A edição 2022 do Campeonato Mundial de Atletismo, disputado em Eugene, no estado do Oregon, nos EUA, há uma semana, pode ser considerada um divisor de águas nesse esporte, muito especialmente para o Brasil – 19º colocado no quadro de medalhas, com uma de ouro, conquistada por Alison dos Santos, nos 400m com barreiras; e uma de bronze, com Letícia Oro Melo, no salto em distância.
E esse novo ranking mostra o Brasil com a melhor participação na história da competição, criada em 1983. Ficou em 13º lugar, com 34 pontos.
Dois nomes importantes para essa estatística são esperança de bons resultados para o Brasil daqui pra frente. A grande meta são os Jogos Olímpicos de Paris, em 2024, e a maior aposta do atletismo brasileiro é Alison dos Santos, que até já voltou aos treinos, com o técnico Felipe Siqueira, em São Paulo.
Focado nos resultados, ele diz que o Mundial já é passado, embora ainda viva a emoção da medalha de ouro. Tem planos definidos até dezembro, com a mira voltada para a Olimpíada: “Já está quase na hora de retornar à Europa. Meu objetivo, agora, é disputar pelo menos três das quatro etapas que restam da Diamond League. Quero terminar em primeiro lugar nos 400m com barreiras da competição, que é muito importante”.
Restam apenas cinco etapas da Diamond League, em Silésia (Polônia), Mônaco, Lausanne (Suíça), Bruxelas (Bélgica) e Zurique (Suíça). Dessas, ele não disputará a primeira, que não inclui sua prova. “Vou definir, ainda, se estarei nas outras quatro ou em três.”
Nono do ranking mundial nos 110m com barreiras, o mineiro Rafael Henrique Campos Pereira também tem como planos o retorno à Europa e a disputa do restante da Diamond League.
“Dei azar na semifinal do Mundial. Esbarrei o pé no primeiro obstáculo. Ali, fiquei pra trás”, lamenta o atleta, que vislumbra uma vaga nos Jogos de Paris: “Vou usar essas provas restantes da Diamond League, mais um torneio que disputarei na Alemanha, e ainda os dois Mundiais de 2023, indoor e outdoor, para conseguir índice para estar na França em 2024”.
Superação de Leticia Oro Melo
Já Letícia foi a grande surpresa brasileira em Eugene. A saltadora, que precisou de apenas dois saltos para conquistar o bronze, com 6,89m, é catarinense de Joinville, onde mora.
Ela tem 24 anos, e por incrível que pareça, não treina em uma pista, mas sim na terra. De acordo com a diretoria de seu clube, a Associação Corville de Atletismo, não há recursos para comprar o equipamento adequado – ou seja, a pista especial para corridas e saltos.
O Mundial foi a segunda competição do ano para Letícia. Sete meses atrás, ela passou por cirurgia, por causa de um rompimento no ligamento do joelho esquerdo.
Sua participação no Mundial foi surpreendente. Ela passou para a final do salto em distância com 6,67m, marca obtida na terceira e última tentativa, então seu recorde pessoal. Ficou com a última vaga para a final com essa marca.
“Meu objetivo, agora, é treinar para saltar 7 metros”, diz Letícia, garantindo não sentir pressão: “Esse é meu jeito, concentrada. Não tenho medo de ninguém. Quero alcançar minha nova meta, 7 metros, e para isso, vou continuar treinando e sei que tenho condições”.
Sobre a marca alcançada em Eugene, a atleta conta que ao ver 6,89m quase desmaiou. “Sempre que vou competir, seja no estadual ou no Mundial, eu penso em medalha”, comentou a catarinense.
Ex-atletas cobram mais apoio ao esporte
O resultado obtido pelo Brasil no Mundial de Eugene deixa ex-atletas otimistas, como Fabiana Murer, que fez bela carreira no salto com vara (dona de uma medalha de ouro e uma de prata em Mundiais, um ouro e um bronze em Mundial indoor, além de um ouro e duas pratas nos Jogos Pan-Americanos), e o mineiro Ronaldo da Costa, ex-recordista mundial da Maratona, em Berlim’1998.
Ambos apontam Thiago Braz, Alison dos Santos, Darlan Romani e Daniel Nascimento como nomes certos na briga por pódio em Paris’2024, mas também criticam a forma como o esporte é tratado no país.
Ambos apontam Thiago Braz, Alison dos Santos, Darlan Romani e Daniel Nascimento como nomes certos na briga por pódio em Paris’2024, mas também criticam a forma como o esporte é tratado no país.
Fabiana diz que falta aporte financeiro para que o Brasil possa colher mais frutos em Paris’2024. “Depois da Olimpíada Rio’2016, clubes de atletismo acabaram, cortaram salários e ainda veio a pandemia de COVID-19. Agora, a CBAt e o COB vêm fazendo um trabalho conjunto para tentar recuperar o tempo perdido. Um atleta precisa de muitos detalhes para se preparar para as competições, como participar de campings de treinamento, que só ocorrem no exterior”, destaca.
Sem clube e sem salário, o atleta não tem tranquilidade para se preparar, ressalta. “O Thiago Braz foi ouro na Rio’2016, era atleta do Pinheiros, e sofreu um corte salarial. E ele não tinha patrocínio”, relembra Murer, apontando que, hoje, CBAt e COB bancam as viagens dos principais atletas.
Ela diz ainda que existem muitos talentos no Brasil, mas que acabam sendo perdidos por falta de visão dos políticos e governantes. “Se tivessem uma visão diferente na escola, detectar o talento e fazer preparação adequada, nossa situação seria outra”, afirma, enfatizando ser essencial construir pistas de atletismo, pelo menos, nas principais cidades de cada estado.
Projetos sociais para descobrir talentos
Ronaldo da Costa também destaca a importância do esporte nas escolas. “O Brasil pode ir muito mais longe no atletismo se houver projetos escolares esportivos. Sem isso, não vamos muito adiante.”
Para ele, a CBAt está no caminho certo, tentando a detecção de atletas a partir de projetos sociais. “Saí de Descoberto para bater o recorde mundial. Isso pode acontecer com outro, no entanto, é preciso que se dê oportunidade, o que não vemos hoje. Tem de mostrar o esporte para a criança”, comenta Ronaldo, professor de atletismo de um projeto social no Centro de Treinamento Olímpico, em Brasília.
Bom desempenho do Brasil
Além dos dois medalhistas, o Brasil apareceu oito vezes entre os oito melhores em Eugene: Thiago Braz (quarto no salto com vara), Darlan Romani (quinto no arremesso de peso), Caio Bonfim (sexto na marcha atlética de 20km e sétimo nos 35km), Almir Júnior (sétimo no salto triplo), Viviane Lyra (oitavo na marcha atlética de 35km), Daniel Nascimento (oitavo na maratona) e no revezamento 4x100m (sétimo).
A equipe ainda bateu um recorde sul-americano, de Vitória Rosa nos 200m, e duas marcas brasileiras, com Viviane Lyra e Caio Bonfim, ambos nos 35km da marcha atlética. Resultado bem diferente de há três anos, em Doha, quando voltou sem medalha e com poucas finais. Presente em todas as edições do Mundial, o Brasil soma 15 medalhas na competição: duas de ouro, seis de prata e sete de bronze.
Com 57 atletas (23 mulheres e 34 homens), o Brasil esteve em 10 finais. Anteriormente, a melhor campanha havia sido no Mundial de Sevilha’1999, com 26 pontos e três medalhas – prata com Claudinei Quirino nos 200m, e com Sanderlei Parrela, nos 400m, além do bronze com o 4x100m formado por Raphael de Oliveira, Claudinei Quirino, Edson Luciano Ribeiro e André Domingos.
Para o presidente da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt), Wlamir Motta Campos, é preciso enaltecer os medalhistas e os finalistas: “O Thiago Braz foi muito bem, havia expectativa de medalha, mas o quarto lugar deve ser celebrado. O Caio Bonfim mais uma vez mostrou toda a força mental ao bater um recorde em 8 minutos. Alison dos Santos se fez gigante. A melhor palavra que define a Letícia Oro é resiliência. Aproveitou a oportunidade de ir ao Mundial por ser campeã de área, fez um trabalho fantástico, pois foi a última a entrar na eliminatória para ganhar o bronze”.
Falta de política esportiva
Um dos treinadores da Seleção, Felipe Siqueira é técnico do Pinheiros e de Alison dos Santos. Ele indica que a base para Paris’2024 são os Mundiais: o de Eugene e dois, indoor e outdoor, em 2023. Aposta que poderão surgir talentos, mas aponta um problema para que o Brasil siga forte no atletismo.
“Não temos política para o esporte. É preciso permitir que se detecte o atleta e evitar que não se consiga, por falta dessa política, que esse talento seja desenvolvido.”
“Não temos política para o esporte. É preciso permitir que se detecte o atleta e evitar que não se consiga, por falta dessa política, que esse talento seja desenvolvido.”
Mauro Roberto, técnico da equipe mineira Clã Delfos e descobridor de Raphael Henrique Campos Pereira, vê um momento difícil para o atletismo, especialmente em Minas Gerais: “Não temos competições. Estão terminando os Jogos de Minas, em Uberaba, com uma situação muito triste. Os destaques são de Lagoa da Prata, Japaraíba e Oratórios, onde não há pistas. Treinam na terra, orientados por abnegados”.