“Quando a luz incide em uma molécula, os átomos que a compõem estão vibrando e essa vibração faz com que a luz reemitida tenha componentes de frequência diferentes da luz incidente. Assim, em cada tipo de material, os átomos estão vibrando de maneira diversa, o que faz com que cada material emita uma luz própria que conta a sua história”, explica o professor Marcos Pimenta, do Departamento de Física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Laboratório de Espectroscopia Raman. Ele acrescenta que a luz que o material emite é como se fosse uma impressão digital dele, ainda que invisível a olho nu.
Na época da descoberta, a técnica era limitada pela dificuldade de obtenção de uma boa e intensa fonte de luz monocromática. Mas, em 1960, o físico norte-americano Theodore Maiman apresentou ao mundo o primeiro laser. Nesse mesmo ano, o físico brasileiro Sérgio Pereira Porto chegava aos EUA para trabalhar no Laboratório Bell, um dos maiores centros de pesquisa aplicada do mundo. “Ele cultivava um grande interesse pelo efeito Raman e logo vislumbrou o enorme potencial dos lasers como fonte de excitação. Assim, ele trabalhou na melhoria dos dispositivos e equipamentos usados para medir o efeito. Ao usar os novos lasers passou a obter espectros de amostras sólidas com alta intensidade e qualidade de resolução. Seu laboratório tornou-se referência e líder nessa área”, conta Pimenta.
Com esse feixe de luz mais intenso, ao jogá-lo sobre um material, este absorve a luz e reemite fótons com cores diferente dos que recebeu. Ao jogar um laser, com radiação monocromática, sobre uma pedra, por exemplo, a luz reemitida é analisada por um espectrômetro. Nesse aparelho é medida a intensidade da luz em função da cor que o material emitiu. “Com as cores reemitidas, saberemos de que é composta a pedra, ou outro material, seja ele sólido, líquido ou gasoso”, acrescenta o físico, dizendo que esses espectros são representados na forma de um gráfico. “O quartzo, por exemplo, é identificado com determinadas curvas no gráfico. Há uma espécie de catálogo com o espectro Raman para cada tipo de material”, explica.
Uma das grandes e nobres vantagens da tecnologia Raman é, de acordo com o professor da UFMG, sua possibilidade de identificação rápida dos materiais. “No caso de um quadro, ao usar a técnica sobre ele, é possível saber com que tinta foi feita a pintura e, assim, em que época a obra foi criada.” Neste mês, o Laboratório de Espectroscopia Raman, que Marcos Pimenta coordena na UFMG, completa 20 anos e, segundo ele, a técnica é fundamental para o mundo atual.
“Aqui, trabalhamos com a identificação de nanotubos de carbono. Para construir um dispositivo eletrônico, você tem que saber que espécie de nanotubo será usado”, conta, frisando, no entanto, que o método tem suas limitações. “Ele não consegue identificar ouro, prata e cobre, porque as vibrações dos átomos desses elementos não espalham luz”, observa.
Uso na arte e telefonia celular
Na Escola de Belas Artes da UFMG a técnica Raman é usada para ajudar na conservação e preservação de bens culturais do patrimônio brasileiro. Segundo o diretor da escola e coordenador do Laboratório de Ciência da Conservação, Luiz Antônio Cruz Souza, o efeito Raman vem sendo usado na área de preservação de peças. “Uma identificação que fizemos, em fevereiro do ano passado, foi nos painéis de Guerra e Paz de Candido Portinari. Com a técnica Raman, descobrimos que o pintor usou nas pinturas o elemento químico titânio.” Segundo a pesquisadora associada ao grupo coordenado por Luiz Antônio Isolda Maria de Castro Mendes, uma outra aplicação do método é a análise de livros antigos. “Ao conhecermos quais os pigmentos que foram usados, temos uma informação a mais para relacionar técnicas e materiais usados pelos artistas da época”, diz Isolda.
O método tem ajudado também a equipe da Belas Artes a produzir provas para os casos de peças históricas roubadas, principalmente as sacras, levadas de igrejas do interior de Minas Gerais. “Colaboramos com o Ministério Público Federal e estadual nas investigações. Se for achada uma peça que se assemelha a outras mineiras, aplicamos a técnica para identificar o tipo de material que têm aquelas e se os materiais são iguais, o que vai significar que foram feitas pelo mesmo artista em determinada época. Daí, o diagnóstico é apresentado ao juiz. Usando essa técnica conseguimos que muitas obras achadas voltassem para o local de sua origem”, comemora Luiz Antônio.
Eletrônico
Em Ouro Preto, de acordo como o professor do Departamento de Química da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) Anderson Dias, a técnica tem sido usada para identificar material cerâmico eletrônico. “Todo equipamento eletrônico tem essa base de material. Um telefone celular, por exemplo, tem dentro dele um dispositivo cuja base é de cerâmica à base de tântalo (elemento químico). Esse elemento tem propriedades que fazem com que o aparelho seja ágil e ainda melhor”, diz. A pesquisa se baseia em procurar a substituição desse material. “O nióbio, por exemplo, que tem em grande quantidade em Minas Gerais, é um deles. A substituição por algo parecido dá valor agregado para o nosso minério, para o qual há grandes reservas no estado”, explica Anderson, dizendo ser indispensável a técnica Raman na pesquisa científica.
No Triângulo Mineiro, na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), os cientistas têm usado a técnica para conhecer se polímeros (moléculas longas constituídas de unidades que se repetem) e oligômeros (são moléculas relativamente grandes, mas que ainda não apresentam a propriedade de polímero) são bons condutores ou não, e também para avaliar suas formas geométricas. Segundo explica a coordenadora do Laboratório de Espectroscopia de Materiais da universidade, a professora Raigna Augusta da Silva Zadra Armond, o método é conceituado como caracterização estrutural de materiais. “Ao conhecermos as propriedades dos polímeros e oligômeros, colaboramos no estudo de dispositivos, como para os celulares. A técnica é poderosíssima, principalmente para a nanotecnologia.”
Emissão de radiação
O conceito de emissão estimulada de radiação foi proposto por Albert Einstein para descrever a interação da radiação com a matéria. No processo, um átomo excitado (nível de alta energia) pode ser estimulado, na presença de radiação, a emitir um fóton e decair para o estado fundamental (nível de baixa energia). Na maioria das fontes convencionais de luz, como a luz do Sol e das lâmpadas incandescentes, ela se origina dominantemente do processo de emissão espontânea de radiação por átomos excitados. Mas, a partir dos trabalhos de Einstein, foi possível demonstrar que, mediante certas condições impostas aos átomos, era possível tornar dominante o processo de emissão estimulada da luz, que é um ingrediente essencial para o funcionamento de um laser. Nesse caso, o meio formado pelos átomos poderia amplificá-la, isto é, aumentar sua intensidade. A condição imposta aos átomos para essa amplificação chama-se ‘inversão de população’.