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Estado de Minas

Autoestima influencia forma de ver o mundo

Sentir-se pouco valorizada altera a maneira como uma pessoa percebe o ambiente físico ao seu redor


postado em 13/07/2014 07:00 / atualizado em 13/07/2014 08:58

Brasília – Para algumas correntes da psicologia, a posição que uma pessoa acredita ocupar em relação aos demais pode ser chamada de poder social. Esse conceito tende a ser baixo em indivíduos que se sentem menores, menos importantes ou menos capazes que os outros. Já aqueles que percebem suas opiniões como valiosas e dignas de consideração e se veem como merecedores de respeito têm um alto poder social.

Autopercepção pode alterar a forma como uma pessoa percebe o mundo ao seu redor(foto: CB/D.A PRess)
Autopercepção pode alterar a forma como uma pessoa percebe o mundo ao seu redor (foto: CB/D.A PRess)
Geralmente, são as experiências de vida e os fatores socioeconômicos que contribuem para a formação de um ou de outro quadro, como já demonstraram diversas análises. Porém, um estudo realizado recentemente pela Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e publicado na revista especializada Journal of Experimental Psychology, mostrou que essa autopercepção pode alterar a forma como uma pessoa percebe o mundo ao seu redor. E trata-se aqui não do mundo no sentido figurado, mas físico.

Para chegar a essa conclusão, Eun Hee Lee e Simone Schnall conduziram uma série de experimentos nos quais voluntários precisavam levantar caixas e estimar o peso delas. No primeiro dos testes, 145 pessoas responderam a um questionário que ajudou os pesquisadores a medir o grau de poder social de cada uma. Depois de todas terem erguido os recipientes e tentado adivinhar o quanto eles pesavam, os cientistas perceberam que as pessoas que se sentiam empoderadas chegavam mais perto da resposta correta. Já as que se viam como menos valorizadas tendiam a perceber as caixas como muito mais pesadas do que elas eram de fato.

“Trabalhos anteriores mostraram que o poder muda a forma como as pessoas pensam sobre várias coisas, mas esse é um dos primeiros a mostrar que ele altera as percepções de propriedades objetivas do ambiente físico”, disse Schnall. “Com base em nossos resultados, pensamos que, quando as pessoas não têm recursos suficientes, podem, literalmente, ver o mundo cheio de fardos pesados”, complementou.

No segundo experimento, o grupo de especialistas buscou induzir uma sensação de alto ou baixo poder social nos voluntários. Dessa etapa, participou um outro grupo de 41 pessoas. Antes de levantar as caixas, uma parte delas permaneceu em uma posição altiva a pedido dos pesquisadores. Elas se sentaram em uma cadeira, apoiando um dos cotovelos sobre o encosto do móvel e uma das mãos sobre uma mesa próxima. Já a outra parte dos voluntários teve de assumir uma postura submissa, sentando-se sobre as mãos e curvando os ombros para frente. O resultado dessa segunda etapa foi semelhante ao da primeira. As pessoas que ficaram em uma posição mais dominante estimaram o peso das caixas com mais precisão, enquanto o outro grupo teve a sensação de que os objetos que precisavam erguer eram mais pesados.

Por fim, um terceiro grupo com 68 indivíduos passou por uma experiência semelhante. Nesse caso, porém, uma parte deles foi motivada a lembrar um episódio no qual se sentiu poderosa antes de erguer as caixas, enquanto aos outros foi pedido que se recordassem de uma experiência passada em que ficaram numa situação de impotência. Mais uma vez, o primeiro grupo calculou de forma bem aproximada o peso dos recipientes, e a outra turma o superestimou. “A pesquisa demonstra que a sensação de poder social ou de sua falta pode mudar a forma como alguém vê o ambiente”, reforçou, em um comunicado à imprensa, Lee, pesquisador-chefe do estudo. 

Alexandre Cavalcante, psicólogo da Universidade Católica de Brasília (UCB), que não participou do estudo, acha que a pesquisa britânica confirma suspeitas que já existiam sobre como pessoas com pouca confiança em si mesmas tendem a enxergar o ambiente onde vivem. “Reconhecer o poder que se tem de mudar uma situação é algo que pode fazer diferença. Como mostra esse estudo, a visão de uma pessoa que se sente impotente é diferente da das outras. Ela enxerga o ambiente de outra forma”, destacou.

O especialista acredita que essa visão pode prejudicar o cotidiano de muitas pessoas, gerando problemas graves. “Vemos isso, por exemplo, com mulheres que são vítimas de violência doméstica. Muitas vezes, elas não sentem a força e a confiança necessárias para sair da situação em que se encontram. Acredito que essa falta de poder acaba mudando a percepção de ambiente físico também”, comentou. “Acho que essa comprovação ajuda a mudar um discurso social antigo, de que as pessoas não mudam porque não querem. Isso não é só uma questão de força de vontade, mas de ausência da noção de poder individual”, completou.

Os pesquisadores de Cambridge estão dando continuidade à pesquisa. Nessa nova etapa do trabalho, eles pretendem analisar a sensação de poder por outro viés. “Estamos atualmente testando se os efeitos semelhantes se estendem além da percepção de peso físico e de outras modalidades de percepção, tal como a de espaço”, antecipou Schnall.

PALAVRA DE ESPECIALISTA

Compreensão de desordens

“O estudo conduzido pelos pesquisadores Eun Hee Lee e Simone Schnall evidencia a influência da autoestima/poder  social na percepção do ambiente físico. Os participantes do estudo foram conduzidos a levantar algumas caixas  e a estimar o peso delas. O grupo de participantes com vivência de maior poder social foi mais preciso, enquanto o  grupo com experiência de impotência superestimou o peso das caixas. Extrapolando o resultado, infere-se que a visão das pessoas pessimistas e das pessoas muito positivas realmente afeta a forma como elas enxergam o ambiente. Estudos nessa linha ajudam na compreensão das desordens de ordem psicológica. Cabe notar a ponderação dos autores de que os indivíduos impotentes experimentam as dificuldades de forma exagerada de modo a desencorajar novas atividades e desafios com o objetivo de preservar seus próprios recursos. Tal mecanismo é um padrão de adaptação disfuncional que, se corrigido, pode trazer grandes benefícios para o indivíduo.”

Custódio Martins, médico psiquiatra do Hospital de Base do  Distrito Federal (HBDF)   


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