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Estado de Minas

Parafusos de seda

Pesquisadores norte-americanos transformam fibra natural em próteses ósseas que são absorvidas pelo organismo sem necessidade de nova cirurgia para retirá-las


postado em 30/03/2014 06:00 / atualizado em 30/03/2014 09:02

 

Em breve, as pessoas poderão não apenas vestir objetos de seda, mas tê-los implantados em ossos fraturados. Uma pesquisa norte-americana conseguiu transformar o resistente material natural em parafusos e ligas cirúrgicas que, além de fixar e remendar as estruturas, têm a vantagem de serem absorvidas pelo organismo, não sendo necessária uma nova cirurgia para sua retirada. Essa qualidade se torna muito importante quando se leva em conta que a principal utilização desse tipo de prótese, hoje em dia, é na traumatologia facial de crianças.

Professor de engenharia biomédica da Universidade de Tufts (EUA) e coautor da pesquisa, David Kaplan estuda as propriedades da seda há vários anos na busca por novas aplicações para o material, descrito por ele como uma “proteína surpreendente”. “O conceito trabalhado por nós foi justamente o de sintetizar e transformar a proteína da seda em materiais biomédicos a serem utilizados em reparos de ossos do corpo humano”, conta.

O processo mecânico para produzir os parafusos e placas foi consideravelmente simples. “Nós sintetizamos as proteínas de forma que elas virassem uma solução líquida. A partir daí, colocamos a solução nos moldes e deixamos secar”, lembra outro participante da pesquisa, Samuel Lin, cirurgião plástico e professor associado de cirurgia da Universidade de Medicina da Harvard (EUA).

Com as peças em mãos, os parafusos foram instalados em 28 camundongos que apresentavam diversas fraturas ósseas. Os resultados foram surpreendentes. Segundo Lin, a seda ofereceu uma melhor adaptação mecânica em relação ao tecido ósseo, sem que houvesse blindagem, estresse ou degradação do osso, problemas que ocorrem em implantes com ligas metálicas. “O material se mostrou biocompatível, não oferecendo interferência em raios x, o que possibilitou o acompanhamento da cicatrização óssea, impossível até então. Além disso, evitou a necessidade de remoção cirúrgica dos parafusos e não fez com que houvesse a sensação de hipersensibilidade”, acrescenta o especialista. Os resultados foram publicados este mês na revista especializada Nature Communications.

Atualmente, ligas metálicas compostas de titânio ou aço inoxidável são os principais elementos utilizados na fabricação desses materiais de síntese. Mesmo assim, de acordo com José Raymundo Telles de Almeida Filho, ortopedista do Hospital Universitário de Brasília (HUB), os efeitos colaterais resultantes da utilização desses materiais fazem com que haja uma busca constante por alternativas. “Com a rigidez extrema das ligas utilizadas hoje em dia, o osso fica fragilizado, correndo o risco de uma nova fratura. Além disso, existe sempre a possibilidade de infecção, de má cicatrização do corte e de se adquirir hipersensibilidade no local”, explica o médico, que não participou da pesquisa.

Substituição Para Almeida Filho, a grande perspectiva desse trabalho gira em torno da descoberta de um novo material bioabsorvível. Atualmente, o ácido poliglicólico é o único elemento utilizado na fabricação de peças cirúrgicas que têm a propriedade de serem absorvidas pelo organismo com o passar do tempo. “O problema é que essa é uma matéria-prima cara, cujo uso é restrito ao tamanho e à força que será exercida sobre o local”, explica.
Segundo David Kaplan, os parafusos de seda demoraram de quatro a seis semanas para serem absorvidos completamente pelo organismo dos ratos. “Tudo depende do tamanho das peças e de onde elas são instaladas. Além disso, a força exercida no local da cirurgia, o impacto e os movimentos executados nas regiões onde foram instalados os parafusos também podem contribuir para o tempo de absorção da peça”, explica. Outro ponto positivo é que a resistência do material não é inferior à de nenhuma das ligas metálicas utilizadas para o mesmo fim atualmente.

A ideia da equipe de pesquisadores, a partir de agora, é angariar recursos para realizar testes em outros animais e, mais adiante, obter autorização para realizar testes em humanos. “Eu acredito que esse pode ser um grande avanço da medicina moderna. O material apresentado tem uma mecânica muito melhor do que a dos demais, também utilizados em implantes. Por isso, penso que essa é uma descoberta muito animadora no âmbito de toda traumatologia, mas, principalmente, na que diz respeito à face das crianças. É, realmente, uma esperança maior para aqueles que sofrem com isso”, afirma.

Lagartas

A fibra de seda natural é um filamento contínuo de proteína, produzido pelas lagartas de certos tipos de mariposas. Por meio de glândulas, as lagartas expelem o líquido da seda (fibroína) envolvido por uma goma (a sericina). As substâncias se solidificam imediatamente ao entrar em contato com o ar. A seda era considerada a mais valiosa mercadoria da China e gerou a famosa Rota da Seda, a mais importante linha comercial da época. A manufatura do material era um segredo de Estado muito bem guardado até o ano 300, quando se tornou conhecida na Índia.


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