Jornal Estado de Minas

reportagem de capa

Cirurgia plástica usa a tecnologia a favor do paciente



Muita coisa mudou sobre as cirurgias plásticas se comparado ao que era feito antes. Há 40 anos, o famoso bigode chinês e as rugas da testa eram tratados através de cirurgias agressivas na face.



Para o primeiro, eram feitos grandes descolamentos da face até o canto da boca, o que resultava em um desvio da comissura labial que gerava a famosa “boca de coringa”.

Também para a interferência na testa, a única alternativa era fazer o descolamento, puxando-a para trás. O resultado era uma testa grande e o cabelo começando muito atrás, características que deixavam o paciente com aparência caricata.
 
 
 
Tudo isso é exatamente o oposto do que se vê hoje em dia em cirurgias faciais. Agora são menos invasivas e agressivas, com riscos menores, efeitos mais naturais, e também melhoraram em qualidade. A ritidoplastia (o face lifting), por exemplo, trata as camadas mais profundas do rosto, os músculos, os tendões, mas não é preciso mais esticar tanto a pele, apenas se retira o excesso.
 
“A abordagem cirúrgica da face mudou muito por meio do entendimento completo do processo de envelhecimento. É que, além da queda dos tecidos, ocorrem também perdas ósseas, alterações musculares e perda de colágeno. Esse entendimento tridimensional norteia o tratamento da face de maneira global, mesclando cirurgia e procedimentos auxiliares, fornecendo um resultado completo e natural”, explica a cirurgiã plástica Cíntia Mundin, especialista em face.




 
Há inúmeros avanços nas questões de segurança em cirurgia, com melhorias na anestesia, técnica cirúrgica, fios de sutura, colas para fechamento da ferida operatória, entre outros exemplos, como explicita o cirurgião plástico Luís Felipe Maatz. As cirurgias plásticas de implantes mamários e a lipoaspiração continuam liderando a lista das mais procuradas.
 
Há dois meses, o gerente de vendas Roberto Lourenço Junior, de 38 anos, passou por uma cirurgia plástica para corrigir a orelha de abano, razão de um complexo que vem da infância.

Nunca sofreu bullying, mas diz que uma arma que encontrou para que as pessoas não falassem sobre as orelhas era ele debochar de si mesmo. "Eu debochava das minhas orelhas, para tirar o poder das pessoas em falar algo sobre elas. Era uma forma de defesa, uma maneira que encontrei de combater isso."
 
Roberto vive nos Estados Unidos com a família. Já fez intervenções cirúrgicas para reparar uma cicatriz na testa por causa de um acidente de carro e nas pálpebras, sempre muito inchadas, com bolsões de gordura. Mas, sobre as orelhas de abano, quase ninguém sabia que o incômodo era tão grande. A princípio, não considerava fazer o procedimento. Entretanto, como trabalha em uma empresa que recruta cirurgiões plásticos de todo o país, acabou se aproximando desse universo e passou a pesquisar sobre a correção das orelhas até tomar a decisão de fazer. E ficou satisfeito com o resultado.





PEQUENAS INTERVENÇÕES A medicina estética tem avançado de forma acelerada nos últimos anos, pontua o dermatologista, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), Lucas Miranda. São inúmeros os estudos sobre tecnologias que entregam resultados mais eficazes e naturais aos pacientes que desejam uma pele mais bonita, jovem e saudável.

"E não estou falando dos exageros. Muito pelo contrário. Existem pequenas intervenções que trazem mais harmonia facial e corporal e, consequentemente, mais autoestima aos pacientes", ressalta. Entre os exemplos, pessoas com o nariz com a ponta mais caída ou com aquele “ossinho” torto ou muito saliente. Isso pode não fazer diferença para alguns, mas para outros pode gerar traumas, diz o dermatologista. Outro incômodo comum é com relação à papada, também conhecida como queixo duplo. A flacidez facial também segue nessa lista.

"Cada indivíduo tem características próprias que devem ser respeitadas pelo profissional. O intuito não é transformar o paciente em outra pessoa, tampouco buscar a todo custo uma imagem jovem e indefectível. Nosso papel é fazer pequenos ajustes, de forma a valorizar os pontos de beleza do paciente e melhorar aqueles que causam descontentamento" - Lucas Miranda, dermatologista, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (foto: Leca Novo/Divulgação)
 
Tudo isso afeta a autoimagem e a autoestima, principalmente em uma sociedade em que existem tantos padrões de beleza impostos e a ideia de uma juventude eterna. "E não estou falando que sou a favor disso. Cada indivíduo tem características próprias que devem ser respeitadas pelo profissional. O intuito não é transformar o paciente em outra pessoa, tampouco buscar a todo custo uma imagem jovem e indefectível. Nosso papel é fazer pequenos ajustes, de forma a valorizar os pontos de beleza do paciente e melhorar aqueles que causam descontentamento."




 
Ele diz que sua prioridade é a saúde dos pacientes. Em cada consulta, Lucas reitera, é fundamental um diálogo transparente sobre os reais incômodos, sobre o que pode ser realizado e o que não é indicado para aquele caso específico.

PARA ELES Há não muito tempo, a cirurgia plástica estética estava essencialmente ligada ao universo feminino. Nos últimos anos, esse cenário se alterou. Levantamentos realizados pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) comprovam essa mudança. Segundo a entidade, em 2019, um homem fazia um procedimento estético a cada dois minutos no Brasil.

A SBPC constatou também, em pesquisa de 2020, que a porcentagem de pacientes do gênero masculino que se submeteram a alguma cirurgia estética havia subido de 5% para 30% em cinco anos.
 
 Entre os procedimentos mais procurados pelos homens estão as cirurgias das pálpebras, do nariz e a lipoaspiração. Cresce ainda a procura pelas cirurgias de próteses musculares, mais especificamente de próteses peitorais, de bíceps e tríceps e de panturrilhas, como informa o cirurgião plástico Wandemberg Barbosa, referência na área, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) e da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO).




 
Não obstante a cirurgia de prótese ser indicada também para jovens, o especialista informa que há um limite de idade para quem deseja fazer o procedimento. “É preciso que o homem já tenha completado 18 anos para que a estrutura óssea já apresente desenvolvimento completo”, diz. Além disso, segundo o médico, há restrições para quem sofre de doenças sistêmicas não controladas, diabetes e hipertensão. “Essas pessoas precisam falar com o médico para que seja avaliada se a cirurgia pode ser feita ou não.”
 
Para o cirurgião plástico Leandro Gontijo, diretor do Instituto Mineiro de Cirurgia Plástica (IMCP) e membro das sociedades Brasileira e Americana de Cirurgia Plástica, a cirurgia plástica muitas vezes é enxergada erroneamente como algo supérfluo. Lembrando que existem as cirurgias plásticas corretivas, ou reparadoras, e as cirurgias plásticas estéticas.
 
Uma cirurgia reparadora, esclarece, visa à restauração de um órgão ou função. É realizada para a correção de deformidades ou condições fisicamente desconfortáveis, sejam causadas por características genéticas, ou mesmo adquiridas ao longo da vida. "A rigor, poderíamos considerar uma cirurgia de lábio leporino ou reconstrução de mamas ou membros após câncer ou traumas, desvios de septos nasais, ptose palpebral, hipertrofia mamária acentuada (gigantomastia) ou cirurgias plásticas após grandes perdas de peso com dificuldade de higienização da região, como exemplos clássicos.




 
Porém, quando a questão é estética, Leandro fala da importância em se colocar diante daquele paciente que procura o cirurgião. Seria uma mãe com baixa autoestima, depressão, que não tem coragem de ir à praia e colocar um biquíni, não se expõe ao marido na intimidade ou evita se olhar no espelho? Seria uma senhora já envelhecida, com estigmas de uma vida sofrida, rugas na face, olhar cansado, buscando uma forma de rejuvenescimento facial? Seria um jovem já sofrido pelo bullying na infância pelas orelhas de abano?, questiona Leandro. 
 
É muito comum as pessoas que vivem situações como essas se isolarem de amigos, da família, privar-se do convívio social, o que acarreta quadros de ansiedade e depressão. Dessa forma, diz Leandro, a cirurgia acaba por possibilitar uma nova perspectiva de autoimagem, contribuindo muito para a melhora na qualidade de vida.
 
O cirurgião plástico avalia que, apesar de haver inúmeros movimentos sociais que promovem a aceitação da diversidade, inclusive estética, isso ainda não é uma realidade geral.



Celebridades, influenciadores digitais, modelos, ele cita, sustentam uma posição de referência em termos de aparência física, e isso acaba levando a uma busca por um determinado tipo de rosto ou corpo que, muitas vezes, é incompatível com as características daquele sujeito.

"Esse é um dos motivos pelos quais uma das prerrogativas do Código de Ética Médica é vedar o uso de ‘antes e depois’ na cirurgia plástica. Alguém vendo um resultado bonito irá querer o mesmo resultado, mesmo sendo uma pessoa completamente diferente", diz.
 
"Quando o paciente chega com essa demanda muito forte de se transformar fisicamente em outra pessoa, inspirando-se em celebridades, por exemplo, muitas vezes isso está ligado a uma condição psicológica que precisa ser tratada. Nesses casos, independentemente da intervenção, dificilmente o paciente ficará satisfeito. Por isso, o processo para realizar uma cirurgia plástica deve envolver inúmeras etapas e um bom tempo de conversa. O paciente deve se sentir acolhido, ter as suas necessidades, motivações, condição psicológica e estado de saúde física compreendidos."
 
Em sua opinião, basear-se em um filtro de rede social produz uma idealização sobre algo que muitas vezes não existe e, mesmo que fosse possível reproduzir fielmente o que um filtro mostra, isso não resultaria em um rosto harmônico e belo."A beleza em si é um conceito complexo e, muitas vezes, subjetivo. Sócrates tinha um conceito acerca da beleza. De que 'o belo é o útil', ou seja, a beleza não está associada à aparência de algo, mas em quão proveitoso é."