Em um mundo desconhecido, gelado, escuro e muito distante da atmosfera terrestre, criaturas florescem com abundância e diversidade. Não se trata, contudo, de alienígenas. Esse universo paralelo fica aqui, 800m abaixo do nível do mar, em uma das últimas fronteiras para a vida no planeta. Repousando sob o manto congelado da Antártida, o Lago Whillans, uma modesta depressão de 60 metros quadrados a apenas 640 quilômetros de distância do Polo Sul, abriga 3.931 espécies de bactérias e Archaea — micro-organismos procariotas adaptados a condições extremas —, o que faz dele um dos mais ricos ecossistemas inexplorados da Terra.
No ano passado, uma expedição de cientistas de 15 instituições de pesquisa de cinco países anunciou na revista Nature a descoberta de micróbios nas águas e nos sedimentos do lago. Agora, eles voltam a essa publicação para detalhar as amostras recolhidas nas profundezas escuras do Whillans, um dos 400 lagos escondidos do continente gelado. Estima-se que há pelo menos 120 mil anos essas formações estejam cobertas de gelo, sem receber radiação solar e nenhum sopro da atmosfera terrestre.
Para recolher as amostras, os pesquisadores fizeram uma perfuração que levou semanas para atingir 28m de profundidade. De lá, retiraram 30 litros de água. Cada milímetro do líquido continha nada menos que 130 mil células, densidade microbiana semelhante à encontrada no fundo dos oceanos da Terra.
São muitas questões a serem exploradas, diz o ecólogo John Priscu, da Universidade Estadual de Montana, que estuda os organismos que vivem no gelo desde 1992. Esta é sua 30ª temporada na Antártida. Assim como Christner, que foi aluno de doutorado do pesquisador, Priscu participou da exploração do Vostok, o maior lago subglacial do continente. Na ocasião, também foi encontrada uma quantidade espantosa de espécies, mas o trabalho acabou questionado devido aos métodos de perfuração empregados, que poderiam ter contaminado o lago, principalmente com o fluido de hidrocarbonetos usado no processo. Agora, diz Priscu, esse risco foi eliminado com uma nova tecnologia que evita a passagem de micróbios da superfície para a profundeza das águas.
Energia alternativa
Para o ecólogo, uma das descobertas mais interessantes, até agora, é a de que os organismos dominantes desse ecossistema são Archaea, um dos três domínios da vida — os outros são bactérias e seres eucariotes.
Os autores do estudo destacam que as amostras retiradas do Lago Whillans vão ajudar a entender melhor a vida em condições extremas. “Como a Antártida é, basicamente, um continente microbiano, explorar abaixo da sua camada de gelo pode nos ajudar a compreender como a vida evoluiu para sobreviver na escuridão gélida. Espero que nossas descobertas motivem novos pesquisadores a investigar o papel desses micro-organismos extremos no funcionamento do nosso planeta e de outros mundos gelados do nosso sistema solar”, disse, em nota, Jill Mikucki, pesquisadora da Universidade do Tennessee, que participa da expedição científica.
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