O uso dos óculos inteligentes por profissionais de saúde deixou de ser uma simples novidade há algum tempo e já é alvo de estudos que procuram descobrir até onde o sonho de um médico ciborgue pode de fato ajudar no trabalho em um hospital. O cirurgião norte-americano Oliver Muensterer adotou o equipamento por quatro semanas e registrou suas opiniões sobre a experiência em um artigo publicado recentemente no Journal of Surgery. No trabalho, o médico procura descobrir os pontos fortes e as fraquezas do dispositivo quando usado por um profissional comum, equipado somente com um Glass padrão e com um conhecimento médio de tecnologia.
Muensterer criou uma lista com os diagnósticos e os procedimentos mais comuns no hospital pediátrico universitário em que trabalha e atribuiu a esse recurso um comando verbal que o permitia consultar os termos usando somente a voz. O aparelho também foi usado para fotografar algumas cirurgias e em uma conferência com pessoas que estavam na Alemanha.
A câmera se mostrou o recurso mais útil para o cirurgião, que a usou várias vezes para filmar e fotografar procedimentos. “Acho que uma boa aplicação é para a educação. Se um estudante ou residente usa o Glass, o professor pode ver pelos olhos do estudante e ajudar nos procedimentos mais difíceis”, especula o especialista.
Segurança O ponto principal que o médico norte-americano aponta no trabalho, no entanto, é a necessidade de recursos que protejam os dados dos usuários, como um sistema de criptografia. A privacidade é uma preocupação que ronda o Google Glass desde que foi anunciado e pode se tornar um problema ainda maior quando o sigilo médico está em jogo. Para evitar que as imagens fossem parar nos servidores do Google, Muensterer optou por trabalhar o tempo todo com o aparelho desconectado da internet e só religá-lo à rede depois que as fotos e vídeos tivessem sido transferidos para uma máquina segura.
O Google pode não estar interessado em proteger os dados dos pacientes, mas algumas empresas já estão dando um jeito nesse problema por conta própria. Pristine, uma companhia norte-americana especializada em soluções de telemedicina, oferece entre seus serviços a adaptação do Glass às necessidades dos médicos e adotou o procedimento de desabilitar todos os outros softwares no dispositivo, inclusive o sistema de sincronização automática.
Se um profissional estiver usando o app de registro de vídeos da companhia, ele não poderá nem mesmo acessar programas como o Facebook ou o YouTube, para evitar vazamentos de informação. “Como toda tecnologia muito nova e diferente, o Glass tem seus desafios”, ressalta Lucas Schlager, representante da Pristine. O app mais popular da empresa é o EyeSight, que poder ser usado para filmar procedimentos ou transmitir as informações de alta qualidade de um profissional para outro ou para um computador comum. O programa já é usado por atendentes da emergência dermatológica de um hospital em Rhode Island.
O médico brasileiro Miguel Pedroso testou o Google Glass pela primeira vez em uma cirurgia no Hospital São Camilo, em Salto (SP), em outubro do ano passado. Ele conta que o adotou já com um recurso que resolve o problema de privacidade. O acessório, chamado personal web station, impede que as informações dos pacientes sejam enviadas para servidores abertos. “Ele fica conectado ao Glass pelo wireless e usa um servidor específico, com segurança da rede”, explica Pedroso.
O cirurgião está investindo em um app feito para auxiliar médicos durante uma cirurgia, capaz de exibir para o usuário um guia com os passos do procedimento. Residentes e iniciantes também podem usar o aplicativo para pedir auxílio a outros profissionais se enfrentarem dificuldade em alguma parte do processo. “Se o aluno tiver alguma dúvida, ele pode enviar o vídeo do Glass e da laparoscopia para esse médico, que congela a imagem, desenha onde tem de ser feita a incisão e manda a imagem de volta para o aluno”, ilustra Pedroso.
Erro evitado
Em um hospital em Boston, o uso do equipamento ciborgue já se tornou rotina.
No entanto, médicos menos familiarizados com a tecnologia wearable ainda se mantêm um pouco céticos em relação ao uso de óculos eletrônicos em plena sala de cirurgia. Para Max Schjolobach, ex-presidente da Associação Brasileira de Cirurgia Pediátrica, o acessório pode ser uma fonte de distração mais grave que o telefone, que já prejudica o trabalho de muitos profissionais que acessam e-mails durante uma consulta ou atendem a uma ligação em meio a uma operação.
“Acho que o procedimento cirúrgico exige concentração total. É como dirigir e usar o celular. Ter acesso a e-mails e outras coisas durante uma cirurgia não me parece tão importante”, avalia o médico. A exceção seria o uso do aparelho para conferir radiografias ou a outros necessários para consulta imediata, que realmente acelerassem o procedimento. “Todos esses equipamentos têm de passar por um tempo de avaliação para ver o quanto podem ser úteis”, ressalva.
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