Jornal Estado de Minas

Entre linhas e carretéis: a arte de costurar



Na pequena Pavão, cidade mineira no Vale do Mucuri, há algum tempo as opções de trabalho, a não ser a lida no campo, eram restritas. A profissão que mais se exercia por lá, para os homens, era a de alfaiate. Nos idos de 1970, é esse o fazer que Aurelito Santos, hoje com 73 anos, resolveu tomar como atividade profissional, impulsionado pela mãe, que não queria que ele fosse embora da cidade, como na ocasião em que viveu em São Paulo.




 
 
 
De volta à terra natal, Aurelito, o Leo, como hoje é conhecido, aprendeu a costurar aos 22 anos, e hoje já se vão 52 anos na atividade. Já atuou nas áreas de metalurgia, construção civil, em escritórios, e foi como alfaiate que se encontrou – desde 1985, é sua dedicação exclusiva.
 
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Em Belo Horizonte, onde está há 35 anos, mantém loja própria de produção de roupas sob medida e conserto. Conta que a maioria dos clientes são advogados. Para esse público, ele fabrica, basicamente, ternos, calças, camisas, coletes, casacos e, em outro tipo de demanda, também trajes para hipismo. Para mulheres, costuma fazer terninhos, calças e saias. 
 
 
 
"Tenho minha lojinha, trabalho para mim. A costura me deu tudo que tenho. Minha casa, por exemplo. É gratificante para mim quando o cliente gosta do resultado. E também me empenho no bom atendimento", diz. Ele lembra de como agora esse cenário é diferente – não tem muito alfaiate na praça. "A costura também me ajuda a distrair, esquecer os problemas, é uma terapia", conta.





MILENAR A atividade de fazer as próprias peças de roupa é milenar – ainda que não seja conhecida a data precisa, segundo historiadores, a presença da costura na humanidade é de milhares de anos. Ainda na época dos nômades, quando o homem vivia em cavernas, já produzia suas vestimentas usando materiais rudimentares. 
 
No século 19, aparece a primeira máquina de costura para roupas, pertencente ao francês Barthelemy Thimmonier. De lá pra cá, mesmo com a resistência de costureiros e artesãos, a indústria têxtil ganhou fôlego e as roupas passaram a ser feitas em escala industrial (foto: Freepik/Reprodução)
 
 
De agulhas feitas com ossos de animais e tecidos em couro, depois desse tempo, na Idade Média, a costura começou a ganhar os contornos da estética. Nesse período, os artesãos passaram a criar vestes não apenas funcionais, mas também mais sofisticadas. Eles próprios faziam os tecidos e manipulavam imensas máquinas de tear. É com a Revolução Industrial que esse processo se transforma, tornando-se mais mecânico e rápido.
 
No século 19, aparece a primeira máquina de costura para roupas, pertencente ao francês Barthelemy Thimmonier. De lá pra cá, mesmo com a resistência de costureiros e artesãos, a indústria têxtil ganhou fôlego e as roupas passaram a ser feitas em escala industrial.




 
De  um passado nem tão distante, quem não se lembra como eram feitas as roupas, por encomenda, no trabalho de alfaiates e costureiras, na época de nossos avós? Era comum que comprassem o tecido, tirar as medidas, fazer provas e, só assim, depois de tudo testado, é que as peças ficavam prontas para uso. Atualmente, mandar uma roupa para ser feita sob medida é mais raro, e acontece principalmente quando o desejo  é um modelo exclusivo, mais caro, ou a réplica de uma roupa antiga, que não se faz mais comercialmente.
 
Agora, mais que a concepção de uma roupa, ou para fazer um reparo, mudar o visual ou criar uma peça própria, costurar toma um papel importante na promoção da saúde psicológica e emocional, seja por profissão ou hobby. Descobrir tecidos inovadores e sustentáveis, pesquisar diferentes moldes e silhuetas e construir os itens do zero são alguns dos atrativos da costura como terapia. Costurando a seu tempo e a seu modo, o indivíduo se envolve em uma ocupação que demanda concentração, ao passo que também permite expressar a criatividade. E, com esse estímulo, vêm as recompensas mentais na forma de hormônios responsáveis pela sensação de felicidade.
 
Uma prática que ajuda a focar a atenção e é prazerosa, na medida em que aguça a imaginação. A costura ainda ajuda a enfrentar a depressão, a ansiedade e o estresse, propiciando um melhor controle dos sentimentos, e afasta os pensamentos negativos.




 
Entre outros pontos benéficos de costurar estão o aumento da capacidade de abstração e maior destreza. Prática que requer paciência e perseverança, também desenvolve a coordenação motora fina, exercita o raciocínio e o pensamento lógico – o que ajuda a manter o cérebro afiado.
Costurar é ainda uma forma importante de restabelecer a autoestima. Diante de uma peça pronta, o praticante se percebe capaz, produtivo e valioso, o que impacta diretamente na percepção de si próprio.
 
E começar a costurar não é complicado. Foi-se o tempo em que as costureiras e os alfaiates guardavam trancada a expertise da costura. Existem diversos cursos à disposição – na internet encontra-se uma infinidade de canais nesse sentido. Estão acessíveis conteúdos que abrangem desde aspectos mais básicos até atividades complexas dentro desse universo. Muitos cursos são gratuitos, principalmente on-line e, além disso, materiais básicos necessários para a costura, como tecidos, linhas e agulhas, não são caros. Essa é uma atividade acessível e democrática.