazer 15 este ano. Os que estudaram foram saindo. Tenho um sítio aqui (em Paracatu de Baixo) e outro lá embaixo, em Pedras (outro distrito de Mariana). Aqui eu tenho galinha, porco, galinha de angola, pato, peru e tudo, por isso venho tratar aqui.

Nunca imaginava que ia acontecer. Quando eu vi, pensei que ia cobrir tudo de barro, pedra e lama.
Eu estava lá em casa na horta. Quando o avião (helicóptero) piscou a luz, tinha um campo ali, atrás daquela árvore. Ele pousou e eu vim cá ver o que era.
Disseram que era para voltar, avisando todo mundo que a represa tinha abrido. Eu avisei. Fui naquela rua, subi na outra, quando cheguei em casa, peguei os documentos, mas não consegui passar mais e dei volta por trás do cemitério. Os carros estavam lá em cima para levar a gente para Mariana. Achei que poderia ter morrido muita gente, mas aqui não morreu.


No dia (5 de novembro), acordei cinco horas. Fui lá embaixo no sítio, colhi o gado solteiro, voltei, tratei dos porcos, das galinhas, porque sempre de tarde eu chamo eles para contar. Assim eu fiz. Eu estava na horta mexendo, quando o avião piscou e vi que ia pousar.
O cara avisou e voltei rápido.

Verdura eu plantava para sobrar. O que eu trazia da cidade era só o sal e o óleo, que não tem jeito de a gente fazer. Sabão, a minha mulher fazia em casa. Carne, eu mato o porco e faço em casa. Colhia umas três dúzias de ovos por dia. Vendia tudo. A maior parte das galinhas eu tive que vender.

Ia uma vez no mês a Mariana. Agora eu tô lá, mas aborrecido. Cinco horas da manhã eu levantava, bebia o café, montava no burro e ia para baixo. Lá na pousada o café é só sete horas.
Às vezes quero sair cinco. Mas sem café eu não sei ficar. Para sair tenho que beber café. Tenho que merendar.

Tinha um bar ali, a gente ia jogar bola na quadra, depois para o boteco beber. Depois ia para quadra. Tomava um banho, jantava e ia dormir. Na roça tem mais liberdade. Lá (em Mariana), não. Passou de onze horas não pode fazer bagunça na rua mais. Aqui fazia forró na casa de um e de outro. Amanhecia o dia. Lá não pode fazer isso que os caras querem matar a gente.


Eu toco violão e bato pandeiro. Aprendi a tocar violão lá em São Paulo. Quando era jovem, fiquei muito tempo em São Paulo. Fui ganhar dinheiro. Comprei três sítios com o dinheiro de lá. Trabalhava de carpinteiro fazendo fôrma. Para baixo tenho dois sítios. Não sou estudado. Só assino meu nome. Não sei escrever, mas tenho muita terra. Muita terra e doze meninos.

Quando vou tomar uma cerveja tenho que tomar uma (cachaça) junto. Hoje (às 16h) já bebi três pingas. A cachaça boa é do Antônio de Adão, fica para baixo, em um lugar chamado Cuiabá. Também planto fumo. Seco a folha e depois tranço. Se alguém quiser comprar eu vendo.

O que mais vou sentir falta é de andar a cavalo na cavalgada. Sinto tristeza também porque não tem a liberdade de poder sentar, tomar cachaça, beber cerveja. Lá em Mariana sempre chega um enjoado e pede para pagar para ele. Aqui não tinha nada disso.

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