Um dos esforços mais recentes foi publicado na revista Science. Pesquisadores das universidades da Califórnia e de Stanford, nos Estados Unidos, realizaram no México o maior levantamento genético entre descendentes de nativos da região. O geneticista populacional Carlos Bustamante, um dos principais autores do trabalho, descobriu que a diferença no DNA entre dois grupos nativos daquele país é tão grande quanto a observada entre europeus e asiáticos.
"Rastreamos a ancestralidade indígena em mestiços contemporâneos e descobrimos que ela influencia algumas características físicas, como volume e capacidade pulmonar.
"O levantamento tem implicações relevantes tanto para a saúde pública quanto para a economia. Por exemplo, elas podem ajudar a determinar se um indivíduo é elegível para um plano de saúde ou não", aponta Bustamante. O estudo mostrou que existia uma grande diferença genética – quase 1 milhão de variantes – entre os mil voluntários com descendência mexicana que participaram do estudo. A diferença, dizem os autores, é um indício de que as nações indígenas do México, um país com 1,9 milhão de quilômetros quadrados, não mantiveram contato entre si nos milênios que antecederam a colonização espanhola.
Até que o Projeto Genoma Humano, de 1990, tornasse mais viável a compreensão do DNA humano, a explicação para a prevalência de algumas doenças entre populações específicas estava limitada ao que se sabia sobre a geografia e a cultura da região. Pesquisas recentes como as desenvolvidas pelo médico Jose Florez, do Hospital Geral de Massachusetts, mostram que não é bem assim. Ele publicou um estudo no Journal of the American Medical Association (Jama) mostrando que a distinção genética entre caucasianos norte-americanos e mexicanos é uma forma de explicar por que o primeiro grupo sofre menos com o diabetes tipo 2 do que o segundo.
Estatísticas levantadas entre 1999 e 2002, por exemplo, mostraram que 10% dos mexicanos sofriam com o diabetes tipo 2. Os brancos diagnosticados com a doença, por outro lado, somam só 5,2% dos casos. Um dos fatores que influenciam a estatística, além do estilo de vida e de dieta, é o gene SLC16A11. Agora, Florez aponta que a prevalência também é resultado de uma alteração no gene HNF1A. "Essa variante rara está associada a um aumento de cinco vezes nas chances de um latino-americano desenvolver o diabetes tipo 2.
Brasil
Uma série de estudos também tenta descobrir como a mistura de europeus, indígenas e negros pode ter afetado a saúde da população brasileira. Segundo a neurologista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Elizabeth Regina Comini Frota, um detalhe deve ser levado em consideração quando se analisa o caso do Brasil: levas de estrangeiros chegaram ao país em diferentes períodos da história. A especialista em esclerose múltipla percebeu, ao longo de 20 anos de prática clínica, que os descendentes de imigrantes europeus que desembarcaram no país no último século, em especial os italianos, pareciam ser mais suscetíveis à doença.
A observação foi o impulso necessário para que em 2005 ela formalizasse uma investigação com 652 pacientes com esclerose múltipla de Belo Horizonte, Ribeirão Preto (SP), Londrina (PR) e Santos (SP). Os resultados foram publicados na revista Clinical Neurology and Neurosurgery. Eles foram perguntados sobre a ascendência por quatro gerações, e 44% revelaram que os parentes eram italianos; 32%, brasileiros; 7,5%, portugueses; e 10%, espanhóis.
"Nosso trabalho ajuda a entender a epidemiologia da doença. Mostra de onde a esclerose múltipla pode ter vindo, como se comporta e quais características são peculiares", diz Elizabeth. O estudo sugere que as populações mais ao sul apresentam maior número de diagnósticos, o que vai ao encontro de outras análises.
Câncer
A mutação R337H do gene TP53 está ligada à síndrome de Li-Fraumeni, condição hereditária rara caracterizada pelo aparecimento de vários tumores em uma única pessoa. Casos de tumor de córtex adrenal ligados à mutação são 15 vezes mais frequentes nas regiões Sul e Sudeste do Brasil do que no resto do mundo. Existe uma teoria de que um imigrante de Portugal trouxe a mutação para o país. Ele seria tropeiro e teria disseminado a mutação ao longo de sua rota. Devido a isso, os casos de tumor de córtex adrenal seriam mais frequentes na região. Atualmente, estudos de universidades e hospitais do Sul e Sudeste se empenham em confirmar ou refutar essa hipótese.