Jornal Estado de Minas

Projeto vai mapear como populações antigas cuidavam da Amazônia

Intenção é detectar práticas que possam ser usadas na preservação da floresta

Jorge Macedo - especial para o EM
Isabela de Oliveira

Uma das paisagens mais marcantes do território sul-americano, a Amazônia foi considerada área intocada até 1492, quando Cristóvão Colombo chegou ao Novo Mundo.

Um projeto lançado na reunião anual da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), que acontece na Califórnia (EUA) até segunda-feira, vai investigar se essa ideia é realmente verdadeira. Encabeçada pela Universidade de Exeter, no Reino Unido, a pesquisa focará  como as sociedades antigas lidavam com a mata, quais impactos deixaram e se essas práticas podem ser aproveitadas para assegurar, agora, a sustentabilidade da floresta.


“A maioria das pessoas que trabalha nessa área acredita que a Amazônia era intocada. Nós planejamos identificar se há marcas humanas na floresta porque a biodiversidade que queremos preservar não é apenas a que resultou de milhares de anos de evolução natural. Quando os humanos começaram a povoar o território, há 13 mil anos, iniciaram mudanças no ambiente, criando, por exemplo, plantas que alteraram a aparência da floresta”, diz José Iriarte, líder da pesquisa.
A expectativa é de que o estudo dure quatro anos. No Brasil, o trabalho contará com a articulação da pesquisadora Denise Schaan, arqueóloga e professora da pós-graduação em antropologia da Universidade Federal do Pará; além de Luiz Aragão, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A equipe multidisciplinar tentará estimar quanto os ecossistemas amazônicos foram afetados pelas atividades dos pré-colombianos, assunto que gera debates no meio acadêmico.

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Denise Schaan conta que a parceria com Iriarte começou em 2011, em pesquisas sobre geoglifos (grandes figuras feitas no chão) do Acre, coordenadas por ela desde 2007.

Com o financiamento da União Europeia – um montante de 1,7 milhão de euros custeado pelo Conselho Europeu de Pesquisa –, o projeto assumiu dimensões maiores, sendo ampliado para outros, com esforços mais intensos na coleta de amostras. Passou também a contar com uma equipe mais numerosa e capacitada.
Nela, há estudantes brasileiros e de outros países, como os Estados Unidos, o Canadá, a Austrália e o Reino Unido. O projeto permitirá que eles construam teses de doutorado em favor do tema ou que efetuem estágios de pós-doutorado dentro da própria investigação. São arqueólogos, etno-historiadores, arqueobotânicos, paleoecologistas, cientistas do solo e da paisagem, além de especialistas em sensoriamento remoto.


Áreas escaneadas

Quatro regiões da floresta estão na mira dos pesquisadores. Uma delas é a chamada Terra preta de índio, em Santarém, no Pará. Essa é uma terra altamente fértil, onde foram encontrados vestígios de sociedades antigas, como vasos de cerâmica. Por enquanto, sabe-se apenas que ela deriva de um processo de compostagem e queima controlada. Como isso era feito antes da chegada de Colombo, entretanto, é uma questão a ser investigada pelo time de Iriarte.
Também serão estudadas as áreas de interflúvio dos rios Purus e Madeira, na Amazônia Central; os geoglifos do Acre, no Sudeste da floresta; e as valas pré-históricas na Amazônia boliviana. Um equipamento de sensoriamento remoto – o Light Detection and Ranging (Lidar), usado para mapas de alta resolução – acoplado a um veículo aéreo não tripulado (Vant) para digitalizar a superfície da floresta permitirá que áreas tão diferentes possam ser escaneadas.


Os primeiros resultados devem ser divulgados no início do ano que vem, mas Denise Schaan antecipa que havia, sim, intervenções humanas relevantes antes de Colombo. “Já sabemos que os povos indígenas alteraram bastante os vários ambientes amazônicos, construindo estradas, barragens, campos elevados para agricultura, aterros e locais irrigados, por exemplo. As práticas agrícolas deles, que envolviam desmatamento, também alteraram a biodiversidade, gerando aumento de diversidade de espécies em vários lugares”, diz.


Segundo a pesquisadora, porém, ainda não se sabe os alcances desses impactos. “Também conhecemos pouco sobre o que plantavam, como manejavam os campos de cultivo, o que comiam.

O projeto vai trazer respostas a essas perguntas”, espera a arqueóloga, acrescentando que o trabalho vai gerar uma cronologia refinada dessas modificações e desses manejos, inexistente até hoje para a Amazônia.

Novas políticas

Iriarte reforça que compreender a origem e a dinâmica das práticas agrícolas do período pré-colombiano tem amplas implicações para o futuro da Amazônia sustentável, como ajudar na implementação de formas sustentáveis de agricultura que garantam segurança alimentar para populações rurais mais pobres e vulneráveis da floresta.


É possível ainda que a empreitada ofereça alternativas para o desmatamento de áreas tropicais exigido pela agropecuária. “Poderíamos aprender lições valiosas ao entendermos como a gestão da terra era feita pelas culturas do passado”, diz Iriarte.


Para Schaan, esse é um dos pontos mais fortes da pesquisa. “As políticas atuais para a Amazônia geralmente se baseiam na ideia da floresta como um ambiente selvagem e prístino; não levam em consideração práticas de manejo que foram eficientes por séculos. Nossa tarefa, enquanto cientistas, é informar à sociedade sobre a história desses ambientes, pois, sendo mais conhecidos, os projetos atuais podem ser mais bem planejados.”

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