Jornal Estado de Minas

Demorei anos para fazer minha casinha

Minha sala era grandona. Tinha um lugar de colocar o sofá para assistir televisão e tinha uma parte que colocava a mesinha de jantar. Na minha cozinha, era tudo de cerâmica. Até em cima. Muito bonita, com galpão separado da sala para a cozinha. Era meu sonho, porque nunca tive antes. Tinha o quarto de cada um dos meus filhos. O do meu menino era azul e branco, porque ele é cruzeirense.O meu era vermelho e amarelo e o da minha menina era lilás.

Era muito gostoso, viu?

A rua em que a gente morava era só família. Tinha dois moradores que não eram da família. Falávamos até que era o beco dos Barbosa. Eu demorei anos para conseguir fazer minha casinha depois que fiquei viúva. Faz seis meses que terminei de construir e comecei a morar lá. Morava de aluguel, mas ficou difícil e passei a morar dentro da casa do meu pai com meus meninos para conseguir construir.

- Foto: Alexandre Guzanshe/Em/D.A Press

Trabalho com geleia de pimenta. Eu fiquei viúva e a turma me chamou para entrar como sócia e até esquecer um bocado da vida.
Comecei a trabalhar e, enquanto estava no serviço, esquecia o que estava acontecendo comigo. Me ajudou a superar a dor da perda.

Tinha um sítio lá que era arrendado. De manhã a gente ficava no plantio.Desde a sementeira até a colheita.Quando era à tarde, a gente já ia para fábrica e da fábrica para a produção. Sem aperto, fazia 250 potes por dia. Vendia por R$8 o pote.O dinheiro ajudava bastante. Não era uma renda fixa, mas cheguei apegar mais de R$ 1 mil. Mas não era direto.

São nove mulheres e um homem. A receita leva pimenta biquinho, açúcar, suco de laranja com limão e pimenta malagueta.
O segredo final não pode contar. Ela é doce. Eu gostava dela no churrasco. Podia comer com torrada, macarronada, queijo. Tinha gente que fazia vários tipos de receita com ela. Tinha gente que gostava dela no sorvete.

- Foto: Alexandre Guzanshe/Em/D.A Press

Se eu pudesse voltar lá em casa, queria uma agenda quem eu marido largou para mim, com palavras muito bonitas, três dias antes de ele morrer. Porque ele sabia que ia morrer, mas não contou para a gente. E a camisa que ele morreu com ela. Como suor dele. Que eu sempre guardei.
Era o que eu mais queria ter pegado.

No dia (do rompimento da barragem) acordei normal e depois fiquei de boa, esquentei almoço, almocei, deitei e dormi um pouco. Levantei e fui arrumar a casa. As minhas filhas estavam para Mariana e eu estava com meu neto, mas ele não deixou eu dormir. Fui no ponto de ônibus encontrar minha filha, a mãe do meu neto, e veio a Paula, buzinando e gritando.

- Foto: Alexandre Guzanshe/Em/D.A Press

Minha filha estava chegando e pegou o menino. Eu corri para buscar minha mãe e minha irmã. A mãe da minha cunhada é uma senhora de idade e não aguenta andar direito. Meu menino pegou ela no colo, saiu correndo para colocar ela em um carro e levar para o alto. Parece deu um branco que eu só vi na hora que chegamos no alto. A lama já tinha ido e voltado. Eu vi uma árvore batendo na minha casa, levantando ela para cima.
Desmanchou de uma vez.

O resto da tarde e noite passamos no mato. Esperando até o dia seguinte para ser resgatados.Foi uma dor, gente. Uma dor enorme. Eu era sozinha com meus filhos, tinha que fazer tudo e Deus me deu força para conseguir fazer minha casa. Com um segundo ela foi e desmoronou toda.



Aquele lugar era maravilhoso. Tinha ponto de encontro no final de semana, juntava os amigos todos, mas agora está tudo espalhado. Está sendo barra para aguentar. Meu marido morreu tem cinco anos, vai fazer seis. Sofreu infarto e não teve solução. Morreu no mesmo dia. Na mesma semana eu voltei para casa da minha mãe. Ela não deixou eu ficar lá.

Eu pretendo ter uma casinha digna para meus filhos e cuidar deles. Nosso pedacinho, nosso cantinho já se foi. Eu pretendo que a justiça seja feita. Não quero nada além do que eu tinha. Quero as coisas que eu mereço. Não quero lutar pelo que não mereço. Quero um lugar digno para meus filhos. O sonho é voltar todo mundo de novo.

 

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