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Estado de Minas

Cérebro dos anoréxicos tem falhas de conexão

O problema ocorre em regiões ligadas ao processamento visual do corpo, de acordo com estudo alemão. Os pesquisadores não sabem, porém, se as falhas desencadeiam o distúrbio alimentar ou são consequência dele


postado em 21/02/2013 00:12 / atualizado em 21/02/2013 06:42

Paloma Oliveto


As roupas estão cada vez mais folgadas, o ponteiro da balança despencou, mas o espelho mostra uma cena bem diferente. Pessoas que sofrem de anorexia nervosa enxergam o corpo de forma alterada e acreditam que nunca estão magras o bastante. Muito já se investigou sobre as causas do problema, que tem fortes bases comportamentais e até mesmo hereditárias. Agora, pesquisas se concentram nas causas neurológicas do distúrbio, o terceiro que mais afeta adolescentes em todo o mundo, de acordo com a Associação Americana de Psiquiatria. Mais do que nunca, os cientistas se convencem de que a mente e o cérebro trabalham juntos na construção da imagem corporal distorcida.
O estudo mais recente sobre as raízes neurológicas da anorexia foi apresentado por pesquisadores alemães do Instituto de Neurociência Cognitiva da Universidade de Ruhr. A partir de ressonâncias magnéticas funcionais, eles constataram um erro de conexão no cérebro de mulheres anoréxicas, envolvendo duas regiões importantes para o processamento da imagem corporal. Quanto mais fraca a comunicação entre essas áreas, maior a discrepância entre o peso verdadeiro das participantes e a percepção que elas tinham do corpo.
A pesquisa foi realizada com 25 mulheres, sendo que 10 faziam parte do grupo de controle, ou seja, não eram anoréxicas, e entraram no estudo para fins de comparação. Na primeira fase, elas tinham de preencher um questionário no qual faziam uma autoavaliação da silhueta. Depois, todas passaram pela ressonância magnética: enquanto viam fotografias de corpos, a máquina registrava o comportamento de seus cérebros. Nas 15 participantes que já haviam sido diagnosticadas com o distúrbio alimentar e cujas respostas indicavam uma percepção equivocada da imagem, a conexão entre a área fusiforme do corpo (FBA, sigla em inglês) e o córtex extraestriado do corpo (EBA) era mais fraca do que nas demais.
Localizados em diferentes áreas do cérebro — lobo temporal e lobo occipital, respectivamente —, a FBA e o EBA estão associados ao processamento visual do corpo. Eles ficam ativados quando se vê a imagem de uma pessoa por inteiro ou apenas algumas partes, como mão, pé ou cabeça. A percepção adequada da imagem depende de uma boa comunicação entre as duas regiões. Em pessoas que não sofrem de distúrbios alimentares, os neurônios que formam essa rede trabalham normalmente. Contudo, a ressonância magnética registrou uma atividade bem mais fraca no caso das participantes anoréxicas.
“Essas áreas do cérebro são correlatas em ambos os hemisférios. Quanto menos atividade, mais frágil é o elo entre elas. Então, constatamos que, do ponto de vista da neurociência, as pessoas se veem muito mais gordas do que realmente são porque a FBA e o EBA não estão se comunicando como deveriam”, explica Boris Suchan, pesquisador da Universidade de Ruhr e principal autor do artigo, publicado na revista especializada Behavioural Brain Research. Em uma pesquisa anterior, a equipe de Suchan havia descoberto que a densidade de neurônios no EBA é menor no cérebro de pessoas anoréxicas. “Agora, vemos que o problema é ainda mais complexo porque envolve toda a rede de processamento visual da imagem do corpo”, diz o cientista cognitivo.
De acordo com Suchan, não se pode afirmar com certeza se o enfraquecimento na comunicação é a causa ou a consequência da anorexia. Contudo, ele acredita que as alterações estruturais no cérebro podem levar ao desenvolvimento da doença, principalmente quando componentes psicológicos também favorecem o quadro. Suchan lembra que é preciso aprofundar os estudos sobre o enfraquecimento da rede FBA-EBA, assim como os motivos pelos quais, nessas pessoas, há uma concentração menor de células que formam o córtex extraestriado do corpo. “Essas pesquisas poderão, eventualmente, ajudar a desenvolver novas abordagens terapêuticas para lutar contra essa condição”, acredita. De acordo com a Associação de Psiquiatria dos Estados Unidos, a mortalidade associada à anorexia não tratada é bastante alta: 20%.

DIFICULDADES TEREPÊUTICAS Diretor do Programa de Distúrbios Alimentares da Universidade da Califórnia em San Diego, o psiquiatra Walter Kayne admite que ainda não existe uma abordagem ideal para lidar com a anorexia. “Atualmente, não temos meios muito efetivos para tratar os pacientes. Os tratamentos tentam mudar os hábitos alimentares do paciente para que ele comece a seguir uma dieta balanceada, mas raramente esse distúrbio é curado apenas com alterações dietéticas. Consequentemente, muitos vão continuar doentes ao longo da vida ou até morrer devido à doença. Esse é o distúrbio psiquiátrico que mais mata, por isso a neurociência precisa desvendar as causas biológicas por trás da anorexia”, diz.
Segundo Julie L. Fudge, pesquisadora do Departamento de Psiquiatria, Neurobiologia e Anatomia da Universidade de Rochester, estudos baseados em ressonância magnética têm demonstrado que, além de alterações estruturais relacionadas à percepção visual, o cérebro dos anoréxicos lida de forma diferente com as regiões envolvidas com sensações, como o prazer de comer algo gostoso. “Os exames mostram que a atividade do circuito cerebral que regula a recompensa e a emoção (circuito ventral ou límbico) é desbalanceada na anorexia”, conta Fudge, que trabalha com Walter Kayne em pesquisas sobre a neurociência por trás do distúrbio.
Normalmente, quando o corpo precisa de combustível, o cérebro desencadeia os sinais de fome e, ao ser saciado, recompensa o organismo pela comida, liberando substâncias químicas relacionadas ao bem-estar. “No caso da anorexia, já se constatou que a região da ínsula anterior, que é criticamente importante para a interocepção (informações sensoriais que vêm de dentro do corpo), tem um funcionamento inadequado. Dessa forma, a pessoa não sente que precisa comer e, como já tem uma percepção errada da imagem corporal, se achando gorda, a motivação para se alimentar diminui. Pessoas anoréxicas literalmente morrem de fome”, alerta Kayne.
As pesquisas também indicam que, assim como para muitos a comida diminui a ansiedade, fazer dieta é a forma que outros encontram para ficar mais calmos. “Nem todo caso é igual, mas alguns indivíduos relatam que a experiência de comer é desprazerosa. Para evitar o estresse, eles fecham a boca. Consequentemente, perdem peso, desencadeando uma bola de neve que acaba com a severa magreza e desnutrição”, observa o psiquiatra. “A anorexia é muito complicada. Por isso temos de mudar de paradigma na busca pela compreensão do que está por trás dessa doença. Estamos apenas começando a entender como o cérebro de pessoas que têm o distúrbio trabalha”, concorda Julie L. Fudge.



A DOENÇA
A anorexia é um complexo distúrbio alimentar, caracterizado pela recusa em manter um peso saudável, o intenso medo de engordar e a imagem distorcida do corpo. Pensamentos sobre dieta, comida e aparência corporal podem tomar a maior parte do dia, o que costuma afastar o indivíduo da família e do ciclo social


CONJUNTO DE FATORES
A obsessão pelo que consideram o corpo perfeito faz com que pessoas com anorexia se sintam sempre acima do peso, ainda que já estejam com severa desnutrição e magreza. As causas do distúrbio ainda não foram decifradas, mas sabe-se que são multifatoriais, com componentes psicológicos, biológicos e neurológicos

SINTOMAS
Nem sempre a pessoa apresenta todos os sinais, mas uma combinação de características ajuda a diagnosticar o problema. Os sintomas são comportamentais e físicos


Físicos
 Dramática perda de peso sem causas médicas
 Sentir-se gordo apesar de estar magro. A sensação pode ser em relação ao corpo inteiro ou a algumas partes, como estômago, barriga e coxa
 Usar faixas ou cintas apertadas para esconder uma gordura que, na verdade, não existe
 Fixação na imagem corporal; obsessão com o formato do corpo, o peso ou o tamanho das roupas. Pesagens frequentes e preocupação exagerada com pequenas flutuações na balança
 Autocrítica severa; passar horas em frente ao espelho procurando defeitos
 Negar que está magro, usar remédios, laxantes ou diuréticos, vomitar depois de comer e exercitar-se compulsivamente

Comportamentais
 Fazer dieta apesar de estar magro
 Obsessão em contar calorias, carboidratos e gorduras de um alimento
 Mentir que comeu, escondendo a comida ou jogando-a fora
 Pensar em comida constantemente. Cozinhar para os outros, colecionar receitas, ler revistas culinárias, mas continuar se recusando a comer
 Ter estranhos rituais relacionados à comida, como se recusar a se alimentar perto dos outros ou em lugares públicos, usar apenas um determinado prato e cortar o alimento sempre da mesma maneira


CAUSAS
Ainda não se conhecem as causas, mas questões psicológicas, comportamentais, biológicas e neurológicas são associadas ao distúrbio. Embora não seja uma doença genética, pesquisas já mostraram que filhos de anoréxicos são mais propensos a sofrer do problema


FATORES DE RISCO
Hereditariedade
 Perfeccionismo
 Cobrança social
 Ansiedade
 Tendências
obsessivo-compulsivas


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