Jornal Estado de Minas

Padrão de envelhecimento de primatas pode 'estender' vida humana

Paloma Oliveto
Nas últimas décadas, o homem tem vivido mais. Embora fatores, como melhoria das condições sanitárias e avanços na medicina, contribuam para isso, ainda não se conhece, completamente, o segredo da longevidade. A resposta pode estar no meio da selva, onde vivem os primos mais próximos do Homo sapiens. Um estudo publicado na edição de hoje da revista Science mostra que gorilas, chimpanzés e outros primatas envelhecem seguindo o mesmo padrão dos humanos, o que poderá, de acordo com os autores, ajudar a compreender melhor o processo de envelhecimento.
Diferentemente da maioria dos mamíferos, o homem não morre logo depois de atingir a meia- idade, podendo ultrapassar um centenário de vida. Embora os outros primatas não cheguem tão longe, a semelhança com os humanos é enorme. Ao comparar o padrão de envelhecimento de sete espécies de primatas — incluindo os muriquis brasileiros — ao dos humanos, a equipe de pesquisadores mostrou que, assim como ocorre com o Homo sapiens, há nas espécies uma taxa alta de mortalidade infantil, seguida por um período de estabilidade. Da meia-idade até os últimos anos de vida, os primatas começam a morrer por motivos relacionados ao envelhecimento.

A antropóloga Karen Strier, pesquisadora da Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, e uma das autoras do artigo, diz ser natural que, na maioria das espécies animais, a probabilidade de morrer aumente com a idade. O que os cientistas fizeram foi investigar se, nos demais primatas, a taxa de mortalidade vinculada ao envelhecimento é semelhante à do homem. "Pensava-se que o Homo sapiens era único no sentido de ter muitos anos de vida depois de atingir a idade adulta. Mas, com base nos dados comparativos de longo prazo, descobrimos que esse padrão não é tão exclusivo. Todas as espécies investigadas manifestaram o mesmo padrão, sendo que a taxa de mortalidade vinculada à idade é parecida entre os homens e os outros primatas”, afirma Karen em entrevista ao Estado de Minas.

Agressividade

No estudo, os cientistas preocuparam-se em trabalhar com uma diversidade de espécies. Além dos muriquis brasileiros, foram analisados os capuchinhos-da-cara-branca da Costa Rica, babuínos e macacos-dourados do Quênia, chimpanzés da Tanzânia, gorilas de Ruanda e sifakas lemurs de Madagascar. A equipe comparou o risco de mortalidade associado ao envelhecimento do homem às taxas de 3 mil exemplares das sete espécies. Os dados dos humanos basearam-se em estatísticas do Departamento de Saúde Pública dos Estados Unidos.

Chamou a atenção o fato de que, em quase todas as espécies, os machos tendem a viver menos do que as fêmeas. Esta diferença na expectativa de vida só não ocorre com os muriquis brasileiros. Nos animais da espécie, a agressividade entre os machos é menor, diminuindo os riscos de morte. “Fiquei muito feliz — mas não surpresa — quando os muriquis acabaram sendo distintos em comparação aos outros primatas, por ser a única espécie com taxa de envelhecimento parecido entre machos e fêmeas”, conta Karen, que estuda os muriquis desde 1982. “Essa descoberta foi consistente com as observações do comportamento, que mostram que os machos não são agressivos entre si. A sociedade pacífica do muriqui-do-norte seria um exemplo ótimo para o homem seguir”, acredita.

Já entre os sifakas de Madagascar ocorre um fenômeno que os cientistas ainda não sabem explicar. Embora machos e fêmeas apresentem índice de massa corporal semelhantes, assim como as taxas de mortalidade, os machos envelhecem duas vezes mais rápido do que as mulheres. Uma pista está no comportamento do animal, que, ao contrário dos muriquis brasileiros, é bastante agressivo, incluindo a prática de infanticídio. As fêmeas são mais dóceis e permanecem com seus familiares durante quase toda a parte da vida. As principais causas de mortalidade entre elas é a predação e a queda de árvores.

Para os pesquisadores, o estudo poderá ajudar a compreender melhor o processo de envelhecimento humano. “A medicina moderna está ajudando os homens a viver mais do que nunca", observaram os autores, no artigo. "Ainda não sabemos o que governa o potencial máximo da longevidade. Alguns estudos com humanos sugerem que podemos viver muito mais do que atualmente. Investigar os demais primatas pode nos ajudar a responder a essa questão”, acredita uma das coautoras, Susan Alberts, da Duke Unversity, onde atua como professora de biologia.

Entrevista/Karen Strier

Pode-se concluir que o fato de os homens viverem mais que os outros primatas está relacionado mais às condições ambientais que genéticas?

Nós não investigamos por que os homens vivem mais anos do que os outros primatas. Em comparação à maioria dos outros mamíferos, os primatas em geral têm a tendência de viver mais anos, o que pode ser influenciado por vários fatores, como ambientais, nutricionais e genéticos. Mas, seguindo o objetivo de nosso estudo, podemos concluir que o padrão de mortalidade por envelhecimento entre homens e primatas parece similar.

A senhora pode contar como foi a pesquisa com os macacos do Brasil?


O projeto do muriqui-do-Norte já tem muitos anos de história no Brasil. Fui ao país para fazer minha pesquisa de doutorado na Universidade de Harvard com os muriquis de Caratinga (MG), em 1983. Fui à Fazenda Montes Claros, com ajuda de Célio Valle, que na época era da Universidade Federal de Minas Gerais, e de Russell Mittermeier, presidente do Conservation Internacional. Fui tão bem recebida pelo fazendeiro, senhor Feliciano Miguel Abdala, que me apaixonei pelos muriquis de imediato. Depois do doutorado, resolvi tentar manter o projeto, fazendo a pesquisa desde o início em colaboração com os colegas brasileiros. Ao longo dos anos, a mata foi transformada em uma Reserva Particular do Patrimônio Natural, administrada pela ONG Sociedade para a Preservação do Muriqui (SPM). Em 2007, a SPM publicou meu livro, Faces na floresta, e, no ano passado, o doutor Sérgio Lucena Mendes, da Universidade Federal do Espírito Santo, publicou o livro O muriqui. Hoje em dia, o Brasil tem muitos biólogos fazendo muitos trabalhos importantes.

Que implicações a pesquisa tem para nosso entendimento sobre o envelhecimento dos humanos?


São várias implicações, incluindo que o melhor entendimento sobre o padrão de envelhecimento é uma etapa importante para os estudos sobre os fatores que influenciam nossa longevidade. Mas, talvez, uma das implicações mais importantes é que muita gente esquece que, mesmo sendo diferentes, os homens continuam sendo primatas. Reconhecendo isso, justifica-se até a maior conservação de outros primatas, que poderiam nos ajudar a nos entender melhor.