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Estado de Minas

Óleo de neem salva a lavoura

Substância extraída de árvore de origem asiática é alternativa ao uso de agrotóxicos. No Brasil, pesquisas começaram em 1986 e avançam para obter aproveitamento máximo


postado em 10/03/2012 06:00 / atualizado em 10/03/2012 07:14


Alimentação saudável é meta de quase todas as pessoas, mas a pergunta nunca se cala, em suas diferentes versões: como ter a convicção de que não estamos ingerindo também agrotóxicos junto ao sabor adocicado da maçã? Não haveria pesticidas entre o betacaroteno e o potássio daquela cenoura na prateleira do verdureiro? O que dizer da salada multicor? Feijão, arroz e milho também entram no rol dos potenciais suspeitos. E assim ficamos com essa eterna desconfiança.

Numa análise fria, agrotóxico é aquilo que se chama de mal necessário. Para que as lavouras produzam o máximo possível, sem repartir nada com as pragas, ele entra em cena para combater insetos, fungos e bactérias. Porém, o veneno que o agrotóxico carrega nunca sai inteiramente do alimento produzido e alguma coisa vai, por certo, para dentro do seu estômago, porta de entrada para possíveis enfermidades. Há fatores econômicos e sociais nessa lógica perversa. Com produção de larga escala, a comida tende a ser mais barata e alimentar muito mais bocas.

Para evitar o consumo embutido de agrotóxicos nos vegetais há a alternativa dos alimentos orgânicos, produzidos sem uso de veneno algum. Mas eles são mais caros, nem sempre estão disponíveis e, em alguns casos, não se pode ter total certeza de que são realmente orgânicos. A solução seria, então, um produto natural para combater as pragas, sem uso de veneno químico. Nessa seara, o extrato retirado da árvore neem, ou nim (Azadirachta indica), surge como uma boa solução e é considerado uma fonte promissora para a produção de inseticidas orgânicos.

Na agricultura, o óleo extraído do miolo das sementes dessa árvore, originária do Sudeste da Ásia, da família Meliaceae, é aplicado para o controle de pragas, agindo sobre cerca de 400 espécies de insetos, como informa a pós-doutora em química orgânica Maria Fátima das Graças Fernandes da Silva, professora do Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no interior paulista. Ela coordena o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) – Controle Biorracional de Insetos, que tem por objetivo estudar compostos não tóxicos ao ser humano e que possam controlar doenças e o comportamento de pestes na agricultura.

Maria Fátima levanta uma questão interessante ao demonstrar que, diferentemente do que muitos pensam, na lavoura inseto bom não é inseto morto. Ou pelo menos não todos mortos. Questionada se o extrato da neem seria um substituto definitivo para os agrotóxicos, ela desmonstra que, no caso das pragas, os insetos não são somente vilões. Segunda a professora, “o mecanismo ideal para se combater uma praga é controlar sua população no local da plantação de interesse.

Diminuir a população dos insetos em uma plantação é ambientalmente mais interessante do que sua eliminação completa, pois esses podem ser o vetor de uma doença para uma determinada planta e ao mesmo tempo o polinizador de outra”, esclarece. A pesquisadora afirma que a eliminação total significaria perdas ambientais maiores na região em que o inseto não é uma praga, mas um polinizador. Maria Fátima acredita que conscientizar o agricultor sobre o controle da biodiversidade requer ainda muito tempo, pois em geral isso diminui seu lucro imediato.

“Embora ambientalmente mais saudável, o controle biorracional de pragas enfrenta um grande obstáculo para sua aplicação, que é a resistência dos produtores rurais. Essa é a maior barreira, não apenas no Brasil, mas em vários países. Muitos produtores consideram mais fácil a aplicação de inseticidas e a eliminação completa do inseto causador do problema, ainda que ele seja importante para outras culturas”, explica Maria Fátima.

Plantação no brasil

 No Brasil, as primeiras introduções da árvore neem – feitas de forma oficial – foram pela Fundação Instituto Agronômico do Paraná,
em 1986, com sementes procedentes das Filipinas e, em 1989, com sementes da Índia, Nicarágua e República Dominicana. Na década seguinte, suas propriedades se tornaram mais conhecidas, dando início a plantios comerciais em diversos estados. Além do inseticida orgânico, a árvore fornece matéria-prima para fabricação de
xampu anticaspa e seborreia, desodorante, pasta dental e cremes. Especialistas apontam que sua extração no Brasil ainda precisa de ajustes. O óleo extraído por aqui, por exemplo, tem seu princípio ativo (a azadiractina) degradado quando exposto ao sol.
Mas o projeto de pesquisa conduzido na Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar) conseguiu otimizar o processo de extração e, por meio da nanoencapsulação do óleo, preservar as propriedades inseticidas do neem.

Três perguntas para...
Maria Fátima das Graças Fernandes
pós-doutora em química orgânica e professora da ufscar

O extrato do neem é a melhor alternativa natural conhecida para combate às pragas da lavoura? Quais são essas pragas?
O grande interesse atual nas pesquisas envolvendo o neem, principalmente no mundo ocidental, são suas propriedades inseticidas. Cerca de 400 espécies de insetos foram relatadas como sensíveis a algum tipo de ação do neem. Diversos foram os efeitos encontrados, sendo muitos desses resultados obtidos no Brasil. Muitos bioinseticidas preparados com o neem podem ser encontrados no mercado. No Brasil, embora diversas empresas estejam produzindo o óleo, elas ainda não conseguiram registros como produtos agrícolas, sendo comercializados como óleo vegetal. Os bioinseticidas apresentam vantagens no uso por ser menos poluentes e menos tóxicos ao homem, com baixo poder residual, de baixo custo e com possibilidades de serem produzidos localmente. Os produtos são praticamente inócuos ao ambiente e ao homem, são totalmente biodegradáveis e com baixa persistência no ambiente. Além da ação contra insetos, o neem tem efeitos sobre outros organismos, incluindo nematoides, fungos, vírus, protozoários etc.
 
Como andam as pesquisas no Brasil?
A aplicação de inseticidas comuns pode resolver a incidência de doenças em uma determinada plantação, mas traz uma série de outros efeitos indesejáveis ao meio ambiente. Eliminar o inseto transmissor pode afetar a reprodução de outras espécies vegetais que dependem daquele inseto para a polinização. Além disso, resquícios dos inseticidas empregados não são biodegradados, permanecem na planta e podem contaminar a alimentação humana, solo e rios. No Brasil, oito unidades de pesquisa de cinco estados se uniram para formar o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Controle Biorracional de Insetos Pragas, com a proposta de desenvolver soluções para problemas que atingem a agricultura brasileira.
 
Existem outros extratos (de plantas) que podem ter o mesmo papel no combate às pragas?
Um segundo grupo de extratos de plantas usados como inseticidas são espécies de Derris e Lanchocarpus(Leguminosae/Fabaceae), ricas em rotenoides, que apresentam atividade inseticida frente a um número grande de insetos. Contudo, trabalhamos principalmente com as Meliaceae. Os resultados de ensaios com várias substâncias e extratos de plantas da família Meliaceae, realizados pelo nosso grupo e citados na literatura, mostraram que as perspectivas para a obtenção de candidatos a inseticidas são muito boas, visto que algumas tiveram comportamento semelhante a alguns inseticidas empregados e disponíveis no mercado. Porém, com a vantagem de que estudos realizados por nós mostraram que a classe de compostos com potencial inseticida presente na Meliaceae, limonoide, é em geral biodegradável e quase sem efeito tóxico sobre os mamíferos.


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