Jornal Estado de Minas

NEUROLOGIA

Hormônio da fertilidade pode beneficiar pessoas com síndrome de Down


Um hormônio associado à fertilidade e à reprodução melhorou a cognição de modelos de camundongos com síndrome de Down. Segundo um estudo francês publicado na revista Science, estruturas genéticas que regulam a produção da substância, que também foi testada em sete pessoas do sexo masculino, são disfuncionais nesses pacientes, impactando uma série de neurônios. Atualmente, não existem tratamentos específicos para o déficit cognitivo relacionado à chamada trissomia do cromossomo 21.



Os pesquisadores da Universidade de Lille e do Hospital Universitário de Lausanne, ambos na França, testaram a eficácia da terapia de injeção do hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH) para impulsionar as habilidades de cognição, primeiramente em animais e, em seguida, em um estudo-piloto envolvendo pacientes humanos. De acordo com os cientistas, os resultados foram promissores: o tratamento levou a uma melhor função cognitiva e conectividade cerebral.

A síndrome de Down afeta cerca de um em cada 800 nascimentos e resulta em uma variedade de manifestações clínicas, incluindo declínio na capacidade cognitiva. Com a idade, 77% das pessoas com a condição apresentam sintomas semelhantes aos da doença de Alzheimer. A perda gradual do olfato, típica de enfermidades neurodegenerativas, também é comumente diagnosticada a partir do período pré-puberal, com potenciais déficits de maturação sexual ocorrendo em homens.

Mecanismo


Descobertas recentes sugeriram que os neurônios que expressam o GnRH - hormônio conhecido por regular a reprodução via hipotálamo - também poderiam atuar em outras regiões do cérebro, com potencial papel em outras funções, como a cognitiva. Com essa ideia em mente, a equipe do Laboratório de Neurociência e Cognição de Lille, liderada por Vincent Prévot, também diretor do Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica (Inserm) da França, estudou o mecanismo que regula o GnRH em modelos de camundongos com síndrome de Down.



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O laboratório demonstrou que cinco fitas de microRNA que regulam a produção desse hormônio - que se encontram no cromossomo 21 - são disfuncionais. Isso leva à anormalidades nos neurônios que secretam o GnRH. As descobertas foram confirmadas nos níveis genético e celular. Os cientistas do Inserm conseguiram demonstrar que as deficiências cognitivas e olfativas progressivas observadas nos camundongos estavam intimamente ligadas à secreção alterada da substância.

Os pesquisadores do Inserm conseguiram, então, demonstrar que a restauração da função fisiológica do sistema GnRH restaura as habilidades cognitivas e olfativas em camundongos trissômicos. Essas descobertas foram discutidas com Nelly Pitteloud, professora da Faculdade de Biologia e Medicina da Universidade de Lausanne e chefe do Departamento de Endocrinologia, Diabetologia e Metabolismo do Centro Hospitalar Universitário Vaudois (CHUV).

A pesquisa da cientista se concentra na deficiência congênita de GnRH, uma doença rara, que se manifesta pela ausência de puberdade espontânea. Esses pacientes recebem terapia com GnRH pulsátil para reproduzir o ritmo natural da secreção desse hormônio, a fim de induzir a puberdade.




Injeções


Os pesquisadores, portanto, decidiram testar a eficácia da terapia de GnRH pulsátil em déficits de cognição e do olfato em camundongos trissômicos, seguindo um protocolo idêntico ao usado em humanos. Após 15 dias, a equipe conseguiu demonstrar a restauração das funções olfativas e cognitivas em camundongos.

A próxima etapa para os cientistas e médicos envolveu um ensaio clínico piloto em pacientes para avaliar os efeitos desse tratamento. Sete homens com síndrome de Down, entre 20 e 50 anos, receberam uma dose subcutânea de GnRH a cada duas horas por seis meses, por meio de uma bomba colocada no braço. Testes cognitivos e olfativos, bem como exames de ressonância magnética, foram realizados antes e após a terapia experimental.

Do ponto de vista clínico, o desempenho cognitivo aumentou em seis dos sete pacientes, com melhoria na representação tridimensional, na compreensão de instruções, no raciocínio, na atenção e na memória episódica. No entanto, o tratamento não teve impacto na capacidade olfativa. As medidas para incrementar as funções cognitivas foram confirmadas por imagens cerebrais realizadas pelo Departamento de Neurociências Clínicas do CHUV, que revelaram um aumento significativo na conectividade funcional.



Vincent Prévot, diretor do Inserm, na França (foto: Inserm/Divulgação)
Os dados sugerem que o tratamento atua no cérebro fortalecendo a comunicação entre determinadas regiões do córtex. "A manutenção do sistema GnRH parece desempenhar um papel fundamental na maturação do cérebro e nas funções cognitivas", explica Prévot. "Na síndrome de Down, a terapia com GnRH pulsátil parece promissora, especialmente porque é um tratamento existente sem efeitos colaterais significativos", acrescenta Pitteloud. Segundo os autores, as descobertas justificam, agora, o lançamento de um estudo maior - com a inclusão de mulheres - para confirmar a eficácia do tratamento em pessoas com a trissomia do cromossomo 21, mas também para doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer.

Em um comentário também publicado na Science, Hanne M. Hoffmann, pesquisadora da Universidade Estadual de Michigan, nos Estados Unidos, afirmou que o tratamento, aparentemente, é promissor. "A administração pulsátil do GnRH parece ser uma abordagem promissora, com poucos efeitos colaterais, para melhorar a função cognitiva em uma ampla gama de condições de declínio cognitivo", escreveu Hoffmann, que não fez parte do estudo.

Remédio para Alzheimer testado para trissomia

Um outro estudo, com a participação de um cientista brasileiro, está em andamento, com objetivo de melhorar a função cognitiva de pessoas com síndrome de Down. Em janeiro, o grupo de pesquisadores publicou um artigo na revista The Lancet Neurology, descrevendo como a memantina, um medicamento atualmente indicado para a doença de Alzheimer, poderá ser uma opção de tratamento no futuro.



A pesquisa foi realizada nos Estados Unidos e no Brasil, com a participação de dois cientistas brasileiros: Alberto Costa, líder do estudo e pesquisador da Universidade da Reserva de Case Western, nos EUA, e Ana Cláudia Brandão, do Hospital Israelita Albert Einstein.

Participaram 160 pessoas com trissomia do cromossomo 21 com idades entre 15 e 32 anos. Metade recebeu a medicação, e o restante, placebo. Nem os médicos nem os voluntários sabiam que, de fato, estava no grupo da memantina.

Passadas 16 semanas, os pacientes que apresentaram níveis da substância no sangue acima do recomendado clinicamente apresentaram melhora no desempenho cognitivo em testes de avaliação. Já aqueles com taxas normais não tiveram incremento nas habilidades avaliadas.

"Se a melhora cognitiva se confirmar em estudos posteriores, o impacto social do tratamento será gigante, pois afeta o desempenho das pessoas com trissomia do cromossomo 21 na escola e no trabalho, e pode ajudá-las a demonstrar seu potencial", afirmou Laís Fleury, diretora do Alana Foundation, que financiou o estudo.