Jornal Estado de Minas

Crianças expostas à poluição têm capacidade respiratória comprometida

Na fase adulta, podem ter problemas crônicos, como enfisema

Bruna Sensêve

Clique e entenda melhor a pesquisa - Foto: O perigo está no ar das grandes cidades, colocando em risco as futuras gerações. Os gases poluentes expelidos diariamente pelos milhões de veículos que circulam nos centros urbanos contribuem diretamente para a redução da função pulmonar em crianças. Uma longa pesquisa acompanha desde o nascimento quase 2 mil crianças expostas a essa poluição ambiental. Na segunda divulgação de resultados – a anterior ocorreu no primeiro ano de vida dos participantes –, os cientistas conseguiram observar um déficit significativo no volume máximo de ar expelido por elas aos 8 anos. Especialistas afirmam que, entre as consequências a longo prazo, pode estar o desenvolvimento de doenças pulmonares obstrutivas crônicas, como a bronquite e o enfisema pulmonar.

O estudo, publicado recentemente no Jornal de Medicina Respiratória e Crítica da Sociedade Torácica Americana, avaliou as crianças por meio da aplicação de questionários, da avaliação da quantidade de anticorpos no sangue, além do exame de espirometria. O último foi capaz de registrar uma redução de até 85% do volume de ar esperado para crianças com a mesma idade, o mesmo peso e a mesma estatura, mas sem a exposição aos poluentes. “Nosso estudo mostra que a exposição precoce à poluição do ar relacionada ao tráfego a longo prazo tem efeitos adversos sobre a saúde respiratória em crianças, particularmente entre aquelas com alergias”, detalha o pesquisador Göran Pershagen, professor do Instituto de Medicina Ambiental em Estocolmo, Suécia.

Segundo o pneumologista Ciro Kirchenchtejn, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), quanto maior o pulmão, maior será o volume de ar que a criança consegue expelir durante o exame. No entanto, os poluentes a que elas foram expostas agridem as células respiratórias, provocando inflamações, infecções, crises de bronquite e até a morte de células do órgão. Tudo isso na fase da vida em que os alvéolos pulmonares ainda estão em desenvolvimento.

Kirchenchtejn considera que a redução de volume de ar tem um significado estatístico, mas ainda não leva a sintomas clínicos. A criança não terá falta de ar, por exemplo, aos 8 anos, mas é preciso considerar que ela provavelmente estará exposta ao perigo até os 20, 60 anos e, nesse estágio, talvez faça muita diferença. “No futuro, você aumenta as chances de ter um desenvolvimento pior do pulmão. É uma reserva funcional que está diminuindo. A pessoa fica mais suscetível a doenças respiratórias e, se adquirir alguma, tende a ser mais grave que alguém que tem a plenitude da reserva”, aponta Kirchenchtejn.

Em formação No artigo, os pesquisadores alertam que os alvéolos pulmonares são formados não só durante o período pós-natal precoce, mas durante toda a infância e a adolescência. A maturidade do órgão só é atingida aos 18 anos pelas mulheres e por volta dos 20 anos nos homens. Até essa faixa etária, o órgão precisa se desenvolver de maneira sadia para um funcionamento regular. Ainda assim, o grupo de pesquisadores suecos ressalta que, ao comparar os resultados encontrados no primeiro ano de vida dos participantes, os anos seguintes de exposição causaram menor impacto na função respiratória deles.

O pneumologista Ubiratan de Paula Santos, da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, conta que um outro estudo conduzido por pesquisadores americanos há alguns anos fez o acompanhamento do período seguinte ao divulgado pelo grupo sueco. Indivíduos dos 8 aos 18 anos foram observados por um longo período, com conclusões muito similares às anunciadas na semana passada. “O que eles não sabem é se a redução no crescimento do pulmão terá alguma implicação na vida do indivíduo adulto. Não sabemos ainda, na verdade. Uma criança exposta na infância à poluição veicular terá problemas se decidir ser um atleta de alto rendimento? Estará em desvantagem se comparada a quem não foi exposto? E se forem fumantes?”, questiona Santos.

Ricardo Martins, da Comissão Científica de Infecções Respiratórias da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, afirma que os pesquisadores suecos conseguiram traduzir em números o que já é observado nos consultórios. Ele destaca que o maior poluente ambiental de uma cidade é o carro, especialmente naquelas onde não há incentivo ao transporte coletivo. “Temos pessoas desenvolvendo doenças pulmonares obstrutivas crônicas e agudas sem nunca ter fumado, sendo que 80% dessas doenças estão ligadas diretamente ao tabagismo”, analisa.


O especialista considera que, em Brasília, esses números ainda não são tão expressivos, mas, em São Paulo e no Rio de Janeiro, o prejuízo da poluição ambiental à estrutura pulmonar está bem documentado. Um estudo da Universidade de São Paulo, por exemplo, mostrou que um morador do centro urbano absorve o equivalente a seis cigarros por dia. A agressão aos pulmões é a mesma que a sofrida por um tabagista. “Essas doenças pulmonares já existiam, mas se agravaram com a comercialização do cigarro. Podemos ver pessoas diagnosticadas cada vez mais cedo. A tendência é que essas crianças submetidas a esse impacto de poluição também desenvolvam doenças mais cedo.”

Fluxo de ar avaliado
Também conhecido como prova de função pulmonar ou prova ventilatória, o exame consiste no registro dos vários volumes e fluxos de ar por meio de um aparelho que mede a velocidade e a quantidade de ar que um indivíduo é capaz de colocar para dentro e para fora dos pulmões. As crianças avaliadas na pesquisa respiraram pela boca por meio de um tubo conectado ao aparelho (espirômetro) e assopraram com o máximo de força e rapidez possível. O processo pode ser repetido várias vezes.