Jornal Estado de Minas

NUTRIÇÃO

Aversão alimentar geralmente começa na infância



A aversão alimentar é caracterizada pela repulsa a determinadas comidas ou bebidas. Esse hábito, segundo especialistas, começa a ser introduzido ainda na infância, quando o desenvolvimento nutricional começa a aflorar. Nos primeiros anos de vida, o cardápio de sabores é pouco variável e facilmente descartado. Com isso, a prática acaba sendo primordial para que o pouco interesse ou a dificuldade em experimentar novos alimentos evolua até a fase adulta, provocando déficits nutricionais e a improbabilidade de reversão do caso.




 
De acordo com a nutricionista Thais Cristine Freire da Silva, vários fatores são determinantes para o surgimento da aversão alimentar. Aspectos sociais, psicológicos e ambientais são os principais citados por ela. Além disso, há o desenvolvimento do quadro clínico por meio de outras causas, como medo, traumas psíquicos, razões emocionais e características sensoriais. "É importante estar atento aos hábitos desenvolvidos desde a infância, pois as maiores aversões são acarretadas por situações estabelecidas enquanto criança", explica.
 
Ter dificuldade para inserir algum alimento nas refeições diárias, no entanto, não é caracterizado como doença. A especialista ressalta que tais rejeições podem ser comuns. Apesar disso, possíveis complicações podem surgir. Déficit de vitaminas e excessos de outros componentes prejudiciais, deficiência de micronutrientes estão entre os problemas mencionados por Thaís. Alterações mais graves, como anemia, esteatose hepática, diabetes e taxa de triglicérides alta, também podem acometer o indivíduo, bem como problemas cognitivos, que envolvem a memória e a falta de concentração.

Atenção na infância

Uma vez que a aversão alimentar surge nas fases iniciais da vida, os pais precisam ficar atentos ao comportamento dos filhos em relação à rotina alimentar introduzida. A nutricionista orienta que os responsáveis não pressionem de forma exagerada ou imponham que a criança coma algo que não goste. Entretanto, é necessário ofertar o prato várias vezes antes que haja a confirmação de que ela, realmente, não tenha apreço pela comida.




 
"É importante oferecer o alimento de 10 a 15 vezes para se certificar se ela gosta ou não. É normal não gostar de um ou outro. Tudo se inicia na introdução alimentar da criança e se expande para hábitos na vida adulta", detalha. A especialista também dá algumas dicas de como essa abordagem pode ser feita, a fim de deixar as refeições cada vez mais sólidas:

Deixe que a criança primeiro, tolere; segundo, cheire; terceiro, interaja com o alimento; quarto, leve até a boca (lambendo ou mordendo); quinto, experimente; e, por fim, coma. No entanto, é imprescindível que os pais também consumam pratos saudáveis, preparando-os em casa, com eles sempre presentes nos almoços e jantares. Assim, a criança crescerá familiarizada e habituada com os alimentos.

Paladar

Um desses casos é representado por Jéssica Araújo, de 23 anos, que, desde criança sofre para comer legumes e verduras. Apesar das tentativas da mãe para incluir os alimentos nas refeições da filha, a gestora administrativa diz que a textura da comida e o próprio gosto nunca agradaram, chegando a dar ânsia, em algumas situações. "Minha mãe sempre tentava fazer salada colorida e diversificada, mas eu só comia alface e tomate. Eu colocava azeite ou sal em cima, mas também não dava", relembra a jovem.

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Atualmente, Jéssica está grávida, o que, segundo ela, piorou ainda mais o quadro, já que alguns alimentos não costumam ser agradáveis nesta fase. Com isso, o obstáculo para reverter o cenário se torna ainda mais difícil. No entanto, ela destaca que deve procurar um profissional da área para passar por avaliações e garantir que não terá problemas pela ausência de legumes e verduras na dieta. Em outras épocas, a moradora do Valparaíso afirma que sofreu com a falta de ferro e precisou repor os nutrientes com medicamentos.




 
Mesmo com as adversidades, caso não haja complicações clínicas, ela assegura que não tentará comer os alimentos que não aprecia. "Já aceitei que alguns alimentos eu não gosto mesmo. Se tiver como substituir por outro para seguir com os parâmetros nutricionais, eu vou tentar desse jeito. Mas os alimentos que eu não costumo comer porque não consigo, não tenho vontade de tentar, só se for algo que esteja me prejudicando bastante, até por conta da gravidez também estou tomando cuidado", reitera Jéssica.
 
Fator psicológico

Além dos ambientes familiares, fatores psicológicos estão entre as principais causas da aversão alimentar. Pensando nessa perspectiva, a psicóloga fenomenológica Ana Paula Irias analisa que o alimento pode se tornar um regulador de emoções, no qual são criadas conexões e memórias afetivas a partir do que é ingerido, provocando complicações, como a compulsão alimentar.

Um exemplo citado pela especialista — e que está atrelado à infância — é quando a mãe, em determinado contexto, oprime o filho por não conseguir comer ou passar por uma experiência degustativa ruim. Esse cenário, por si só, pode construir uma narrativa negativa na vida do indivíduo. "Quando o alimento está associado a alguma memória de dor, angústia ou ansiedade, ele tende a se tornar repulsivo, pois inconscientemente projeto nele todas essas emoções negativas e, ao comê-lo, revivo a dor", avalia a profissional.




 
Tal panorama, segundo ela, pode provocar transtornos alimentares. Mas isso apenas se a repulsa for causada pelo ato de comer, e não somente pela refeição. De acordo com ela, as patologias aparecem diante de vários embasamentos, como social, cultural e familiar. Para reverter o quadro, Ana Paula recomenda a busca de profissionais adequados, para que as vivências sejam compreendidas e as informações sobre os alimentos sejam absorvidas. "A melhor forma de entender seus sentimentos e sua relação com a comida é em tratamento psicológico, exercitar o autoconhecimento e aprender a dissociar o alimento de suas emoções", alerta.

Vida adulta

Ao longo dos anos, o processo para reverter a aversão alimentar torna-se mais difícil. Na fase adulta, segundo o nutricionista Bruno Redondo, o progresso depende apenas do paciente e da sua força de vontade. Com o paladar mais fixo e o gosto por determinados alimentos mais seguros, o indivíduo precisa de interesse e disposição para provar pratos que recusou ainda quando criança.

Para que isto aconteça, o especialista argumenta que é importante buscar novas receitas e maneiras de preparar novas comidas. "Por exemplo, fazer legumes de uma forma diferente: assado, cru, refogado, grelhado. Procurar formas agradáveis e, obviamente, saudáveis", explica. A partir das novas tentativas, caso algum alimento agrade, adaptá-lo na rotina alimentar pode trazer benefícios que não foram experimentados anteriormente.

*Estagiário sob a supervisão de Sibele Negromonte