Jornal Estado de Minas

SAÚDE

Prevenção é palavra-chave para evitar cegueira causada pelo glaucoma


Nesta quarta-feira (26/5), um marco no mês considerado como Maio Verde, comemora-se o Dia Nacional de Combate ao Glaucoma, lesão ocular silenciosa e sem cura que é, atualmente, uma das principais causas de cegueira do mundo. Por isso, prevenção é palavra de ordem para evitar danos graves, como a perda da visão.




 
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que 64 milhões de pessoas sofram com alguma forma de deficiência visual ocasionada pelo glaucoma no mundo.

Destes, 6,9 milhões têm dificuldade de visão moderada, grave ou total – cegueira –, consequências das formas mais graves da doença. Ainda, de acordo com projeções da entidade, em 2040, mais de 111 milhões de pessoas serão acometidas pelo glaucoma no planeta.  

No Brasil, os índices também são preocupantes. Pesquisa de 2019 coordenada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que há mais de 6,5 milhões de pessoas com algum problema visual em território brasileiro, dentre os quais 600 mil são cegos.

Os casos de glaucoma no país ultrapassam a marca de 1 milhão, e a doença é considerada a maior causa de cegueira irreversível no mundo – a primeira causa de cegueira reversível é a catarata. 

Nesse cenário, Dannielle Curi Samaha Garcia, oftalmologista do NEO Oftalmologia, destaca a importância de se falar sobre o tema. “Pesquisa do Ibope, a pedido da Sociedade Brasileira de Glaucoma (SBG), de 2019, traz alguns dados interessantes: 41% das pessoas entrevistadas não sabem o que é glaucoma, 90% não sabem que a população negra faz parte do grupo de risco, 39% desconhecem que o glaucoma pode levar à cegueira, 47% acreditam ser um mito ou desconhecem a relação com a hereditariedade e 53% desconhecem que a doença tem maior probabilidade de ocasionar cegueira irreversível.” 

“É assustador como as pessoas ainda são ignorantes quanto a esse assunto”, afirma. Por isso, faz-se necessário a discussão sobre o glaucoma, seus riscos e forma de prevenção, palavra-chave para evitar a perda de visão e, também, para manter o cuidado com a saúde ocular.



Haja vista que é uma doença silenciosa e sem cura, as consequências de seu acometimento – danos ao nervo ocular, fazendo com que o paciente tenha seu campo visual reduzido aos poucos – podem se instalar rapidamente. 

“Em 80% dos casos, o glaucoma não provoca sintomas no início, e o paciente só começa a perceber algum problema quando mais da metade de seu campo visual já foi comprometido. Quando a pessoa começa a sentir que está perdendo a visão, mais de 50% das fibras nervosas do campo visual já foram perdidas. A visão vai sendo afetada de fora para dentro, de forma periférica. Isso reforça a necessidade de visitas anuais ao oftalmologista, com check-ups oculares. Só assim o glaucoma poderá ser detectado no começo.” 

“E quanto mais cedo for feito o diagnóstico, quanto mais cedo começar o tratamento, menos lesões vão ocorrer no nervo ótico, e menor será a probabilidade de a pessoa ficar cega. Um tratamento precoce e adequado vai permitir uma visão para toda a vida”, explica Erika Yumi Tomioka Umbelino, oftalmologista do NEO Oftalmologia. 

O aposentado Ailton Vieira da Costa, de 71 anos, descobriu o glaucoma em 2013, durante uma consulta de rotina ao oftalmologista. A doença foi detectada logo no início, o que facilitou para que ela não progredisse mal. Atualmente, Ailton faz acompanhamento periódico, com consultas em intervalos entre 4 e 5 meses, e conta que a pressão intraocular melhorou muito em relação ao aferido no início, sem nenhum comprometimento dos olhos.   

“Logo que descobri o glaucoma, comecei o tratamento. Passei por três procedimentos cirúrgicos a laser para melhorar a pressão nos olhos, que estava alta, e logo diminuiu. Não tive complicações. O tratamento tem sido ótimo. Sigo tudo à risca. Atualmente, uso dois tipos de colírio diariamente e me sinto ótimo. Gostaria de falar para quem tem glaucoma que é só fazer tudo direito, conforme o médico prescreve." 
 
(foto: Leca Novo/Divulgação)
 

Além das consultas médicas regulares para evitar o aparecimento tardio da doença, algumas medidas podem ser tomadas a fim de prevenir danos graves. “Depois de feito o diagnóstico, o paciente deve ser monitorado, o tratamento deve ser respeitado e também é preciso se atentar aos colírios, já que alguns podem inclusive provocar o glaucoma. Ainda, fazer exercícios de forma regular e moderada também pode ajudar a prevenir o glaucoma, reduzindo a pressão dos olhos. O médico pode orientar sobre uma rotina de exercícios apropriada.” 

“Usar colírios prescritos pelo oftalmologista e proteção para os olhos também evita danos mais graves”, recomenda Dannielle Garcia. 


OS TIPOS DE GLAUCOMA 


O glaucoma tem, segundo a oftalmologista do Hospital CEMA Minoru Fujii, alguns tipos característicos. O mais recorrente deles é o chamado glaucoma primário de ângulo aberto, que corresponde a cerca de 80% dos casos. “É uma doença ocular crônica, com o aumento progressivo da pressão intraocular ao longo do tempo, que começa a causar danos ao nervo óptico, estrutura responsável pela visão”, explica Dannielle Garcia. 





Entre os demais tipos de glaucoma, o chamado de ângulo fechado pode acometer de maneira aguda, com um aumento grave, veloz e doloroso na pressão intraocular. Enquanto isso, o glaucoma congênito é hereditário e pode ter início após o nascimento. Essa é uma forma mais rara, manifestada geralmente entre os 3 e 4 anos e, quando descoberta, a doença deve ser tratada imediatamente. O glaucoma congênito geralmente causa fotofobia, lacrimejamento e aumento do tamanho do globo ocular.  

Por sua vez, o chamado glaucoma secundário pode ser causado por traumas, inflamações ou tumor intraocular. 

DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO 


O glaucoma é uma alteração ocular que muito tem a ver com a pressão elevada nos olhos, no entanto, ter a pressão ocular alta não significa ter glaucoma e nem vice-versa. Não à toa, o glaucoma é multifatorial e tem alguns fatores de risco importantes, como idade avançada – essencialmente a partir dos 40 anos a chance de ter glaucoma aumenta –, hipertensão ocular, miopia elevada, hereditariedade e raça, sendo mais frequente entre negros e asiáticos.  

Erika Yumi Tomioka Umbelino, oftalmologista do NEO Oftalmologia (foto: Leca Novo/Divulgação)
Outro fator de risco é a espessura corneana elevada. Ainda, alguns tipos de colírio também podem causar o glaucoma. Mas, afinal, como se dá o diagnóstico de glaucoma? E o tratamento, como é feito? O laudo da doença é feito após o glaucoma ser constatado em exames de fundo de olho. Avaliação criteriosa do nervo óptico, aferição da pressão intraocular e detecção de alterações no campo visual também são realizados a fim de diagnosticar a condição. 

“Apenas em consulta completa é que pode surgir a suspeita sobre o glaucoma, a fim de direcionar os exames necessários. De acordo com a gravidade do glaucoma, o paciente diagnosticado com a doença é acompanhado com novos exames a cada seis meses ou anualmente, para observarmos a sua evolução”, afirma Erika Umbelino. 





Já o tratamento se baseia em acompanhar os níveis da pressão intraocular. “Se a pressão dentro do olho for controlada, há menos chance de o paciente evoluir para a perda do campo de visão ou cegueira. A grande questão é a dificuldade em se perceber sinais, já que não coça, não dói, não lacrimeja e não arde, o que faz com que o indivíduo não procure um profissional para a prevenção”, explica Dannielle Garcia. 

Desse modo, o tratamento, conforme Minoru Fujii, inicialmente é clínico e medicamentoso, com o uso de colírios hipotensores para diminuir a pressão intraocular. Nos casos resistentes ao tratamento clínico, é indicado o SLT (laser) ou a cirurgia, e, em certos quadros, a associação de ambos. Em relação aos procedimentos cirúrgicos, são divididos em tradicionais e microcirurgias, que são mais modernas e indicadas para o glaucoma.  

O importante é que o tratamento seja individualizado, pensado caso a caso, assim como o monitoramento da doença, a fim de evitar qualquer dano progressivo. 

Ao contrário de Ailton, a dona de casa Auxiliadora Rodrigues Batista, de 88, descobriu a doença já em estágio avançado, quando percebeu dificuldade para ler e foi ao oftalmologista para acompanhamento. Cardiopata, a cada nova internação devido aos problemas no coração ou novo procedimento cirúrgico, a visão também era afetada.  

Hoje, Auxiliadora Batista faz monitoramento periódico e é acompanhada por especialista. Ela também respeita as medicações, e esse controle médico trouxe alívio. “O tratamento é feito de perto, mas se tivesse começado desde o princípio do glaucoma não teria o comprometimento que tenho. Ainda assim, com as dificuldades, consigo fazer as coisas, realizo atividades domésticas e tenho uma rotina normal. A vida continua, mesmo que dentro de limites”, relata. 





PANDEMIA 


Com o isolamento social e o medo constante de contaminação em razão da pandemia de COVID-19, muitas pessoas deixaram de procurar os consultórios oftalmológicos, conforme relatos dos especialistas. É o que vem acontecendo no caso do glaucoma.

Levantamento coordenado pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) dá conta de uma queda na realização de exames para aferição precoce do glaucoma e um índice menor de cirurgias relacionadas à doença desde de que teve início a pandemia. 

Atualmente, há oito tipos diferentes de exames realizados pelo SUS, aos quais os oftalmologistas recorrem para diagnosticar o glaucoma. Segundo o balanço do CBO, foram realizados 5,9 milhões de exames na rede pública em 2019. Do início da pandemia até agora, esse índice caiu 1,6 milhões (27%). Dados do Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS mostram que, em 2020, a retração no número de exames preventivos para o glaucoma aconteceu em todas as regiões brasileiras.  

Ao mesmo tempo, pelo menos 6,7 mil cirurgias recomendadas para tratamento e reversão do glaucoma deixaram de ser feitas pelo SUS, redução de 22%. 





“No caso de pacientes com glaucoma, que precisam ser monitorados, um intervalo de mais de um ano sem acompanhamento pode ser muito tempo. Quadros graves devem ser acompanhados trimestralmente. Observamos progressão na doença de pacientes que estavam muito bem. Dados da Sociedade Mineira de Oftalmologia (SMO) mostram que, em Minas Gerais, entre 2018 e 2020, diminuiu em 20% o número de consultas médicas relacionadas ao glaucoma.” 

É o que conta Dannielle Garcia. Nesse cenário, o diretor-técnico médico do NEO Oftalmologia Leonardo Romano Tibúrcio faz um alerta: “Mesmo durante a pandemia, a saúde dos olhos não pode ser negligenciada. É imprescindível manter a rotina de consultas ao oftalmologista, seguindo as medidas de prevenção ao coronavírus.” 

*Estagiária sob a supervisão da editora Teresa Caram