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Estado de Minas

Línguas indígenas correm risco de desaparecer

Encontro em Campinas sobre estudos da linguagem, com cientistas de 10 países, indicou que dezenas de idiomas de centenas de etnias estão ameaçados de sumir do mapa


postado em 15/05/2016 06:00 / atualizado em 15/05/2016 09:22

Calcula-se que, pelo menos, 17 línguas indígenas brasileiras estão em situação vulnerável(foto: Reprodução Internet)
Calcula-se que, pelo menos, 17 línguas indígenas brasileiras estão em situação vulnerável (foto: Reprodução Internet)

“O futuro não é mais como era antigamente” é um verso de Índios, canção da Legião Urbana lançada no álbum Dois (1986). Pois o futuro a que Renato Russo se referia 30 anos atrás é o nosso presente. Para os povos indígenas brasileiros, um cenário nada animador. Encontro realizado no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) no mês passado, com 100 cientistas de 10 países, chamou a atenção para o provável desaparecimento de dezenas de línguas indígenas.

Estima-se que quando da chegada dos europeus ao Brasil havia 1.175 línguas indígenas. Desde então, 85% das línguas originárias desapareceram. Levantamentos recentes dão conta de cerca de 180 línguas na atualidade. “Com o processo da globalização e perda dos territórios indígenas, é possível que nos próximos 20 anos mais de 40 delas desapareçam”, afirma o linguista e professor do IEL-Unicamp Angel Corbera Mori. As mais de 300 etnias indígenas no Brasil somam, segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 2010, 896.917 pessoas. Dessas, 324.834 vivem em cidades e 572.083 em áreas rurais, o que corresponde aproximadamente a 0,47% da população total do país. Como os dados são de seis anos atrás, possivelmente esse quadro atualmente é muito diferente.

Segundo o Atlas interativo mantido pela Unesco (2010), todas as línguas indígenas faladas no Brasil encontram-se em situação vulnerável, mas várias delas se situam em diferentes graus de ameaça de extinção, dependendo do processo sócio-histórico de cada povo, explica Mori. O primeiro grau é o chamado das línguas “moribundas”, aquelas em que as crianças já não as têm como língua materna. “Calcula-se que, pelo menos, 17 línguas indígenas brasileiras estão nessa categoria. São as faladas pelos povos desano, tupari, javaé, wari, nadëb, haukwá”, exemplifica o pesquisador.

Em um grau abaixo, vêm as línguas “seriamente ameaçadas”, aquelas faladas apenas pelas gerações mais velhas. “Os mais jovens as entendem, mas não conseguem se comunicar, sendo incapazes de transmitir o idioma para seus filhos. Dezenove línguas indígenas podem ser consideradas nessa situação, tais como barasana, djeoromitxi, paumari, xerente, terena e tapaiúna”, continua.

Por último, estão aquelas em situação crítica de extinção, faladas apenas pelos mais velhos. Neste terceiro grau estão pelo menos 45 línguas indígenas, dos povos trumai, poianaua, tariana, quiniquinaua e xoclengue.

Entre os países sul-americanos, o Brasil é o que tem a maior diversidade linguística e cultural, seguido pela Colômbia, Peru e a Bolívia. Falar em números exatos é algo muito complicado. O IEL considera 181 línguas indígenas nos dias de hoje. Já para os linguistas ligados ao Museu Emílo Goeldi, no Pará, o número não ultrapassaria 150 no país. Por mim, o Censo Demográfico de 2010 elaborado pelo IBGE resultou em 274 línguas.

“Dependendo dos critérios que forem utilizados no inventário dos códigos linguísticos usados pelos diferentes povos, teremos um inventário de número maior ou menor de línguas indígenas que ainda se falam no Brasil. Ainda são necessários estudos linguísticos e antropológicos mais sistemáticos para termos uma resposta mais segura e, assim, conseguir identificar o que seria uma língua ou dialeto de uma determinada língua”, explica Angel Mori. Indo mais a fundo, o pesquisador chama a atenção para o fato de não existir uma relação entre o número de pessoas e quantas delas ainda falam a língua indígena. “Há casos em que etnias inteiras já deixaram de falar sua língua originária, passando a ser falantes do português”, explica. Mesmo mantendo costumes ancestrais, os potiguaras (na Paraíba), pancararus (Pernambuco), quiriris e pataxós (Bahia) falam hoje em dia unicamente o português. “Em outros casos, há povos que contam com um número irrisório de falantes que ainda mantêm a língua materna, como os iaualapitis (três falantes), ofaiés (cinco falantes), cuazás (30 falantes), aricapus (dois falantes).”

PROTEÇÃO
Para o pesquisador, medidas necessárias para evitar a extinção vão desde ações do próprio Estado como do cidadão comum. “É importante que o Estado brasileiro proteja os territórios indígenas para o autodesenvolvimento socioeconômico e para que cada povo continue desenvolvendo sua língua e seus costumes ancestrais”, acrescenta Mori. Ele ainda sugere a criação de um Instituto de Línguas Indígenas que “ofereça assistência aos povos e indivíduos nos processos de documentação e revitalização de suas línguas”.
Por fim, chama a atenção para a visão que se tem dos povos indígenas. “Para o leigo, e mesmo para as pessoas com nível acadêmico superior, os povos originários falam dialetos ou gírias. Chega-se ao absurdo de considerar que uma língua indígena carece de gramática. Essa visão é etnocentrista, as pessoas acham que só as línguas indo-europeias têm gramática. Cada língua indígena constitui um sistema de comunicação. Como tal, elas têm gramática como qualquer outra língua natural; do contrário, os falantes não se comunicariam entre si.”

Três perguntas para...

Filomena Sandalo
Professora do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp

Que elementos existem em comum entre as línguas indígenas brasileiras?
Não vejo um modo de caracterizar como unidade as línguas brasileiras. Existem línguas nativas tão diferentes como o português e o chinês. E há similaridades de línguas faladas no Brasil com línguas de outras partes do mundo. Por exemplo, a língua cadiuéu tem um sistema de classificadores numerais similar ao do mandarim, embora não idêntico. E há ainda similaridades universais, isto é, compartilhadas por todas as línguas do mundo. Temos uma grande diversidade de línguas no Brasil que necessitam de estudo detalhado urgentemente.

Há etnias que falam línguas semelhantes?
Há línguas com semelhanças entre si que indicam parentesco. Há no Brasil 43 famílias e dois troncos linguísticos. Há, igualmente, umas seis línguas consideradas “isoladas”, pois elas não partilham propriedades linguísticas com nenhuma outra língua ou família linguística conhecida.

Como se define que uma língua corre risco de extinção?
Sabemos que uma língua está em perigo de extinção pelo número de falantes. Todas as línguas nativas do Brasil são faladas por minorias dentro deste país e, portanto, estão em perigo de extinção.

Indígenas no Brasil


896,9 mil indígenas
342,8 mil indígenas na Região Norte (a mais populosa)
78,8 mil indígenas na Região Sul
(a menos populosa)
46,1 mil indígenas da etnia Tikúna,
a maior delas
305 etnias


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