Flávia Franco
O estudo, apresentado na revista Nature, traz uma compreensão melhor de como as lembranças se formam e ajuda a esclarecer como processos de psicoterapia agem sobre o cérebro. Além disso, os resultados podem aprimorar os tratamentos de depressão e estresse pós-traumático, distúrbio que afeta pessoas que passaram por situações extremamente tensas. “Poderemos desenvolver abordagens que ajudem as pessoas a lembrar mais de memórias positivas do que de negativas”, indicou a coautora Susumu Tonegawa.
Pesquisas anteriores apontaram que um conjunto de neurônios é acionado na formação da memória. Enquanto o hipocampo parece atuar mais para que os indivíduos se lembrem de determinado lugar, outra região cerebral, a amígdala, está mais relacionada às sensações experimentadas naquele local.
A memória também não é estática, mas maleável, como explica o neurologista Renato Anghinah. “Isso é bem conhecido. O próprio indivíduo pode ter vivido uma experiência e, ao longo dos anos, ir mudando o relato sobre ela, criando uma nova história sobre o ocorrido, que, para ele, passa a ser verdadeira”, disse o membro da Associação Brasileira de Neurologia (ABNeuro) e médico do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
O que Tonegawa e colegas investigaram foi a possibilidade de manipular as lembranças de ratos, tornando a sensação negativa em relação a certos lugares em positiva e vice-versa. Assim, eles usaram animais geneticamente preparados para que a exposição à luz azul ativasse o hipocampo ou a amígdala e, depois, condicionaram os animais a temer ou gostar de determinados lugares. Mais tarde, bastava lançar a luz sobre os animais para que eles passassem a achar que novos locais fossem agradáveis ou desagradáveis, dependendo do que tinham experimentado na fase anterior da pesquisa (veja detalhes do procedimento na infografia).
Reversão
A reversão, contudo, só funcionou quando os pesquisadores trabalhavam com estímulos no hipocampo dos bichos. Ao tentar manipular memórias formadas na amígdala, não houve bons resultados. Segundo os autores, isso sugere que as associações emocionais sejam codificadas em algum lugar no circuito neural que conecta as duas regiões.
Uma experiência traumática fortalece as conexões entre o hipocampo e as células que codificam o medo na amígdala, mas essa conexão pode ser enfraquecida à medida que novas ligações são formadas.
Os resultados indicam ainda que existem dois tipos de células da amígdala, um responsável por codificar memórias de medo e outro, de recompensa.
Os pesquisadores agora tentam descobrir assinaturas moleculares desses dois tipos de células. Além disso, também desejam investigar se reativar memórias agradáveis pode ter efeito sobre a depressão, na esperança de identificar novos alvos para as drogas utilizadas para o tratamento de depressão.
Para Renato Anghinah, contudo, existem outros passos necessários até a aplicação clínica em humanos. “A pesquisa representa uma etapa para entendermos parte de como o processo de modulação da memória ocorre e traz grandes avanços para a medicina. Mas a sua aplicabilidade em humanos e a sua transposição para a prática clínica não é imediata”, explica.
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