Jornal Estado de Minas

Narcisismo nas alturas

Selfiers vão postar 880 bilhões de fotos neste ano

Usuários de redes sociais seguem os exemplos de Barack Obama e Darth Vader, mas o medo de não ter as imagens "curtidas" pode gerar fobia

Shirley Pacelli

Desde que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, foi flagrado tirando uma foto de si mesmo acompanhado do primeiro-ministro britânico, David Cameron e da primeira-ministra da Dinamarca, Helle Thorning Schmidt, o tema veio à tona. Mas não foram só eles. No ranking dos melhores selfies do ano, feito pelo weblog americano Mashable, estão desde as cantoras Beyoncé, com seu novo corte de cabelo e Katy Perry, com um símio na selva, até o vilão Darth Vader, de 'Guerra nas estrelas'. No espaço sideral, o astronauta Chris Cassidy teve seu momento e até uma águia conseguiu a proeza de se retratar usando uma câmera surrupiada.


Para a psiquiatra e psicanalista Gilda Paoliello, de 61 anos, o sucesso do selfie é um fenômeno atual, que faz parte do cotidiano. “O interessante é que isso parece comportamento adolescente, mas tem gente de todas as idades compartilhando esse conteúdo. É algo contemporâneo”, observa. Entretanto, para ela, tudo tem limite e a partir de certo ponto a prática do selfie pode se transformar em exacerbação de narcisismo – querer se mostrar de forma idealizada, fenômeno que, no entender de Paoliello, é visível nos perfis das redes sociais. “O perfil é mais centrado no imaginário, mas a foto é mais real. De uma forma ou de outra, mesmo que se enfeite, pegue um ângulo que a favoreça, a imagem pessoal é mais verdadeira. Mesmo assim ainda existe narcisismo”, ressalva.
Ela afirma que o Facebook, ao contrário de redes sociais como o Whatsapp, que permitem um contato mais objetivo, tem um traço mais narcísico. Os usuários fazem questão de tirar fotos caprichadas, em seu melhor ângulo, usando maquiagem... “É um traço de insegurança. A pessoa precisa da resposta, da famosa curtida. Quando não acontece vem a decepção”, afirma. Ela explica que é comum atender pacientes no seu consultório com esse problema. Eles postam o que fizeram, onde estavam e ninguém dá resposta. “A necessidade de registrar e tornar públicos os momentos especiais da vida corresponde à necessidade de se mostrar privilegiado, inserido num mundo especial, ao mesmo tempo que provoca no espectador uma sensação de estar fora. Quando ele curte, se sente também incluído. Há até uma expressão relativa a este medo de 'ficar de fora’. É a ‘fomofobia’, representada pela sigla Fiomo, que vem do Fear Of Missing Out (medo de perder).”

De acordo com a psiquiatra, esse mal é completamente contemporâneo e universal. Os indivíduos só se sentem seguros e felizes a partir do reconhecimento alheio. “Há diversas situações em que as pessoas deveriam desfrutar do momento e se satisfazerem, mas querem ser vistos, ter a admiração do outro.” Ela conta que em uma recente exposição na Tate Modern, em Londres, ficou admirada de os visitantes ficarem preocupados apenas em se registrar diante das obras de arte, sem ao menos observá-las por um segundo. Os turistas querem mostrar a todos que estão em um lugar privilegiado, provocar um tipo de inveja, explica. Para se ter uma ideia da magnitude do fenômeno, 880 bilhões de fotografias serão tiradas em 2014 por selfies, tanto faz homens, mulheres e crianças.

Paoliello acredita que a cultura da auto-imagem nas redes sociais é um caminho sem volta. “As redes são um instrumento fantástico, mas tudo que é demais vira veneno. Os fenômenos são cíclicos. Vai chegar num ponto que as pessoas vão ter um pouco mais de pudor e vai haver um recolhimento. Atualmente, vivemos em um big brother o tempo inteiro. Maiores e menores intimidades são expostas”, aponta. Para ela, uma angústia, um “buraco na vida” leva as pessoas a esse tipo de exacerbação. As pessoas felizes não precisam disso, não têm esse tipo de exagero. Chegará um momento na vida que esse tipo de instrumento vai falhar e elas vão buscar ajuda.

Com 1 mil seguidores no Instagram, a estudante Luz Gomes explora filtros e busca a melhor iluminação em fotos express - Foto: Arquivo PessoalVeteranos do Selfie

Quando tinha 12 anos, a estudante e hostess Luz Gomes, de 22 anos, pediu uma câmera fotográfica como presente de Natal. Na época, ainda era preciso revelar as fotos, muito mais difícil para conferir se o autorretrato tinha saído como queria. “Acho fantástico estar nesta era tecnológica. Parece mágico!”, entusiasma-se a jovem apaixonada por selfies. Ela gosta de registrar, especialmente, momentos de viagens, baladas e encontros com os amigos. Luz diz defender o direito de livre expressão. “Esse tipo de foto é uma coisa do momento, que está na moda. É divertido e não custa nada fazê-las”, afirma.

Para ela, o selfie virou uma prática em alta graças ao sucesso do aplicativo Instagram, que tem por objetivo “se mostrar, compartilhar o que se está fazendo e com quem”. Na sua conta na rede ela tem cerca de mil seguidores e suas fotos fazem sucesso. Cada post ganha cerca de 150 curtidas. Normalmente, ela usa aplicativos de edição de imagem nos seus autorretratos. “Os filtros são como um photoshop expresso! Para cada foto há um melhor. O Instagram oferece diversos. Gosto muito do Valência, que dá uma claridade na imagem, mas tem outros que deixam preto e branco, azuladas... Vai depender do seu gosto no momento”, diz.

A hostess tem um Motorola Razr D3 com 8MP e gravação em HD. Apesar disso prefere tirar fotos com sua câmera semiprofissional Canon XS130, com resolução de 12MP, o que ajuda muito na qualidade das fotos. Luz tem ainda uma técnica especial para fazer autorretratos. “Requer uma boa iluminação. Aproveitar a luz natural do dia ajuda muito. É importante capturar o melhor ângulo”, diz. Se for em casa, ela explica que é melhor ficar mais próxima da janela, que mantém o ambiente mais claro. Segundo ela, não adianta encontrar um bom ângulo se o fundo atrapalhar. É preciso olhar ao redor. Já se for ao ar livre, Luz diz que é recomendável procurar uma paisagem antes. “Usar a câmera frontal é a melhor dica, pois você consegue definir melhor seu ângulo, ver como está saindo e ter uma noção da foto”, ressalta.

DESDE O FOTOLOG

Para o designer gráfico Vinícius Lourenço, de 27 anos, mais conhecido como Glico Gênio, o selfie não é nenhuma novidade. “Isso já existia desde a época do fotolog. Depois de terem criado a cibershot todo mundo faz”, brinca. Ele tira alguns autorretratos, mas nada que se compare à perseguição de Luz pelo melhor ângulo. Normalmente, Glico faz fotos de si quando quer mostrar algo que está usando, como uma roupa ou um boné novo. Outras situações comuns para selfies é quando viajam ou vão para a balada com os amigos.

Glico não se atém muito a técnicas especiais para se fotografar. “Talvez uma boa opção seja no espelho, com câmera invertida. O legal do selfie é isto: você vê como fica”, afirma. Ele costuma usar dois aplicativos de edição de imagens que oferecem recursos de cor, corte, iluminação e contraste: Asterlight e Câmera mais. Apesar de não ser um autorretratista compulsivo, o designer não acha que seja ruim a prática do selfie. “Quem critica com certeza tem uma. Quando a pessoa faz um selfie quer mostrar a imagem naquele instante. Talvez esteja num ponto turístico. Povo adora criticar um tempo comum”, ressalta.