Raphael Pires
São três as principais razões de como o modelo independente de produção pode impulsionar o mercado nacional. A primeira delas é não precisar de publicadoras.
Outro ponto positivo é a existência de softwares de criação baratos cheios de recursos. O mais usado entre os independentes é o Unity, engine eficaz e flexível em que é possível criar jogos para diversas plataformas. Então, sem a necessidade de se gastar uma fortuna com software development kits (SDKs) e trabalhando em cima de programas de baixo custo, é possível criar um jogo com pouco orçamento, justo a condição de grande parte dos estúdios brasileiros, que já são cerca de 220 em todo o território nacional.
Por fim, o próprio modelo de produção em um grupo pequeno favorece o aparecimento de estúdios. Com apenas uma boa ideia, profissionais com vontade de começar uma carreira e um investimento inicial já é possível sair da inércia. Desenvolver games independentes não é fácil, pois demanda criatividade, dedicação e tempo, mas é assim que os insistentes brasileiros estão conseguindo o merecido reconhecimento lá fora.
Um dos games 100% nacionais que já tiveram seu nome divulgado no exterior e que prometem elevar o padrão de qualidade do país é Toren, da gaúcha Swordtales. Com menção honrosa na Independent Games Festival (IGF) de 2012, o game impressiona pelo visual e cenário. É parecido com Ico, lançado em 2001 e sucesso cult na época, com jogabilidade em plataforma no estilo Prince of Persia. O enredo de Toren é uma metáfora da vida, em que uma árvore mantém papel central no caminho pela liberdade de uma menina presa em uma torre, cujo inimigo principal é o tempo. Há vários elementos de lendas e mitos que ilustram as cerca de quatro horas de gameplay.
A Swordtales existe desde 2011, mas o game é anterior.
Para Vítor, a indústria nunca esteve tão em alta. “Vários estúdios estão se formando e o governo está começando a se interessar com leis de incentivo e financiamento”, explica. Toren recebe apoio da Lei de Incentivo à Cultura. Segundo o produtor, são várias as formas de um estúdio indie deslanchar um game. Ele cita o caso da Critical Studios com o já conhecido mundialmente Dungeonland, lançado em janeiro do ano passado para Windows. “Eles fizeram um protótipo em alguns meses e a Paradox Interactive, uma publisher sueca, gostou”.
Porém, uma das maneiras mais corriqueiras que estúdios utilizam para iniciar o desenvolvimento de um novo game é por meio de game jams.
Da game jam ao comercial
Foi levando toda a energia para um game jam que a Otus Game Studio, estúdio de Novo Hamburgo (RS), se formou. Após ganhar o primeiro lugar na categoria Mood na Ludum Dare #25, game jam realizada em dezembro de 2012, Tiago Rech, de 24 anos, modelador 3D e produtor de teto, e mais três colegas tiveram ânimo de abrir a empresa. Contando com as oportunidades presentes nesses eventos de criação improvisada é que eles produziram seu game de maior sucesso. “Consideramos o Niveus nossa maior produção como independentes até o momento, uma vez que ele foi escolhido como finalista do Indie Speed Run por Dan Pinchbeck, roteirista de Dear Esther e Amnesia: machine for pigs. Além do reconhecimento, participar de game jams é uma grande oportunidade de ganhar uma visibilidade extremamente positiva”, comenta Tiago.
Agora eles trabalham em seu primeiro game comercial, Fragmentorum alba. Segundo Tiago, é um game investigativo de horror surreal, em que os jogadores devem solucionar enigmas dentro de um hotel nos anos 1960 para avançar na história. O jogo tem elementos de adventures point-and-click e de clássicos da era 32-bit, como Silent hill e Resident evil. “Também fomos muito inspirados pelos trabalhos de David Lynch e Stanley Kubrick, além do excelente seriado Twiliight zone”, explica. Fragmentorum alba está em fases finais de desenvolvimento e polimento e, em breve, será lançado para iOS.
Dedicação e criatividade
Outro estúdio recém-formado também obteve destaque na Indie Speed Run do ano passado. A Pocket Trap, formada em julho de 2013, criou o game finalista Hell broker. Porém, o game de maior sucesso da empresa nasceu do tempo livre de três amigos. Ninjin, jogo de ação bastante frenético e hardcore em sua dificuldade, que busca mesclar elementos de jogos beat'em'ups e "shooters de navinha" clássicos com elementos de jogos modernos e rápidos, como Jetpack joyride, foi lançado em junho do ano passado. Atualmente, a Pocket Trap trabalha em uma continuação do game, que está em sua fase inicial e tem lançamento previsto para o final deste ano para iOS, Android, PSVita, PS3 e PC.
Para se produzir um game de forma independente é necessário muita dedicação e criatividade. “Temos o costume de, durante uma conversa ou outra enquanto trabalhamos, cogitar diversos jogos diferentes. Às vezes, uma ideia aparece a partir de algo visual, como um personagem criado, e começamos a imaginar um jogo a partir dele. Muitas vezes ocorre o contrário, quando temos uma noção de mecânica que pode ser boa e começamos a testar e rascunhar por cima. Logo nessa fase já dá pra ter uma ideia básica se o jogo pode ou não dar certo. Se achamos que o conceito vale a pena, seguimos em frente e começamos a construir protótipos e trabalhar em cima deles”, relata Henrique Caprino, produtor e gestor da Pocket Trap.
Level up
De acordo com a Abragames, não existe um censo brasileiro de empresas especializadas por plataforma, pois empresas produzem de acordo com a demanda, desenvolvendo para diferentes plataformas e para projetos distintos, tudo ao mesmo tempo. A estimativa é que 50% dos games seja para PC, 25% para mobile e 25% sejam social games, para Facebook. Ainda segundo a associação, a perspectiva de crescimento para empresas brasileiras é de 13,5% ao ano até 2019. Para estúdios recém-criados, essta taxa é maior, chegando a 35% ao ano.
Só que para Thais Weiller, game designer no estúdio indie JoyMasher, ainda falta muito caminho a percorrer para colocar o Brasil como um grande produtor de games. Faculdades que não formam alunos preparados para o mercado que vão encontrar, dificuldades para se montar uma empresa relacionada a games por não ser uma área reconhecida no país e gastos estratosféricos com hardwares importados são apontados como as principais barreiras para o crescimento da produção no Brasil.
“Não existe mercado aqui. Se você faz jogos como nós, é indiferente se seu público está no Brasil, na Europa ou no Vietnã, pois o jogo está disponível para todos. Muitos dos nossos jogadores estão no Brasil, o que é ótimo, mas a maioria está fora. Se você quer sobreviver nessa área, é bom saber disso. Quanto a incentivos do governo ou da indústria, não existe nada. É preciso suar muito e ter bastante perseverança, mas não é impossível, embora difícil, montar um estúdio aqui”, analisa Thais.
JoyMasher é o estúdio por trás de Oniken, jogo/homenagem aos games da era 8-bit. Agora trabalham em outra produção com o mesmo visual, chamada Odallus, com menos ação e mais focado na exploração, como os clássicos Ghosts’n Goblins e Castlevania.
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