Jornal Estado de Minas

Mapa colaborativo dá visibilidade ao verde perdido por Belo Horizonte

Shirley Pacelli
Ferramenta desenvolvida por Carolina Martins com base em plataforma aberta identifica cortes e podas de árvores - Foto: Jair Amaral/EM/D.A PressUma semana depois da euforia do carnaval de rua de Belo Horizonte, moradores postaram fotos nas redes sociais protestando contra a poda radical dos fícus na Avenida Bernardo Monteiro, no Bairro Santa Efigênia, Região Leste de Belo Horizonte. Ainda imbuídas do espírito de coletividade e de resistência, marcas da festividade carnavalesca deste ano, a população se reuniu para defender um símbolo de uma região querida. Em menos de 15 horas, cerca de 1,3 mil pessoas confirmaram participação no evento de protesto contra a poda compulsória. O Fica Fícus (ficaficus.concatena.org), nome dado ao movimento, aglutinou diversas outras iniciativas contestatórias da forma de gestão do espaço público. Segundo Natacha Rena, de 42 anos, arquiteta e professora da Universidade Federal de Minas Gerais e uma das representantes do movimento, o Facebook foi fundamental para a origem da mobilização vigilante. “As outras podas começaram a ser notificadas. Criamos um site de georreferenciamento para esse controle ambiental”, conta.


Para Rena, o mapa colaborativo (ficaficus.crowdmap.com) funciona como denúncia e coleta de informações na cidade. “Não há um limite físico. Qualquer um pode contribuir, com arquivos, fotos e vídeos. De alguma forma, a cidade fica mais transparente”, ressalta.

O mapa é uma ferramenta digital desenvolvida como experimento do trabalho final de graduação da estudante de arquitetura e urbanismo, Carolina Sobrinho Lopes Martins, de 24 anos. A universitária conta que usou uma plataforma aberta de cartografia da Ushahadi: o Crowdmap, que permite a criação de mapas colaborativos por qualquer pessoa. “O Google Maps tem uma função semelhante, mas o caminho não é intuitivo e prático”, explica.

Um dos exemplos mais conhecidos de uso do Crowdmap foi durante o terremoto no Haiti (OpenStreetMap.org), em 2010. Por meio da página, voluntários utilizavam GPS, incluíam e atualizavam constantemente informações sobre hospitais, estradas acessíveis, campos de refugiados entre outros, facilitando o trabalho das equipes de resgate.
Centenas de pessoas participaram de protesto contra a supressão de espécie centenária na Avenida Bernardo Monteiro - Foto: Euler Junior/EM/D.A Press
Carolina entrou no projeto a convite do seu professor orientador – o arquiteto e urbanista Marcelo Maia. Segundo ela, o mapa do Fica Fícus dá dimensão total do que está acontecendo com a flora da cidade e cria um banco de dados. Há relatos de pessoas que viram podas na porta de casa. Cerca de 1,5 mil árvores foram cortadas no Bairro Palmares.  “São ferramentas são importantes, porque representam uma nova maneira de praticar cidadania”, ressalta. O trabalho que ela desenvolve para a faculdade pretende ainda mapear apropriações urbanas de cultura/lazer dos jovens da cidade. O projeto chama UrBHanidades (urbhanidades.crowdmap.com), grafia com trocadilho da sigla de Belo Horizonte.       

Há diversas formas de contribuir com a plataforma. Pelo site basta preencher um formulário com dados da notificação, como categoria, título e descrição. O cidadão pode enviar um e-mail para o projeto (carolina.sobrinho@yahoo.com) ou ainda utilizar a hashtag #ficaficus no Twitter. Versões de aplicativos para dispositivos Android e iOS também estão disponíveis. Se, mesmo assim, a dúvida persistir, recorra ao tutorial publicado no YouTube: https://bit.ly/11uCFGI.

 

ENTENDA O CASO
Polêmica ecológica

Mais de 40 fícus, a maioria centenários, foram mutilados ainda em fevereiro, para tentar combater a mosca-branca-do-fícus, praga que infestou as árvores. Em 26 de março, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) publicou um decreto no Diário Oficial do Município anunciando a situação de emergência ocasionada pela infestação da praga em fícus na capital. Testes foram feitos para avaliar a melhor forma de combater a infestação. No dia 8, foi realizada a poda dos galhos secos de 19 exemplares de fícus na Avenida Barbacena, no Barro Preto, Região Centro-Sul da cidade. Também há contaminação de árvores da Avenida Bernardo Monteiro, na Região Leste, além do adro da Igreja da Boa Viagem, na Região Centro-Sul, e do Parque Municipal Lagoa do Nado, na Região Norte. As feiras que eram realizadas na Av. Bernardo Monteiro foram transferidas, temporariamente, para a Avenida Pasteur. Foi realizada na quinta-feira (11/4) uma audiência pública na Câmara Municipal para discutir a situação. O Fica Fícus questionou a necessidade das podas e anunciou o encaminhamento de uma representação ao Ministério Público para que sejam adotadas outras formas de tratamento das árvores e apontando os projetos de intervenção urbana da PBH na Avenida Bernardo Monteiro. A Secretaria de Meio Ambiente aguarda autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária para começar a aplicação de inseticida.

 

Além do google maps

O professor do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix, Marcelo Maia, orientador de Carolina Martins, explica que não há uma aplicação específica para produzir uma cartografia pensando no âmbito da cidadania. Existem, na verdade, diversas iniciativas em que a motivação dos seus idealizadores têm esse viés. “Não há tecnologia que promova uma ação a nível de cidadania sem engajamento colaborativo. Colaborar, a princípio, é fácil, mas colaborar de modo engajado pressupõe insistência/compromisso com o processo e corresponsabilização na criação de um banco de dados de interesse comum”, destaca.

Para ele, em termos de exercício de cidadania, as ferramentas de mapeamento, mas mais que isso, de conexão e compartilhamento em tempo real de experiências, são capazes de mobilizar multidões e abrir novas fronteiras em processos cada vez mais participativos. Nesse sentido, o Instagram e o Twitter também seriam excelentes ferramentas de mapeamento. “O aplicativo Instamap (instamapapp.com), por exemplo, deixa bem claro o potencial de mapeamento em tempo real da cidade. Ou seja, é possível, teoricamente, acompanhar ao vivo o que está acontecendo em qualquer ponto do planeta”, explica.

Plataformas

Existe um projeto de realidade aumentada chamado Layar que permite trabalhar informações de forma georreferenciada. Assim, esse tipo de cartografia produzido pela ferramenta abandona a representação bidimensional (como Google Maps) e passa a usar a superfície da cidade como base de mapeamento. “De certo modo, podemos dizer que a base de abstração do Google Maps é limitada e, sendo um pouco ousado, talvez ultrapassada para as dinâmicas da cidade real contemporânea”, afirma Maia.

O professor conta que a Ushahadi (ushahadi.com), plataforma utilizada no projeto Fica Fícus, é relativamente nova. Foi desenvolvida por uma empresa de tecnologia sem fins lucrativos, especializada na produção de softwares livres e gratuitos para coletar informação, visualizá-la e fazer um mapeamento interativo. As vantagens desse mapeamento, se comparado ao Google Maps, são inúmeras. Além de ser mais fácil, é versátil, podendo ser usada em computadores, tablets e smartphones. Os mapas ainda são ilimitados (temáticos), enquanto o gigante das buscas oferece um único mapa. Ao escolher um tema, pode-se representar uma infinidade de dados que vão além das categorias tradicionais do Google maps, que, aliás, oferece essa função, mas limitada aos desktops.

“Se o Google maps aponta as padarias de um bairro, o Crowdmap,  mapeaia os trechos de calçadas e esquinas onde se pode sentir cheiro de pão assando no fim da tarde”, exemplifica bem-humorado. Para ele, as ferramentas de cartografia, desde que impulsionadas por um grupo de indivíduos conectados e engajados em torno de uma causa, são recurso poderoso para o planejamento participativo e a gestão transparente da cidade. É o que estuda e discute o movimento P2P Urbanism, impulsionado pela P2Foundation (p2pfoundation.org).