Essa necessidade de calorias é explicada pela enorme quantidade de neurônios presente nos humanos. Apesar de o encéfalo representar apenas 2% da massa corporal, ele precisa de 25% da energia produzida no organismo. Foi comparando o tamanho do cérebro humano ao de outros animais que os pesquisadores da universidade fluminense chegaram à conclusão da importância da cozinha na evolução, algo que não imaginavam. O que sabiam até então, pela literatura, era que o homem tinha cerca de 100 bilhões de neurônios, um encéfalo de cinco a sete vezes maior do que o esperado e que demandava 1/4 da energia do corpo e o córtex cerebral, relativamente, maior de todos. Ou seja, até aí teríamos sim algo de especial.
O método adotado pela equipe da UFRJ é o fracionador isotrópico, baseado na premissa de que cada célula tem apenas um núcleo. Assim, os pesquisadores dissolvem as membranas das células e mantêm apenas a membrana do núcleo, conseguindo uma suspensão de núcleos livres dentro de um líquido. Dali se tiram pequenas amostras representativas da distribuição dos núcleos na suspensão. “Em 15 minutos temos o número total das células que compõem o tecido de origem”, explica. Com a metodologia foi possível compreender que o encéfalo de roedores e o de primatas, por exemplo, não são constituídos da mesma maneira.
E os humanos? O pesquisador Frederico Lent, também da UFRJ, constatou que o encéfalo humano tem 86 bilhões de neurônios. A maioria deles se concentra no cerebelo, como nos demais mamíferos. Isso levou os cientistas a concluírem que podemos ser notáveis, mas não especiais. O que, então, determinaria esse consumo de 25% de energia por um encéfalo que corresponde a 2% da massa se um gorila tem também um encéfalo que é 2% do peso total do corpo e só precisa de 2% da energia? Segundo Suzana Herculano-Houzel, a explicação está no fato de o uso total de energia ser diretamente proporcional ao número de neurônios. “Dependemos de tanta energia simplesmente porque temos um número enorme de neurônios”, explica a cientista.
Energia
Os vários estudos conduzidos no Laboratório de Neuroanatomia Comparada da UFRJ concluíram que o maior dos primatas talvez não tenha o maior cérebro por não conseguir a quantidade de energia necessária para mantê-lo em funcionamento. Conforme o animal aumenta de tamanho, ele se vê na necessidade de comer mais horas durante o dia para sustentar esse corpo. Ou seja, o aporte calórico cresce à medida que o corpo fica maior. Os primatas, por exemplo, chegam a um ponto em que não conseguem sustentar um corpo maior do que aquele sustentado pelas nove ou 10 horas que passam comendo. Ou têm um corpo enorme ou têm mais neurônios.
O que o homem teria de notável, portanto, na opinião de Suzana, não é especificamente o número de neurônios, mas o que tornou isso possível. “Uma vez que aprendeu a cozinhar seu alimento, o homem não precisou mais passar nove horas diárias comendo. Pode ir a uma lanchonete e consumir 2.500 calorias de uma só vez e cuidar de outras coisas no restante do dia”, acrescenta ela. Chimpanzés, por exemplo, são forçados a passar seis horas por dia mastigando folhas, frutas e raízes, e precisam mastigar por uma hora para conseguir engolir 300g de carne crua. Um bife malpassado com os mesmos 300g, por outro lado, pode ser devorado por um humano em cinco ou 10 minutos.
Não é à toa que gorilas criados em cativeiro e que comem alimento cozido engordam rapidamente. “Se ainda adotássemos uma dieta de alimentos crus teríamos que passar grande parte do dia comendo para conseguir a energia demandada pelo nosso encéfalo”, diz Suzana.