Jornal Estado de Minas

Comportamento

Cozinhar pode resultar em dias mais saborosos e especiais

(foto: Kranich17/Pixabay )


“Cozinhar é o mais privado e arriscado ato. No alimento se coloca ternura ou ódio. Na panela se verte tempero ou veneno. Cozinhar não é um serviço. Cozinhar é um modo de amar os outros.”  A definição é de Mia Couto, escritor e biólogo moçambicano, que leva poesia para descrever o sagrado ato de cozinhar.



O preparo da comida é sinônimo de amor, cuidado e conforto. Tudo o que as pessoas precisam em tempos de pandemia e com a proximidade das festas de fim de ano, Natal e réveillon, datas em que as emoções e os sentimentos ficam à flor da pele, ainda mais tendo de lidar com o afastamento social por causa da contaminação pelo Sars-Cov-2, novamente em alta em Minas e no Brasil.

A escolha de cozinhar, de preparar o próprio alimento, a comida de verdade, foi resgatada, de certa maneira, diante do isolamento social imposto pelo novo coronavírus.

Há quem voltou a cozinhar e quem descobriu uma nova habilidade. Assim, está cada vez mais forte o termo cozinhaterapia, uma maneira que muitos encontraram de se acarinhar, cuidar da saúde mental e não só a do estômago. Uma tendência que veio para ficar. Sim, cozinhar é terapêutico.





A farmacêutica Lorena Mendes, de 37 anos, é do grupo que sempre gostou de cozinhar, ainda que, confessa, não tenha muita técnica e tanto conhecimento (foto: Arquivo Pessoal)
A farmacêutica Lorena Mendes, de 37 anos, é do grupo que sempre gostou de cozinhar, ainda que, confessa, não tenha muita técnica e tanto conhecimento.

O que tem resolvido ao longo dos últimos quatro anos, quando se matriculou na escola do chef Felipe Caputo. “Ele simplesmente transformou a minha forma de cozinhar. Aprendi muitas técnicas, preparos diferentes, como utilizar especiarias. Cozinhamos todos os dias em casa e as receitas do Caputo estão sempre em nosso cardápio. Ele me ensinou a praticidade com a sofisticação, a surpreender e tornar os momentos inesquecíveis.”

Para Lorena, a comida tem um significado especial: “Para mim, ela une, cura, alimenta as emoções, a alma e cria as melhores memórias. Nesta quarentena, apesar de todos os contratempos, teve um sabor especial. Desaceleramos, ficamos em casa e conseguimos aproveitar mais momentos com a família, principalmente ao redor da mesa. Faço questão de montar uma mesa especial, linda e recheada de preparações, cheia de sabor e amor. Amar cozinhar torna meus dias ainda mais saborosos e especiais”.





Com as pessoas forçadas a permanecer mais tempo em casa por causa da pandemia, nasceram novos hábitos e hobbies.

Dados de uma pesquisa on-line, que faz parte de um estudo que contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), disponíveis no artigo “Influence of nutritional status on eating habits and food choice determinants among Brazilian women”, publicado na plataforma medRxiv, revelaram que as medidas de isolamento social modificaram o comportamento alimentar dos brasileiros.

Entre os destaques, estão o crescimento do hábito de cozinhar (28%) e de sentar-se à mesa para comer (40%).

Ainda que outra pesquisa, a Tracking COVID-19 – Alimentação e bem-estar, feita entre março e abril de 2020 pela RGNutri, em parceria com a Tech.Fit, revele que se por um lado cresceu o hábito de cozinhar, por outro também aumentou a comodidade de pedir comida pronta.

Ela ainda registrou que quatro em cada 10 pesquisados passaram a cozinhar ou aumentaram a frequência na cozinha. A esperança é de que o número aumente ou se mantenha no pós-pandemia, para o bem da saúde de todo o organismo.





Já a designer de interiores e arquiteta Fabíola Constantino Ferreira, de 47, conta que vem de uma família em que as mulheres cozinham muito bem, “dominam de verdade a cozinha. Avó, mãe, tias, todas me trazem lembranças maravilhosas dos mais variados sabores”. Mas ela ainda não se incluía nesse rol. Ainda mais pela sorte de ter ao lado “uma pessoa querida que trabalha comigo há 18 anos. Então, meus filhos acabaram tendo o privilégio de comer comida fresca e de qualidade todos os dias e em casa. Daí, um dia me deu um estalo. Qual lembrança de um prato gostoso eles iriam levar de mim? Foi aí que iniciei minhas aulas de culinária com os mais variados chefs e estilos diferentes. Tomei tanto gosto que hoje é meu hobby”.

Fabíola revela, então, que passou a ter enorme prazer ao ver a família apreciar seus pratos, feitos por ela, ali, na hora. E aprendeu também a reconhecer bons produtos e o alimento fresco.

“Minhas lembranças mais antigas são os almoços de domingo na casa da minha avó Filomena. Lá, todos se reuniam para saborear a autêntica comida mineira, tutu de feijão, arroz de forno, galinha caipira, macarronada e hortaliças da horta dela. Na sobremesa, aquele arroz-doce fresquinho, além do café de qualidade e roscas que ela preparava para todos levarem de presente.”

Lembranças reais que confirmam que cozinhar é um ato de amor.

SAUDABILIDADE

(foto: ds_30/ Pixabay)


Assim como a cozinhaterapia, a saudabilidade é outro termo que ganha projeção e entra no dia a dia de muitas pessoas. A palavra é associada à nutrição e ganha o censo comum com abordagem mais integral incluindo o corpo, a mente e a alma.



Pesquisa da Nielsen, de 2016, antes de todas as privações de 2020, já mostrava que 66% dos brasileiros estavam dispostos a pagar mais por alimentos e bebidas livres de ingredientes indesejáveis.

A saudabilidade alimentar, ou a procura por produtos mais saudáveis, é uma tendência porque cada vez mais estudos vinculam a má alimentação a doenças como diabetes, hipertensão, problemas cardíacos e obesidade.

Outro fator para se levar em conta na procura por alimentos mais saudáveis é o aumento da expectativa de vida. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil será o sexto país em número de idosos em 2025, com cerca de 32 milhões de pessoas com mais de 60 anos.

A longevidade faz com que a boa alimentação seja uma busca por ter uma saúde melhor. A preocupação é válida porque em outro dado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estima-se que, até 2055, o número de pessoas com mais de 60 anos superará o de brasileiros com idade inferior a 30.





A nutricionista Adriana Stavro, pós-graduada em doenças crônicas não transmissíveis pelo Hospital Albert Einstein, assim como em nutrição clínica funcional e fitoterapia, destaca que estudos sobre mudança de comportamento de saúde, incluindo nutrição e atividade física, têm raízes em um paradigma cognitivo racional.

“A mudança é conceituada como um processo linear em que os indivíduos pesam os prós e os contras.” Em última análise, ela explica que o design comportamental ajuda as pessoas a encontrar ferramentas e táticas úteis para fazer mudanças no estilo de vida.

Também ajuda a determinar o quão capaz e pronta uma pessoa é para fazer uma mudança e quais os gatilhos com maior probabilidade de estimulá-la.

“Para que os indivíduos mantenham transformações de estilo de vida saudáveis, devemos fazer da escolha saudável a escolha fácil”, afirma a nutricionista.

Outro aspecto importante é tornar o indivíduo capaz de traduzir as inúmeras informações sobre nutrição a que está exposto em informações práticas sobre quais alimentos deve escolher para garantir uma alimentação saudável.

“Envolver as pessoas na melhora de sua saúde, mostrar a elas como as mudanças de comportamento podem contribuir para prevenir ou retardar o aparecimento de doenças. A ideia é que cada etapa seja uma preparação para a seguinte; portanto, não deve se apressar ou pular fases.”