Jornal Estado de Minas

Espectroscopia - Técnica de quase 100 anos ajuda a ciência moderna

Aos 84 anos, técnica Raman se mostra mais do que atual. Em Minas, ela é aplicada em estudos para datar obras de arte, na construção de dispositivos eletrônicos e na identificação de novos materiais

Luciane Evans

- Foto: Descoberta na década de 1920 pelo físico indiano Chandrasekhara Venkata Raman, a técnica de espectroscopia Raman, chamada assim em homenagem ao cientista, tornou-se nos últimos anos uma grande aliada da ciência no Brasil, em diversas áreas. Do alto de seus 84 anos, ela se mostra essencial em uma das áreas mais novas do meio científico: a nanotecnologia. Serve ainda para auxiliar pesquisadores na identificação, em poucos segundos, da composição de determinado material indispensável para a produção de um aparelho de telefone celular ou para datar uma pintura rupestre. Em Minas Gerais, os acadêmicos não conseguem imaginar mais o setor científico sem a técnica, que tem ajudado até o Ministério Público estadual a recuperar peças sacras roubadas.

Com tanta fama, o que seria então essa técnica da física que se tornou indispensável? Foi em 1928 que o cientista indiano observou, pela primeira vez, que quando um feixe de luz intenso e de uma única cor atravessava um determinado material ou objeto, a luz espalhada mostrava, além da radiação de mesma frequência da luz incidente, uma série de novas linhas extremamente fracas, o que foi chamado de espalhamento inelástico da luz.

“Quando a luz incide em uma molécula, os átomos que a compõem estão vibrando e essa vibração faz com que a luz reemitida tenha componentes de frequência diferentes da luz incidente. Assim, em cada tipo de material, os átomos estão vibrando de maneira diversa, o que faz com que cada material emita uma luz própria que conta a sua história”, explica o professor Marcos Pimenta, do Departamento de Física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Laboratório de Espectroscopia Raman. Ele acrescenta que a luz que o material emite é como se fosse uma impressão digital dele, ainda que invisível a olho nu.

Na época da descoberta, a técnica era limitada pela dificuldade de obtenção de uma boa e intensa fonte de luz monocromática. Mas, em 1960, o físico norte-americano Theodore Maiman apresentou ao mundo o primeiro laser. Nesse mesmo ano, o físico brasileiro Sérgio Pereira Porto chegava aos EUA para trabalhar no Laboratório Bell, um dos maiores centros de pesquisa aplicada do mundo. “Ele cultivava um grande interesse pelo efeito Raman e logo vislumbrou o enorme potencial dos lasers como fonte de excitação. Assim, ele trabalhou na melhoria dos dispositivos e equipamentos usados para medir o efeito. Ao usar os novos lasers passou a obter espectros de amostras sólidas com alta intensidade e qualidade de resolução. Seu laboratório tornou-se referência e líder nessa área”, conta Pimenta.

Com esse feixe de luz mais intenso, ao jogá-lo sobre um material, este absorve a luz e reemite fótons com cores diferente dos que recebeu. Ao jogar um laser, com radiação monocromática, sobre uma pedra, por exemplo, a luz reemitida é analisada por um espectrômetro. Nesse aparelho é medida a intensidade da luz em função da cor que o material emitiu. “Com as cores reemitidas, saberemos de que é composta a pedra, ou outro material, seja ele sólido, líquido ou gasoso”, acrescenta o físico, dizendo que esses espectros são representados na forma de um gráfico. “O quartzo, por exemplo, é identificado com determinadas curvas no gráfico. Há uma espécie de catálogo com o espectro Raman para cada tipo de material”, explica.

Uma das grandes e nobres vantagens da tecnologia Raman é, de acordo com o professor da UFMG, sua possibilidade de identificação rápida dos materiais. “No caso de um quadro, ao usar a técnica sobre ele, é possível saber com que tinta foi feita a pintura e, assim, em que época a obra foi criada.” Neste mês, o Laboratório de Espectroscopia Raman, que Marcos Pimenta coordena na UFMG, completa 20 anos e, segundo ele, a técnica é fundamental para o mundo atual.

“Aqui, trabalhamos com a identificação de nanotubos de carbono. Para construir um dispositivo eletrônico, você tem que saber que espécie de nanotubo será usado”, conta, frisando, no entanto, que o método tem suas limitações. “Ele não consegue identificar ouro, prata e cobre, porque as vibrações dos átomos desses elementos não espalham luz”, observa.
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Uso na arte e telefonia celular
Na Escola de Belas Artes da UFMG a técnica Raman é usada para ajudar na conservação e preservação de bens culturais do patrimônio brasileiro. Segundo o diretor da escola e coordenador do Laboratório de Ciência da Conservação, Luiz Antônio Cruz Souza, o efeito Raman vem sendo usado na área de preservação de peças. “Uma identificação que fizemos, em fevereiro do ano passado, foi nos painéis de Guerra e Paz de Candido Portinari. Com a técnica Raman, descobrimos que o pintor usou nas pinturas o elemento químico titânio.” Segundo a pesquisadora associada ao grupo coordenado por Luiz Antônio Isolda Maria de Castro Mendes, uma outra aplicação do método é a análise de livros antigos. “Ao conhecermos quais os pigmentos que foram usados, temos uma informação a mais para relacionar técnicas e materiais usados pelos artistas da época”, diz Isolda.

O método tem ajudado também a equipe da Belas Artes a produzir provas para os casos de peças históricas roubadas, principalmente as sacras, levadas de igrejas do interior de Minas Gerais. “Colaboramos com o Ministério Público Federal e estadual nas investigações. Se for achada uma peça que se assemelha a outras mineiras, aplicamos a técnica para identificar o tipo de material que têm aquelas e se os materiais são iguais, o que vai significar que foram feitas pelo mesmo artista em determinada época. Daí, o diagnóstico é apresentado ao juiz. Usando essa técnica conseguimos que muitas obras achadas voltassem para o local de sua origem”, comemora Luiz Antônio.

Eletrônico

Em Ouro Preto, de acordo como o professor do Departamento de Química da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) Anderson Dias, a técnica tem sido usada para identificar material cerâmico eletrônico. “Todo equipamento eletrônico tem essa base de material. Um telefone celular, por exemplo, tem dentro dele um dispositivo cuja base é de cerâmica à base de tântalo (elemento químico). Esse elemento tem propriedades que fazem com que o aparelho seja ágil e ainda melhor”, diz. A pesquisa se baseia em procurar a substituição desse material. “O nióbio, por exemplo, que tem em grande quantidade em Minas Gerais, é um deles. A substituição por algo parecido dá valor agregado para o nosso minério, para o qual há grandes reservas no estado”, explica Anderson, dizendo ser indispensável a técnica Raman na pesquisa científica.

No Triângulo Mineiro, na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), os cientistas têm usado a técnica para conhecer se polímeros (moléculas longas constituídas de unidades que se repetem) e oligômeros (são moléculas relativamente grandes, mas que ainda não apresentam a propriedade de polímero) são bons condutores ou não, e também para avaliar suas formas geométricas. Segundo explica a coordenadora do Laboratório de Espectroscopia de Materiais da universidade, a professora Raigna Augusta da Silva Zadra Armond, o método é conceituado como caracterização estrutural de materiais. “Ao conhecermos as propriedades dos polímeros e oligômeros, colaboramos no estudo de dispositivos, como para os celulares. A técnica é poderosíssima, principalmente para a nanotecnologia.”

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Emissão de radiação

O conceito de emissão estimulada de radiação foi proposto por Albert Einstein para descrever a interação da radiação com a matéria. No processo, um átomo excitado (nível de alta energia) pode ser estimulado, na presença de radiação, a emitir um fóton e decair para o estado fundamental (nível de baixa energia). Na maioria das fontes convencionais de luz, como a luz do Sol e das lâmpadas incandescentes, ela se origina dominantemente do processo de emissão espontânea de radiação por átomos excitados. Mas, a partir dos trabalhos de Einstein, foi possível demonstrar que, mediante certas condições impostas aos átomos, era possível tornar dominante o processo de emissão estimulada da luz, que é um ingrediente essencial para o funcionamento de um laser. Nesse caso, o meio formado pelos átomos poderia amplificá-la, isto é, aumentar sua intensidade. A condição imposta aos átomos para essa amplificação chama-se ‘inversão de população’.