Jornal Estado de Minas

FUTEBOL

Copa do Mundo: como lidar com o turbilhão de emoções e a pressão pelo hexa


Se para quem está do lado de fora já é difícil, imagine para os competidores da Copa do Mundo. O Mundial começa neste domingo (20/11), no Catar, e traz consigo, além de toda euforia, também tensão, medo, angústia, tristeza e alegria, um misto de sentimentos que tomam conta dos atletas. Tudo isso precisa ser administrado durante um torneio dessas proporções, em que nenhum erro é perdoado.



E especialmente no Brasil, em que os 26 jogadores da seleção lidam com a pressão de milhões de pessoas para trazer ao país o hexacampeonato. Principalmente na atualidade, em que muitos atletas são encarados como celebridades das redes sociais - o que abre espaço para qualquer um bombardeá-los de comentários e mensagens, positivas ou negativas.

Dessa forma, o fato de também serem seguidos por milhões de pessoas amplifica a pressão, pois as interações aproximam o torcedor do ídolo e alguns extrapolam os limites, com ameaças e insultos que atrapalham os atletas menos preparados pelo aspecto psicológico.

A psicoterapeuta e psicanalista Beatriz Breves ensina como agir diante desse turbilhão de emoções, tanto para os atletas como para os torcedores. Beatriz é fundadora e membro efetivo da Sociedade Ciência do Sentir, com sede no Rio de Janeiro, estudiosa dos sentimentos há mais de três décadas. Com oito livros publicados, Breves já catalogou mais de 500 sentimentos.



"Importante compreender que os sentimentos experimentados durante a Copa do Mundo, por maior que seja a paixão do brasileiro pelo futebol, não é causa, mas consequência de como a pessoa vem se mantendo, se em harmonia ou não, no que diz respeito aos seus sentimentos, ao seu corpo e a sua vida social. Afinal, o ser humano é um complexo bio/psico/social", ensina.

A profissional lembra que aquele que consegue manter um equilíbrio dinâmico em sua complexidade de ser, tenderá a encarar a competição como uma atividade lúdica, ou seja, um momento agradável e divertido de ser vivenciado, no sentido de torcer, criar expectativa, encontrar com amigos, por exemplo. Mas aquele que não consegue, por outro lado, continua, acaba projetando as suas frustrações na competição e de alguma forma poderá experimentar como um fracasso pessoal uma possível derrota do Brasil no jogo.

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"O indivíduo deve manter uma atenção permanente no sentido de não dispersar o seu olhar no que diz respeito a si mesmo, buscando, dessa forma, a harmonia necessária para uma vida saudável e mais feliz, e isso vale para todas as ocasiões, não somente para a Copa do Mundo", diz Beatriz.



Para administrar a ansiedade em momentos de tensão pré-jogo e transformar um sentimento negativo em positivo, a psicoterapeuta pontua a importância de compreender que (e isso é comprovado em seus estudos), um sentimento não é considerado negativo ou positivo, mas, sim, pode causar prazer ou desprazer ao se sentir. E um sentimento nunca se apresenta sozinho, ela reforça.

"A exemplo do próprio amor. Pode ser muito bom e prazeroso de ser sentido se associado ao sentimento de carinho, generosidade, consideração. Todavia, pode ser muito ruim e desprazeroso de se sentir se associado ao sentimento de posse, ciúme, humilhação", ressalta.

Em contrapartida, acrescenta, o ódio pode ser muito ruim de ser sentido se associado a repulsa, rancor, fúria. Por outro lado, pde ser muito prazeroso se relacionado à noção de garra, força, coragem, podendo, inclusive, mover a pessoa no sentido de conquistar coisas benéficas para si e para terceiros. "Então, um sentimento se tornará positivo ou negativo a depender de como a pessoa irá lidar com ele, ou seja, se de forma construtiva ou destrutiva para si e para o outro."



No caso da tensão pré-jogo, que, sem dúvida, costuma gerar ansiedade, o ideal, segundo Beatriz, é que a pessoa não perca a visão de que ali não está a sua vida, de que se trata apenas de um jogo cujo resultado poderá trazer tanto a alegria pela vitória, quanto a tristeza pela derrota e que, independentemente do resultado, outros jogos virão.

"Encarando dessa forma, a pessoa - e aqui me valendo de uma linguagem metafórica - não estará colorindo aquela partida com a cor das suas frustrações e expectativas pessoais, não estará considerando a vitória ou a derrota daquela partida como uma questão pessoal, podendo, assim, até curtir aquele frisson que a tensão pré-jogo promove como algo gostoso de sentir", conta.

Quanto aos haters do futebol, como o próprio nome diz, são pessoas que, não sabendo administrar o ódio que sentem, canalizam os seus sentimentos para atitudes destrutivas, valendo-se de uma paixão associada ao ódio que costuma beirar o sentimento de fanatismo. "O futebol, no caso dos haters, é utilizado apenas como um dos possíveis veículos de escape para, por exemplo, revelar falhas de caráter, frustrações, arrogâncias, sadismo, tirania, crueldade. Por esse olhar, o limite seria estabelecido pela civilidade a ser demarcada pelos sentimentos de ética, tolerância e respeito mútuo", diz Beatriz.



E quais sentimentos a Copa pode despertar no coração dos brasileiros? "Eu diria que todos os sentimentos que uma pessoa, em sua subjetividade, tem potencial para sentir. E digo isso porque o futebol, por sua interação com quem o assiste, ativa, por ressonância, diversos sentimentos que, inclusive, podem ser reveladores de como cada pessoa, em sua subjetividade, está lidando com o seu mundo interno", continua a profissional.

A Copa do Mundo, segue a psicoterapeuta, também faz emergir no brasileiro o senso de patriotismo, o que o faz se perceber pertencendo e unido por um mesmo ideal. "Sem dúvida, uma magia coletiva que tanto pode ativar sentimentos que se acompanham de alegria e felicidade, ou que se acompanham de tristeza e desgosto", conclui.