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Estado de Minas

Arqueólogos desvendam alimentação de moradores de Pompeia durante o Império Romano

Escavações revelam que habitantes da antiga cidade tinham alimentação mais variada do que se imaginava. Descobertas trazem novos dados sobre a organização social durante o Império Romano


postado em 14/01/2014 08:00 / atualizado em 14/01/2014 08:02

Paloma Oliveto

Turistas caminham pelas ruas de Pompeia: a cidade, destruída pelo Vulcão Vesúvio em 79 a.C., é uma rica fonte de informações sobre o cotidiano da antiguidade(foto: (Roberto Salomone/AFP - 27/10/11))
Turistas caminham pelas ruas de Pompeia: a cidade, destruída pelo Vulcão Vesúvio em 79 a.C., é uma rica fonte de informações sobre o cotidiano da antiguidade (foto: (Roberto Salomone/AFP - 27/10/11))

Brasília – A máxima de que “você é o que come” não se aplica apenas a indivíduos. Desvendar os muitos cardápios de uma cidade ajuda arqueólogos a reconstruir a história daquele local, mesmo que a última refeição tenha sido feita há 20 séculos. É o que vem ocorrendo em Pompeia, cidade romana engolida pelas cinzas do Vulcão Vesúvio em 79 a.C. Há uma década, pesquisadores da Universidade de Cincinnati fazem escavações e vasculham o lixo milenar de lojas e residências, atrás de pistas sobre a cultura de uma das civilizações mais avançadas da antiguidade.

O trabalho dos arqueólogos se concentra em uma área de dois quarteirões dentro de um dos mais agitados portões de Pompeia, o Porta Stabia. Hoje, porém, esse local é pouco visitado pelos turistas, que costumam priorizar em seus passeios a região do Fórum e das moradias de elite, como a Casa do Fauno, com seus ricos e impressionantes afrescos. A vizinhança investigada pelos pesquisadores da Universidade de Cincinnati era, por outro lado, reduto da classe média, que vivia e trabalhava naquelas proximidades. A maioria dos 10 prédios abrigando casas e comércios datam do século 6 a.C., quando Pompeia ainda era uma jovem cidade. Mas pelo menos uma construção é do início da cidade: 4 a.C.

O ramo principal das lojas do complexo consistia na venda de comida e bebida; por isso, o local é ideal para pesquisar os hábitos alimentares dos cidadãos romanos. Os arqueólogos investigaram o conteúdo de estações de esgoto, latrinas e fossas, de onde resgataram excrementos e restos de comida mineralizados. Da sujeira, emergiu um rico material de estudo. “A análise bioquímica nos permitiu fazer uma interessante distinção socioeconômica de cada imóvel”, conta Steve Ellis, professor de estudos clássicos da Universidade de Cincinnati, que revelou o resultado da pesquisa no encontro anual do Instituto Arqueológico da América.

Ele conta que na maior parte das residências e lojas o cardápio era composto por alimentos baratos e de fácil acesso, como grãos, frutas, nozes, azeitonas, peixes da região e lentilhas. Em poucas casas, cortes de carnes nobres e peixes salgados vindos da Espanha indicavam um nível econômico mais alto. O que os pesquisadores não esperavam encontrar eram restos do osso da perna de uma girafa, descoberto na lixeira de um restaurante. “Nunca havíamos encontrado esse animal em escavações na Itália. Como isso veio parar em uma cozinha de Pompeia não sabemos, mas, claramente, representa uma atitude de ostentação”, explica Ellis.

Para o arqueólogo, além de indicar o comércio internacional de animais selvagens nos portos romanos, a estranha iguaria mostra que, ao contrário do senso comum, não era apenas a elite que se deliciava com pratos mais sofisticados. “Esse restaurante se localizava em uma região que não era pobre, mas também estava longe de ser habitada e frequentada por pessoas ricas. Era uma área comum, da classe média. A dieta dessas pessoas, portanto, era mais variada e cara do que imaginávamos”, diz. Além da perna de girafa, o restaurante servia ouriço-do-mar e moluscos – alguns deles, provenientes da longínqua Indonésia.

Revisão 

Ellis defende que é preciso repensar os hábitos da sociedade romana. “Pesquisas como essa são muito valiosas justamente porque nos fazem debruçar novamente sobre questões que pensávamos tirar de letra. Tradicionalmente, imaginamos as cidades romanas como lugares em que, de um lado, havia pessoas muito ricas se esbaldando em banquetes. E, do outro lado, os pobres tomando sopa e comendo um pedaço de pão. No entanto, podemos ver que, ao menos para os habitantes urbanos de Pompeia, classes que não pertenciam à elite também tinham acesso a alimentos mais complexos”, diz o arqueólogo.

“O estudo da vida doméstica das civilizações do passado nos traz essas e outras ricas informações”, concorda a pesquisadora da Universidade de Leicester Penelope Alliston. Uma das maiores especialistas na história de Pompeia da atualidade, a arqueóloga escava a cidade romana há quase três décadas e é autora de livros sobre o tema. A gastronomia dos pompeanos, assim como os acessórios que usavam na cozinha, é uma das fontes de interesse de Penelope, que já descobriu muitos aspectos da sociedade romana entrando na intimidade dos lares de Pompeia.

Uma das particularidades dos cidadãos daquela cidade, segundo a pesquisadora, era a ausência de mesas nas casas. “As pessoas não se sentavam em torno de uma mesa para fazer as refeições. Elas se sentavam no chão, sobre almofadas. E comiam com as mãos, mesmo os mais ricos”, conta. Ela destaca que, hoje, muitos arqueólogos preferem investigar esse tipo de aspecto a se concentrar nos detalhes glamourosos, já amplamente estudados ao longo do tempo. Para a pesquisadora, o cardápio e o mobiliário de uma casa, por exemplo, revelam mais sobre a funcionalidade do dia a dia. “O lado utilitário da vida dos antigos é um campo fascinante, com muito a ser explorado ainda”, acredita.

Variedade

A arqueóloga de Leicester diz que, assim como o estudo de Steve Ellis, investigações realizadas nas últimas décadas demonstram que as classes menos privilegiadas de Roma tinham uma alimentação mais variada do que se pensava anteriormente. Mesmo quem não era da elite consumia vegetais, peixes e carnes. As refeições dos ricos, que comiam de tudo que era produzido no império, eram bem mais elaboradas, mas os cidadãos comuns também enchiam seus pratos com figo, maçã, uva, cogumelos, feijões, leite e queijo de ovelha, galinha, ganso e pato, entre outros. Ricos, classe média e pobres se deliciavam com peixes, mas apenas aqueles que viviam perto da costa. Devido à dificuldade de transportar os frutos do mar frescos, no interior, eles só faziam parte da dieta dos mais abastados.

Fascinado pela culinária romana, o pesquisador britânico Mark Grant conta que, além do material escavado por arqueólogos, fontes escritas ajudam a desvendar o menu consumido no cotidiano da república e do império, não apenas pela elite. “Nem todos os romanos frequentavam termas e anfiteatros, mas todos, pobres e ricos, tinham uma cozinha”, lembra. O que se passava nesse cômodo foi bastante descrito em cartas, sátiras, discursos e outros documentos textuais antigos, que serviram de fonte para Grant escrever o livro Roman cookery: ancient recipes for modern kitchens (Culinária romana: receitas antigas para cozinhas modernas, em tradução livre). Em suas pesquisas, ele encontrou pratos exóticos, como papagaio assado. Mas, de forma geral, os romanos consumiam, segundo Grant, refeições que, com algumas adaptações, podem ser apreciadas ainda hoje (veja quadro).

 

Culinária à moda antiga

Refeições à romana

» Assim como hoje, os romanos antigos costumavam fazer três refeições: café da manhã, almoço e jantar. Geralmente, apenas essa úlitma era realizada em casa. Também de forma semelhante ao que ocorre atualmente, bares e restaurantes serviam o café e o almoço. Veja o que os romanos comiam de manhã, no início da tarde e à noite:

Café (Jentaculum): pão, leite, vinho, queijo, ovos e frutas secas
Almoço (Cibus meridianus ou prandium): pão, salada, ovos, carne ou peixe, vegetais e queijo
Jantar (Cena): vinho, carne, vegetais, ovos e frutas

Receitas

» Os romanos também tinham livros de receita. A coleção de textos culinários mais antigos de que se tem notícia é o De Re Coquinaria (A arte de cozinhar), atribuída a Marcus Gavius Apicius, o famoso epicurista que floresceu durante o reinado de Tibério, no primeiro século depois de Cristo. As receitas só foram compiladas no início do século 5, a partir de diversas fontes. No tratado Sobre agricultura, de Cato, o Velho (234-149 a.C.), também há receitas e pratos típicos da Roma Antiga:

Mingau púnico
» Coloque 1kg de farinha na água até que o pó fique bem macio. Despeje em uma tigela limpa, adicione 3kg de queijo fresco, 1/2kg de mel e 1 ovo, misture tudo e sirva.

Papa de trigo
» Retire a casca de 0,5kg de trigo, lave bem e coloque em uma tigela. Despeje em uma panela com água limpa e deixe ferver. Adicione leite aos poucos, até formar um creme espesso.

Fonte: Mark Grant, pesquisador de culinária romana


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