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Estado de Minas

Pesquisa norueguesa é esperança de tratamento barato e eficaz para o cólera

Cientistas estudaram o mecanismo de ação da toxina colérica, lançada pelo bacilo que causa a doença, e descobriram como, em um nível atômico, essas substâncias nocivas se ligam às células do intestino.


postado em 05/09/2012 09:08 / atualizado em 05/09/2012 09:22

Entenda a pesquisa
Entenda a pesquisa
“Tudo começa com náusea e diarreia, ou só um dos dois; então, quando ele alcança o estômago, se multiplica. O pulso falha, a respiração é atenuada. A face e o nariz ficam finos; a cor da pele do rosto se modifica e aí surge o semblante da morte. As extremidades do corpo ficam geladas, há espasmos nas mãos, nos pés e nas pernas. E uma sede desesperadora, que não consegue ser satisfeita, já que o paciente imediatamente rejeita o que bebeu.” Foi há mais de mil anos que Razhes, célebre médico do mundo islâmico, fez essa descrição da doença. Naquela época, o cólera já era um velho conhecido. Desde então, pouca coisa mudou.

Ainda sem um remédio específico para enfrentar o Vibrio cholerae, no século 21, o mal, que costumava ser retratado em livros antigos como a clássica figura da morte, continua a apontar sua foice para milhões de pessoas. As principais vítimas estão em países de baixa renda e em desenvolvimento – no Brasil, desde 2007, não há registros de casos, mas, entre 1991 e 2001, 168.598 pessoas foram afetadas, com 2.035 óbitos. Agora, uma pesquisa da Universidade de Oslo, na Noruega, país que jamais sofreu epidemias de cólera, traz a esperança de que, em breve, medicamentos e imunizações eficazes sejam desenvolvidos.

Os cientistas estudaram o mecanismo de ação da toxina colérica, lançada pelo bacilo que causa a doença, e descobriram como, em um nível atômico, essas substâncias nocivas se ligam às células do intestino. Quando chegam ao órgão, as toxinas provocam os sintomas clássicos, como vômito e diarreia descontrolados, que, se não tratados a tempo com o único método disponível, a reidratação, levam à morte em 24 horas. “Se você entende esse mecanismo, ou seja, qual é o alvo do bacilo, fica mais fácil pensar em desenvolver remédios que realmente tenham efeito”, diz Stephen Trent, professor de microbiologia da Universidade do Texas em Austin, nos Estados Unidos. Trent não participou da pesquisa norueguesa, mas também estuda meios de evitar que a toxina colérica entre em ação no intestino. De acordo com ele, a resposta para uma nova classe de medicamentos não deve focar o agente patógeno, mas uma maneira de fazer com que o sistema imunológico consiga neutralizá-lo.

É exatamente essa a linha de pesquisa da Universidade de Oslo. A equipe da química Ute Krengel desenvolveu um modelo biológico para investigar de que maneira as toxinas entram nas células do intestino. Como manipular o Vibrio cholerae poderia ser muito perigoso, o grupo usou a bactéria E. coli. “É muito mais seguro. Colonizamos um grande número de bactérias e criamos toxinas coléricas artificiais que se comportam igualmente às originais”, conta Julie Heggelund, pós-doutoranda que participa do estudo. O processo, impossível de ser visualizado no microscópio, foi registrado por uma tecnologia de raios X que cria uma imagem das moléculas da toxina em duas dimensões.

Tipo
O Ute Krengel explica que nem todos os casos de cólera são graves; a resposta do indivíduo depende de seu tipo sanguíneo. De acordo com ela, esse fato já era conhecido (leia entrevista), mas só agora se descobriu como e por que pessoas do grupo O – a maioria da população da América Latina e da África – sofrem mais quando infectadas. Anteriormente, diz Ute, acreditava-se que antígenos dos grupos sanguíneos A e B, presentes na mucosa intestinal, se ligavam mais rapidamente às toxinas, impedindo de imediato que elas atravessassem essa barreira e chegassem às células do órgão. Isso, porém, não ocorre.

Na verdade, os antígenos do grupo O são ainda mais velozes. Porém, permitem que as toxinas se soltem e cheguem até os receptores das células, onde começam a agir. Já nos sangues A e B, os antígenos demoram mais a grudar nas toxinas. Uma vez, contudo, que elas são atraídas, os antígenos as seguram de um jeito que as substâncias maléficas não conseguem se livrar e, consequentemente, não alcançam as células do intestino. “Tivemos, inclusive, que usar um tipo de álcool em excesso, para ‘libertar’ as toxinas”, relata Ute. “Essa história é um pouco complicada”, reconhece a química. “Em linhas gerais, dado que muitas pessoas (quatro em cada cinco) têm antígenos de seus grupos sanguíneos não apenas nas células vermelhas, mas também na camada de muco que protege o intestino, quanto mais os antígenos conseguem segurar as toxinas, mais protegido está o indivíduo”, resume.

A cientista afirma que, agora, é preciso intensificar os estudos, para visualizar melhor o mecanismo de ação das toxinas. Caso os achados sejam confirmados, ela diz que esse será o primeiro passo para desenvolver medicamentos e melhorar a vacina já existente. A norueguesa reforça a importância de se encontrarem novas terapias, já que os tradicionais antibióticos podem levar a um aumento da resistência a cepas, principalmente quando há epidemias, algo bastante comum nos casos de cólera.

Agua e sal

“Antes de tudo, existe um tratamento mais barato que o antibiótico, que consiste na hidratação com água e sal, que pode ser oral ou intravenosa, nos casos mais graves. Isso ajuda o paciente a sobreviver, até que seu sistema imunológico acabe com a doença”, lembra. “Mas o cólera geralmente desencadeia epidemias e muitas pessoas ficam doentes ao mesmo tempo. Nessas ocasiões, antibióticos também são administrados, mas isso leva ao aumento do preço dos remédios e à resistência a diversas cepas de bactérias”, afirma. Ute Krengel observa que, nos últimos anos, as epidemias têm se tornado mais severas. “Isso pode estar relacionado à emergência de cepas mais virulentas; a mudanças climáticas, que favorecem a reprodução da bactéria por causa do aumento do calor e devido às chuvas; e a novos grupos de pessoas sendo infectadas. Por isso, é urgente desenvolvermos vacinas e drogas.”

 


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