Um dos mais acalorados debates sobre as origens do Homo sapiens concentra-se em como a espécie africana Ardipithecus ramidus, que viveu há 4,4 milhões de anos, relaciona-se com a linhagem humana moderna. Ardi, como é chamado o primata, habitava a região onde hoje é a Etiópia e era pouco comum. Embora tivesse um pequeno cérebro e um dedão anatomicamente desenhado para trepar em árvores, ele tinha dentes caninos muito semelhantes aos do homem, e sua pélvis já estava modificada para o andar bípede, com pés firmes no chão e coluna ereta.
Agora, baseados em estudos fósseis, pesquisadores da Universidade Estadual de Arizona reforçam a relação evolutiva próxima entre Ardi e humanos modernos. Liderados pelo paleoantropólogo William Kimbel, os cientistas examinaram o crânio parcial bem preservado de um exemplar da espécie e garantem que encontraram um padrão de semelhança que liga Ardi ao australopiteco e ao Homo sapiens, mas não aos macacos modernos. A pesquisa foi publicada na edição on-line de segunda-feira da revista Proceedings of the National Academy of Science (Pnas).
Crânio
O fóssil foi encontrado na Etiópia, local em que a equipe do coautor do estudo Tim White, da Universidade da Califórnia em Bekerley, vem escavando desde a década de 1990. A pesquisa mais recente realizada com esse mesmo crânio foi publicada na revista Science em 2009 e já dava dicas sobre os aspectos físicos típicos de humanos exibidos pelo antigo primata. “Dado o tamanho muito pequeno da caveira de Ardi, a semelhança dele com a base do crânio humano é incrível”, conta William Kimbel, conhecido mundialmente por ter participado da equipe que descobriu o mais antigo fóssil de um australopiteco – a espécie de Lucy –, em Hadar, na Etiópia.
A base craniana é uma fonte de muita importância para o estudo da filogenética (relação evolutiva natural), porque a complexidade anatômica e sua associação com o crânio, a postura e o sistema de mastigação dão dicas sobre a evolução adaptativa ao longo do tempo. Nos humanos, essa estrutura é profundamente diferente da encontrada em macacos e outros primatas. Segundo Kimbel, o mesmo ocorre com o fóssil de Ardi, anatomicamente mais próximo ao do australopiteco, um ancestral direto do Homo sapiens. Tudo indica, por exemplo, que a articulação da espinha com o crânio localizava-se mais para a frente, assim como ocorre com humanos e seus antepassados. Outras características semelhantes às observadas no Homo sapiens são a base mais curta na frente e aberturas laterais, para passagem de vasos sanguíneos e nervos, mais largas.
“A base craniana de Ardi preenche importantes lacunas no nosso entendimento sobre a evolução do homem acima do pescoço”, diz Kimbel. De acordo com ele, os estudos sobre a adoção da postura ereta e do bipedalismo terão de ser reavaliados agora, à luz da descoberta de que Ardi está mais próximo, na árvore evolutiva, do homem do que dos chimpanzés.