Na vida em comunidade, é muito difícil que o trabalho seja dividido de tal forma que todos tenham de realizar o mesmo esforço sempre.
Para chegar a essa conclusão, publicada recentemente na revista Pnas, os pesquisadores analisaram um grupo de 24 famílias da etnia quechua, grupo indígena que vive no altiplano do Peru. Essa pequena população foi escolhida por ter uma organização que facilitaria aos autores observar como ocorria a divisão tanto das tarefas quanto dos produtos desse trabalho, compreendendo assim o sistema colaborativo existente ali. Ficou claro que os moradores dependiam muito de ações em grupo, já que algumas famílias viviam em lugares com melhor acesso a água e comida, enquanto outras precisavam recorrer aos vizinhos. Além disso, muitas tarefas necessitavam do engajamento de todos para serem terminadas.
Os especialistas se surpreenderam com o fato de que aqueles que contribuíam menos acabam recebendo o mesmo montante de recursos. “Havia esse pequeno grupo de pessoas que se esforçava muito mais que outras para manter os recursos de sobrevivência da comunidade.
Os dois antropólogos perceberam, então, que os mais dedicados eram tidos pelo resto da comunidade como “trabalhadores” e “confiáveis”. A reputação deles também incluía adjetivos como “generosos”, “influentes” e “respeitáveis”. Essa imagem positiva trazia alguns benefícios, notaram os autores, como uma rede de suporte social que acabava garantindo, entre outras consequências, melhores condições de saúde para toda a família.
“Uma possível razão é que aqueles que contribuem mais recebem benefícios de reputação, enquanto aqueles que se esforçam menos obtêm custos de reputação. Ajudar com as tarefas que são vitais para a sobrevivência dos membros da comunidade pode ser sinal de valor. Uma reputação positiva pode melhorar o apoio a partir de redes sociais”, analisa Lyle. Ele acredita que o estudo ajuda a entender melhor como funcionam as relações humanas em grupo e a importância das atitudes perante as redes sociais. “Nossos resultados contribuem para os esforços em curso para compreender as forças que moldam a evolução (cultural ou genética) da cooperação.”
Tema antigo Para Weber Lima, professor de sociologia no Centro Universitário Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb), o artigo mostra como relações sociais diversas interagem entre si. “O estudo demonstra uma importante correlação entre o status social e os diferentes tipos de relações em ambientes sociais diversos”, diz. No entanto, o especialista, que não participou da pesquisa, diz que não se deve extrapolar os resultados como se fossem uma lei. “Em alguns ambientes sociais, a reputação, ou pelo menos um tipo específico dela, não necessariamente implica em melhores relações sociais”, aponta.
O professor conta que a reputação é um tema caro para sociedades humanas desde os primórdios. “O status, ou reputação, influência, prestígio, capital simbólico ou como quer que o chamemos, está presente em diferentes níveis nas interações sociais.
Na avaliação de Erivan Raposo, professor de antropologia da Universidade Católica de Brasília (UCB), a dupla americana explorou um tema recorrente de uma forma nova. “Essas pesquisas são importantes porque nos permitem perceber certas reações de forma diferente. Contudo, é preciso tomar cuidado com as variáveis e lembrar que, com o tempo, a história pode mudar. As relações de poder também. Precisamos desconfiar de alguns trabalhos para que possamos sempre entender melhor como as leis funcionam”, completa.
Lima também acredita que o trabalho possa contribuir para o aprendizado de conceitos já conhecidos. “Esse tipo de estudo se insere em uma ampla tradição de pesquisas sociais que, de tempos em tempos, analisa se os diversos conceitos-chave das múltiplas teorias sociais se mantêm ou se modificam. Em termos científicos, possibilita novas confrontações teóricas e novas dúvidas e inquietações diante dos diferentes cenários de interação social”, explica.
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