Jornal Estado de Minas

Tecnologia ajuda a desvendar a evolução da música pop

Software com tecnologia para analisar genes traça caminho da música pop ao longo de 50 anos. Estudo mostra, por exemplo, que a estética dos Beatles foi antecipada por outros artistas

Roberta Machado

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Brasília – Quem antes só acompanhava os sucessos pelo rádio, viu a revolução do videoclipe e hoje vive na era da música digital sabe: a música popular passou por uma série de revoluções desde a década de 1960. Da invasão do rock britânico à era disco, das batidas dos anos 1980 aos versos do rap norte-americano, o jeito de fazer (e ouvir) composições mudou muito nos últimos 50 anos. Mas será que dá para explicar como as mesmas paradas musicais que eram dominadas pelos Beatles acabaram invadidas por artistas como Snoop Dog? Com a ajuda de um computador, pesquisadores britânicos estão tentando desvendar as regras da evolução da música pop.

O estudo comparou mais de 17 mil músicas produzidas ao longo de cinco décadas. Os títulos – que representam 86% das canções que chegaram à lista de 100 maiores hits da Billboard americana entre os anos de 1960 e 2010 – foram analisados pelo computador em segmentos de 30 segundos. A máquina transformou os arquivos de áudio em dados que representavam diferentes “ingredientes musicais” e mediu a prevalência de cada característica nos títulos que fizeram sucesso ao longo dos anos.

 “Nos últimos 15 anos, a tecnologia tem melhorado muito, e nós podemos extrair informações sobre os acordes, as batidas, o timbre e muitas outras coisas”, explica ao Estado de Minas Matthias Mauch, pesquisador da Queen Mary University, de Londres. O programa pôde apontar quais períodos foram marcados por composições mais diversas e que épocas tiveram menos variedade musical. “Com as novas técnicas de análise disponíveis, uma nova e mais empírica ciência da música se torna possível. No futuro, estudiosos da cultura não poderão ignorar esse componente”, acredita Mauch.

Algoritmos

As músicas foram separadas em 13 grupos, que simplificam a variedade de estilos lançados nas últimas décadas.

Com a ajuda de algoritmos de bioinformática, originalmente usados para descobrir a função de genes de seres vivos, o computador agrupou canções de gêneros similares, como jazz, funk e soul; country e folk; e new wave e eletrônica.

A pesquisa mostrou, por exemplo, que a primeira grande mudança na história recente da música ocorreu em 1964, ano em que os Beatles dominaram as paradas de sucesso com seis hits diferentes. Mas o computador também revelou que essa revolução não foi iniciada pelo garotos de Liverpool ou pelos Rolling Stones, outro vetor notável da invasão britânica.

A análise do software indica que algumas das características mais marcantes desse período, como o destaque para o som da guitarra, já eram notáveis nos rádios antes da beatlemania. Os britânicos seriam, portanto, responsáveis pela popularização global de um estilo que já dava seus primeiros passos no início daquela década.

Padronização

As músicas que fizeram sucesso nos Estados Unidos a partir de 1967 evidenciaram um tipo diferente de harmonia, que hoje relacionamos ao funk, ao disco e ao soul. A morte da era da discoteca coincidiria com o segundo período de mudanças, iniciado em 1983, ano em que o chamado rock de arena, representado por bandas como Van Halen e Queen, começava a perder força para o new wave. Em 1986, a música atingiu o maior marasmo criativo das últimas décadas, com a padronização dos hits movida pela popularização da percussão eletrônica e dos softwares de mixagem.

A simplificação, explica o músico Eduardo Castro, é uma tendência que pode ser observada na evolução da música há séculos. “A música medieval tinha cinco vozes, e elas compartilhavam momentos de improvisação. Isso era muito mais complexo do que o jazz, por exemplo”, compara o brasileiro, que é pesquisador na Escola Superior de Música de Genebra, na Suíça.

O fenômeno recente constatado pelo software confirma o que estudiosos da música já notavam há algum tempo. “À medida que a partitura foi evoluindo, a música foi ficando mais simples e anotada. Isso tem a ver com a tecnologia também. A música pode ser feita em maior quantidade e com mais facilidade, usando programas de computador”, aponta Castro.

A dominância das estruturas mais simplificadas pode ser notada, por exemplo, quando o software constata a lenta morte do jazz e do blues no gosto popular. Os gêneros representam o grupo de melodias mais complexas analisadas pelo computador, marcadas pelo aspecto “sujo” da improvisação usado pelos compositores e intérpretes para criar uma tensão emocional.

Essas músicas gradualmente perderam popularidade e hoje contam com um espaço 75% menor do que representavam nas paradas de sucesso em 1960.

 A análise dos sucessos após 1986 mostra, no entanto, que a diversidade musical voltaria com tudo – e de forma inesperada.

De acordo com dados colhidos pelo sistema eletrônico, a mudança mais radical da música popular moderna ocorreu em 1991, ano em que o Salt-n-Pepa dividiu as paradas de sucesso com Rythm Syndicate e DJ Jazzy Jeff & The Fresh Prince. Com o nascimento do rap e do hip-hop, os acordes tradicionais acabaram esquecidos pelos músicos, que deram um destaque maior ao ritmo marcado pelo timbre dos próprios cantores.

O próximo passo dos pesquisadores britânicos é usar a tecnologia para descobrir como essas mudanças ocorrem. “É empolgante poder estudar a evolução da música popular cientificamente. Mas agora queremos ver porquê a música tem mudado”, ressalta Armand Leroi, da Imperial College de Londres, principal autor do estudo e que, com sua equipe, vai agora analisar canções de outros países além dos Estados Unidos e compreender como a música se distribui pelo globo. Eles acreditam que, com a tecnologia, será possível quantificar e encontrar padrões na arte.“

 

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