Voltarelli coordenava o Laboratório de Imunogenética e a Unidade de Transplante de Medula Óssea do Hospital das Clínicas da FMRP-USP. Era um dos pesquisadores principais do Centro de Terapia Celular, um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP.
O cientista graduou-se em Medicina pela FMRP-USP (1972) e fez residência FMRP-USP (1973-74), mestrado (1975-1978) e doutorado (1978-1981) pela mesma faculdade. Nos Estados Unidos, fez pós-doutorado na Universidade da Califórnia em San Francisco (1985-86), no Fred Hutchinson Cancer Research Center em Seattle (1987-88) e no Scripps Research Institute em San Diego.
Com experiência nas áreas de imunologia clínica, hematologia e hemoterapia, suas principais áreas de pesquisa eram: transplante de células-tronco hematopoiéticas para doenças autoimunes e doenças hematológicas malignas e benignas; diagnóstico e tratamento de doenças reumáticas; seleção de doadores para transplantes de rins e de medulas óssea; terapia celular de doenças inflamatórias e/ou autoimunes com células-tronco mesenquimais.
Entre diversas conquistas científicas, Voltarelli e seu grupo na FMRP-USP demonstraram um tratamento com base em quimioterapia e transplante de células-tronco que dispensa a maior parte dos pacientes de diabetes tipo 1 das injeções de insulina – e os que têm recaídas precisam de doses bem menores do que antes.
A pesquisa, cujos resultados foram publicados em periódicos como o Journal of the American Medical Association, observou que a maioria dos pacientes permaneceu independente da insulina, com bom controle glicêmico. Além disso, aqueles que precisaram voltar a injetar a substância tomam doses bem mais baixas.
“Aumentamos o seguimento e mostramos que, apesar de verificar recaída em um número de pacientes, a produção endógena de insulina aumenta tanto no grupo que recai como naquele que se torna independente das injeções”, disse Voltarelli em 2009.
Outra pesquisa de resultados importantes, que contou com a colaboração de Voltarelli, conseguiu reverter déficits neurológicos em estágios iniciais em pacientes com esclerose múltipla a partir do transplante de células-tronco dos próprios indivíduos. As células foram usadas para “reinicializar” seus sistemas imunológicos. A pesquisa foi publicada na revista The Lancet Neurology.
Coragem e ética
“Voltarelli foi pioneiro ao mostrar a possibilidade do uso de transplantes autólogos (do próprio paciente) de células-tronco como uma forma de se realizar o tratamento de uma doença imunológica que pode ser aperfeiçoado e aplicado em um grande número de situações. Ele teve a iniciativa e coragem de resolver todos os aspectos que são complicados para realizar um teste com humanos”, disse Marco Antônio Zago, pró-reitor de pesquisa da USP e coordenador do Centro de Terapia Celular, à Agência FAPESP.
Amigo de Voltarelli desde os tempos da graduação, com quem militou no movimento estudantil durante o período militar, Zago ressalta a dedicação do pesquisador à universidade.
“Ele era integralmente dedicado à universidade. Tinha extrema dedicação à graduação e pós-graduação e era uma pessoa de elevados padrões éticos, muitas vezes um provocador, que não fugia a discussão de quaisquer assunto político”, destacou.
A geneticista Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano, outro CEPID da FAPESP, também lembra a coragem e o caráter polêmico de Voltarelli, com quem travou algumas discussões científicas nos últimos anos.
“Ele era extremamente positivo, corajoso, e deixa um legado científico muito importante no sentido de abrir as portas para os primeiros ensaios clínicos e tentativas de se usar células-tronco para o tratamento de doenças auto-imunes, como diabetes tipo 1 e a esclerose múltipla”, avaliou.
"Poucos foram tão ousados e corajosos em transformar o conhecimento adquirido na academia em aplicação terapêutica imediata para diversas doenças de cunho imunológico, propiciando grande benefício aos pacientes", disse sobre Voltarelli o chefe do Departamento de Clínica Médica da FMRP, Luiz Ernesto de Almeida Troncon.
Voltarelli foi o editor do livro Transplante de células-tronco hematopoiéticas, o primeiro tratado brasileiro completo sobre o tema. Com quase 1,3 mil páginas, a obra apresenta uma ampla revisão sobre o tema do transplante de células-tronco hematopoéticas – aquelas que têm potencial para formação de sangue – e revela a experiência brasileira na área, descrevendo os transplantes realizados no Brasil para cada doença.