Para que uma pessoa enxergue, as células fotorreceptoras captam a luz e, por meio de uma proteína que fica dentro dessas estruturas, enviam para o cérebro impulsos nervosos que são convertidos em imagens. “Nos pacientes com ACL, falta essa proteína ou ela não funciona corretamente”, observa o oftalmologista Hilton Medeiros, da Clínica de Olhos João Eugênio, de Brasília. Ele explica que quem tem a distrofia basicamente nasceu “programado para ter aquele problema de saúde” e destaca que, embora a maioria dos pacientes não tenha outras doenças associadas, há pessoas com amaurose que apresentam alterações no sistema nervoso central. No caso da amaurose congênita de Leber tipo 8, o problema faz com que a proteína do gene CRB1 não trabalhe de maneira adequada dentro dos fotorreceptores, prejudicando a visão.
Apesar de, normalmente, os primeiros sinais desse problema de saúde aparecerem no início da infância, o oftalmologista retinólogo Sebastião Ferreira Neto, da Oftalmed, ressalta que há casos de crianças com ACL que já nascem cegas e outros indivíduos cujo distúrbio só vai se manifestar na vida adulta. Atualmente, só há tratamento para a amaurose causada pela mutação no gene RPE65 (veja Saiba mais). “A terapia de mudança genética consiste em inserir em um vírus o gene intacto e implantar esse agente invasor na parte de trás da retina”, detalha. “Desse modo, é possível corrigir o gene que tem a mutação e recuperar, mesmo que não seja 100%, a capacidade de o paciente enxergar”, afirma Neto.
Precisão
A grande importância dessa pesquisa é identificar o local exato do causador da desordem genética, já que estudos anteriores comprovaram que a terapia gênica é o meio para tratar distrofias como essa. “À medida que sabemos quais são os genes envolvidos na ACL, fica mais fácil determinar como se deve cuidar de cada caso”, garante o médico da Oftalmed. Medeiros concorda: “Se você está cuidando de uma doença com alvo em um lugar, mas ela acontece em outro, não adianta”. É o mesmo que tomar remédios para dor de cabeça, sendo que a fonte do problema é ter pressão alta: os resultados serão ineficazes.
O pesquisador de Goiás acredita que seus dois pacientes e todas as pessoas que sofrem com o tipo 8 da distrofia terão acesso a tratamentos — que vêm sendo desenvolvidos por laboratórios holandeses — entre 2013 e 2014. “Essa descoberta mostrou que podemos ir mais adiante com os casos de ACL, esclarecendo para nossos pacientes a causa exata de suas doenças e aproximando-os de uma terapia com caráter até mesmo curativo”, ressalta.
Se, como estimado, o tratamento com genes estiver disponível nos próximos dois anos, o oftalmologista da Clínica de Olhos João Eugênio afirma que a iniciativa vai abrir ainda mais o campo de ação para devolver a qualidade de vida para pessoas com distúrbios considerados incapacitantes. “Vamos devolver esses jovens, em idade produtiva, para o mercado de trabalho e para uma vida social melhor”, comemora. Enquanto o tratamento adequado não chega aos consultórios médicos, medidas paliativas ajudam a lidar com o problema. “Um deles é fazer a estimulação visual”, comenta Neto. Gabriel, por sua vez, diz que recomenda a seus pacientes que evitem o excesso de luminosidade, já que a luz faz com que a retina produza metabólitos que não conseguem ser absorvidos por causa da doença. “Assim, eles se acumulam e degeneram a retina. Então, quanto menos luz, menor a quantidade de metabólitos e, portanto, menores são os danos.” Para isso, as pessoas devem usar boné, chapéu e óculos escuros sempre que for possível.
Correção da células
A amaurose congênita de Leber causada por uma mutação no gene RPE65 é o único tipo da distrofia que tem tratamento. Como o Estado de Minas mostrou em 23 de fevereiro, a equipe de médicos liderados pela oftalmologista Jean Bennett, da Universidade da Pensilvânia, corrigiu a alteração genética ao enviar para as células da retina o componente da visão que faltava nelas. Os pesquisadores pegaram o vírus AAAV8 e o modificaram, de modo que ele pudesse transportar o gene completo, sem mutações. Em seguida, o vírus é injetado na retina, por meio de uma cirurgia. Esse vetor, então, insere o gene no núcleo da célula, que vai fazer com que a estrutura produza as proteínas necessárias para o funcionamento adequado da visão.