A doença não deixa marcas aparentes, é impossível de ser diagnosticada por exames de imagem e, confundidos com uma tristeza normal, os sintomas podem passar despercebidos. Mesmo assim, a depressão é a quarta principal causa de incapacitação em todo o mundo, e de acordo com projeções da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2030 ela será o mal mais prevalente do planeta, à frente do câncer e de algumas doenças infecciosas. Hoje, segundo um estudo epidemiológico publicado na revista especializada BMC Medicine, 121 milhões de pessoas estão deprimidas. Para se ter uma ideia, é um número quase quatro vezes maior do que o de portadores de HIV/Aids (33 milhões).
“O episódio depressivo maior é uma preocupação significativa para a saúde pública em todas as regiões do mundo. Esse é um distúrbio sério e recorrente, ligado a morbidades médicas, à mortalidade e à diminuição da qualidade de vida”, alertam, no estudo, os autores, todos eles colaboradores das pesquisas mundiais da OMS. “A organização projeta que em 2020 a depressão será a segunda maior causa de incapacitação no mundo.”
Mortalidade
De acordo com a psiquiatra Susan Abram, da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, estudos epidemiológicos são importantes porque trazem o assunto à tona e estimulam o debate sobre a doença. “É preciso educar melhor as pessoas a respeito da depressão e de outros distúrbios de humor. Depressão não é tristeza, é uma doença desafiadora, com taxas de mortalidade maiores que 30%”, diz. A professora adjunta do Departamento de Medicina Social da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Maria Carmen Viana denuncia que “existe uma desassistência à saúde mental dentro da saúde pública”, e acredita que a divulgação de dados como esses deve servir de alerta a um país. Ao lado de Laura Helena Andrade, da USP, Maria Carmen, que é psiquiatra, também representa o Brasil no grupo de pesquisas de saúde mental da OMS.
A servidora pública Bety*, de 46 anos, sofreu com a falta de esclarecimento sobre um mal que a atormenta desde os 14. Na adolescência, ela chegou a ficar internada, mas só aos 28 foi diagnosticada corretamente e, de fato, tratada. “Antes disso, eu fazia terapia e não descobria o porquê de me sentir sempre daquela forma”, conta Bety, que toma medicamentos para dormir, um para ansiedade e outro específico para depressão. “Quando fico em crise, sinto que estou em um palco com as cortinas fechadas. O dia pode estar lindo, mas eu não consigo ver beleza em nada”, descreve.
Já o especialista em informática Fábio*, de 32, não enfrenta problemas sérios com a depressão desde 2005, quando aliou o uso de medicamentos prescritos à psicoterapia. “Sou outra pessoa. Tomo remédios e não sinto mais aquela dor perturbadora causada pelo cansaço”, conta. Desde criança, Fábio chorava aparentemente sem motivos, se isolava e parecia muito triste, comparado a outras crianças. “Passei dois anos fazendo um tratamento que não mudou em nada o quadro da minha depressão”, recorda. Sentido-se profundamente cansado e com crises nervosas que considera acima do normal, ele procurou pela terapia e, enfim, melhorou.
Diferenças
O estudo epidemiológico, realizado sobre dados de 89 mil indivíduos ajustados à população global, encontrou diferenças na incidência da depressão entre os países desenvolvidos e aqueles pobres ou em desenvolvimento. Também houve variações dependendo do status social, do nível de escolaridade e do estado civil. Mas, para os autores, é preciso investigar melhor a relação dos fatores sociodemográficos e a prevalência do distúrbio psiquiátrico, pois, mesmo dentro de um determinado grupo – países ricos ou pessoas separadas, por exemplo –, o padrão variou bastante.
Os autores descobriram que o nível social afeta a incidência da depressão de formas diferentes. Nos países desenvolvidos, os mais pobres apresentavam um risco aproximadamente duas vezes maior de ter a doença. Já nos países em desenvolvimento não houve diferenças significativas. “As descobertas nos países asiáticos foram mais complexas”, diz o artigo. Na Índia, aqueles com poucos anos de estudo tinham 14 vezes mais chances de ter depressão. No Japão e na China, porém, um padrão inverso foi encontrado: quanto mais anos de educação formal, mais deprimidas eram as pessoas. O mesmo ocorreu em relação ao estado civil. Enquanto na maioria dos países o fato de estar separado ou divorciado aumentava o risco da depressão, em outros não fazia qualquer diferença.
De acordo com a professora da Ufes Maria Carmen Viana, as metodologias que investigam a prevalência da depressão foram criadas tendo o Ocidente como referência. Ela explica que em países asiáticos e africanos os indivíduos podem ter representações sintomáticas diferentes, o que explicaria a baixa prevalência, nesses locais, de episódios depressivos.
O Brasil, embora considerado em desenvolvimento, apresentou índices semelhantes aos do Primeiro Mundo. Maria Carmen afirma que não é possível dizer com certeza os motivos de a prevalência ter sido mais próxima à dos Estados Unidos do que à da Colômbia, por exemplo. Ela lembra, contudo, que a amostra anexada à compilação da OMS representa a população da Região Metropolitana de São Paulo, e não do país inteiro. “Tínhamos um projeto para investigar o Brasil todo, mas não conseguimos financiamento”, lamenta. “São Paulo tem um perfil diferente, com uma população grande de migrantes, índices maiores de violência e não tem praticamente regiões rurais”, afirma a psiquiatra.
Para Maria Carmen, o fato de o estado ser o mais rico do país, com características semelhantes às de nações desenvolvidas, como melhor nível educacional e forte carga de estresse, não faz de São Paulo uma unidade da federação mais parecida com nações desenvolvidas do que com o restante do Brasil. “Lá também há muitos bolsões de pobreza”, diz. Para esmiuçar os dados, seriam necessárias pesquisas mais complexas, mas a falta de financiamento no país pode deixar a questão sem resposta.
* Nomes fictícios a pedido dos entrevistados