Para compreender esse mecanismo, os pesquisadores fixaram os insetos pela cabeça e os colocaram sobre uma esfera móvel. Conforme eles caminhavam sobre a bola, um sistema de realidade virtual acompanhava os movimentos das moscas, como se elas estivessem andando por um cenário de verdade. Dessa forma, os cientistas podiam controlar mudanças no ambiente e ver, por meio de sensores que monitoravam a mente dos bichos, se eles buscavam se desviar dos obstáculos virtuais que por ventura surgiam no caminho.
O experimento mostrou que as moscas confiam mais nas imagens que veem do que na própria noção de direção. Se o cenário virtual mudasse de direção ou se movesse em uma velocidade diferente da do inseto, o cérebro do animal tendia a corrigir o seu mapa mental de acordo com o que ele via. “Alguns dos truques algorítmicos que o nosso cérebro usa para a navegação também podem ser usado pelas moscas, embora o cérebro delas, quase certamente, não tenha toda a complexidade do nosso nesse quesito”, explica ao Estado de Minas Vivek Jayaraman, principal autor do trabalho e pesquisador do Howard Hughes Medical Institute, nos Estados Unidos.
Estudos feitos com gafanhotos e borboletas também já haviam mostrado que insetos formam mapas mentais de acordo com informações do ambiente. E experimentos realizados pelo Instituto de Neurobiologia da Universidade Livre de Berlim concluíram que abelhas são capazes de encontrar o caminho para a colmeia com a ajuda de referências geográficas, mesmo quando os pesquisadores tentavam enganá-las ao colocá-las num ambiente com a posição do sol modificada.
A pesquisa de Jayaraman, contudo, é a primeira evidência de que os insetos têm neurônios que processam a “direção de cabeça”, encontrados até então somente em mamíferos.
Assim como nos mamíferos, a bússola interna das moscas continua funcionando mesmo quando o bicho fica imóvel. Em experimentos feitos na ausência de luz, os insetos mostraram que também são capazes de se localizar graças a essa bússola interna. “O sistema também funciona no escuro. Mas, assim como nós, as moscas parecem perder sua orientação depois de um tempo no breu. A bússola interna acumula erros com o tempo, no nosso cérebro e no das moscas”, ressalta Jayaraman.
Cognição A semelhança entre moscas e humanos é um fator muito valioso para os cientistas, que podem usar os insetos em uma grande variedade de estudos sobre a cognição espacial das pessoas. Como o cérebro dos pequenos seres é muito mais simples, torna-se mais fácil observar e descrever a dinâmica mental desses animais e desenvolver hipóteses sobre a mente das pessoas.
“Esse trabalho vai mudar a ciência, porque revela que um problema fundamental na cognição, que é como eu sei onde estou no mundo, tem uma resposta potencialmente mais simples do que pensávamos, e é muito mais comum na evolução do que o esperado”, ressalta Thomas Chandinin, do Departamento de Neurobiologia da Universidade de Stanford.
O pesquisador norte-americano não participou dessa pesquisa, mas publicou, no ano passado, um artigo em que mostra similaridades entre o processamento visual das moscas e o dos humanos. “Mesmo que os olhos (das duas espécies) sejam muito diferentes, o trabalho de Jayaraman leva essa similaridade a um novo nível, já que se imaginava que as ‘bússolas’ fossem uma invenção exclusiva dos vertebrados”, afirma Chandinin..