Jornal Estado de Minas

FUMANTES

Pandemia pode provocar aumento do tabagismo. Entenda os riscos

Desde o início da proliferação do novo coronavírus no Brasil, em meados de março, diversos hábitos foram modificados em função do isolamento social. E o vício em fumo foi um deles. De acordo com uma pesquisa feita pela Fundação Oswaldo Cruz, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade de Campinas (Unicamp), o consumo de cigarro aumentou neste período. 





O estudo, realizado com cerca de 44.063 brasileiros, aponta que cerca de 23% da população declarada como fumante elevou o consumo em, aproximadamente, 10 cigarros por dia. Outros 5% aumentaram este hábito em 20 cigarros por dia.

“Entre as mulheres, o percentual de aumento de cerca de 10 cigarros por dia (29%) foi maior que o dos homens (17%). Já entre os indivíduos de menor escolaridade, 25% aumentaram cerca de 10 cigarros por dia e 10% mais de 20 cigarros por dia”, informa o site oficial da faculdade mineira. 

Para a oncologista do Grupo Oncoclínicas Flávia Amaral Duarte, este aumento se dá em razão das condições impostas pela pandemia, sejam elas de isolamento social, crise financeira ou mesmo aparecimento e/ou agravamento de quadros patológicos mentais.



“Parece haver uma correlação entre um momento de ansiedade, propiciado, por exemplo, pelo receio em perder o emprego ou um ente querido. Deste modo, este mecanismo surge como uma espécie de ‘escape’.” 

A partir disso, a oncologista destaca os malefícios que a intensificação desse hábito pode causar ao organismo humano. Isso porque, segundo Flávia, além de o tabagismo ser um dos principais fatores de risco para doenças cardiovasculares, como infarto e AVC, é o maior responsável pelo desenvolvimento da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) – formação de cicatrizes e bolhas no pulmão, conhecido como enfisema – que prejudica a troca gasosa pulmonar e propicia infecções pulmonares, o que pode influenciar no aparecimento de tumores cancerígenos

“Do ponto de vista oncológico, o cigarro contém inúmeras substâncias carcinogênicas, isso é, substâncias que induzem à formação de células do câncer, não apenas do câncer de pulmão, como, também, de cânceres de cabeça e pescoço – boca, língua, laringe, faringe – e bexiga. Além disso, ao considerarmos o contexto da pandemia, um pulmão frágil tende a ser um importante fator de risco para quadros graves de infecção por COVID-19”, explica. 
 
 

Neste sentido, Bruno Ferrari, oncologista clínico, fundador e presidente do Conselho Administrativo do Grupo Oncoclínicas, destaca que, para além dos danos causados na saúde do organismo pelo vício em fumar, o tabagismo pode desencadear piora em quadros clínicos de câncer já estáveis. Isso porque, de acordo com Ferrari, o fator estresse pode trazer o hábito de volta, visto que muitos pacientes em recuperação de câncer já fumaram e pararam com o vício pela interferência do costume na eficácia do tratamento. 





“O pulmão inflamado cronicamente pelo cigarro, além de outros aspectos, como perda de massa muscular, leva, obviamente, a um impacto maior no bem-estar do paciente com câncer que segue fumando. Por isso, quando falamos de tabagismo, falamos em tratamento de apoio psicológico e medicamento. A mensagem que precisamos reforçar é: nunca é tarde para parar de fumar”, recomenda o oncologista clínico e presidente do Instituto Oncoclínicas. 


Contenção do tabagismo e prevenção do câncer de pulmão

 

De acordo com os especialistas, a prevenção do câncer de pulmão está diretamente ligada à contenção do tabagismo. Isso porque o fumo pode interferir e prejudicar a saúde dos pulmões, permitindo o aparecimento e/ou agravamento de tumores.

Justamente por isso, o controle de ambos depende de uma série de medidas, sejam elas governamentais ou pessoais, que “caminham” juntas. Porém inúmeros desafios tendem a atrasar esse processo. 





“Muito já foi feito ao longo dos anos, com o aumento dos preços de cigarros, proibição de propagandas e educação da população. Entretanto, programas de cessação do tabagismo são extremamente importantes e eficazes. Uma equipe multidisciplinar incluindo pneumologistas, radiologistas e psicólogos, em conjunto, como um centro integrado para diagnóstico precoce e tratamento do câncer de pulmão são essenciais”, afirma Flávia. 

Bruno Ferrari, oncologista clínico, fundador e presidente do Conselho Administrativo do Grupo Oncoclínicas (foto: Pedro Gravatá/Divulgação)
Quanto aos desafios, Ferrari cita a tecnologia como um deles. Isso porque, segundo ele, inúmeros jovens têm feito uso de cigarros eletrônicos, produto esse que era para ser usado como um aliado na contenção do consumo de tabaco.

“Esses cigarros perderam a razão, e acabou sendo uma porta de entrada para o tabagismo de uma maneira mais pesada. De um modo geral, vamos ter que combater o tabagismo novo e o tabagismo clássico, que são um grande problema para a sociedade em si – muitas pessoas acabam iniciando o hábito com o cigarro eletrônico e vão para o cigarro comum.” 

Deste modo, a prevenção do câncer, principalmente de pulmão, fica, também, comprometida, tendo em vista que, em estágio inicial, a doença não apresenta sintomas e a maior parte dos casos é diagnosticada em fases mais avançadas.



“Em função deste diagnóstico tardio, alguns quadros já não são mais passíveis de tratamento curativo. Soma-se, ainda, a esse fato a semelhança entre sintomas causados pelo consumo prolongado de cigarros e os causados pelo próprio câncer, como tosse, pigarro, rouquidão”, comenta Flávia. 

A oncologista frisa, ainda, que a literatura vem apontado o rastreamento de pacientes selecionados com tomografias computadorizadas como uma forma eficaz de diagnosticar precocemente a doença, com impacto, também, na redução da mortalidade.

“Mas, é importante ressaltar que o câncer não espera. Os pacientes precisam buscar ajuda no caso de aparecimento de sintomas, assim como os especialistas precisam se esforçar para que o tratamento adequado seja oferecido com toda segurança possível”, completa. 





Precisa de motivação para parar de fumar? 


Os oncologistas recomendam que não só fumantes ativos se incentivem a interromper o vício em cigarro, mas, também, que aqueles declarados como passivos, ou seja, que sofrem os danos do tabaco em função de fumantes próximos, motivem aqueles que têm o hábito a largar. Isso porque, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), somente em 2017, um milhão de pessoas morreram em razão do tabagismo. Além disso, segundo dados da entidade, cerca de 93 mil mortes são causadas pela passividade do fumo. E isso sem considerar os casos de morte por câncer de pulmão, normalmente associados ao vício do fumo.

Deste modo, a OMS elenca uma série de benefícios que podem ser percebidos ao longo do tempo sem o vício. Por isso, se motivação é o que falta, confira as dicas do órgão de saúde: 

  • Dentro de 20 minutos, o ritmo cardíaco e a pressão arterial baixam
  • Em 12 horas, o nível de monóxido de carbono no sangue cai para o normal
  • De duas a 12 semanas, a circulação sanguínea melhora e a função pulmonar aumenta
  • Entre um a nove meses, a tosse e a falta de ar diminuem
  • Em um ano, o risco de desenvolver uma doença coronariana cai pela metade (em relação a um fumante); 
  • Em cinco anos, o risco de ter um acidente vascular cerebral é reduzido ao de um não fumante – cinco a 15 anos após parar de fumar;
  • Em 10 anos, o risco de câncer de pulmão cai para cerca de metade em relação a um fumante e o risco de câncer de boca, garganta, esôfago, bexiga, colo do útero e pâncreas também diminui
  • Em 15 anos, o risco de doença cardíaca coronária é o mesmo de um não fumante. 


Em pauta 


O assunto foi tema de discussão em uma transmissão ao vivo feita pelo Grupo Oncoclínicas, nesta quinta-feira (27), por meio da plataforma Webcast. O debate, intitulado “Combate ao fumo: o tabagismo durante a pandemia e os desafios na prevenção do câncer de pulmão”, contou com a presença dos entrevistados Bruno Ferrari e Carlos Gil e, também, de Clarissa Mathias, oncologista clínica do Grupo Oncoclínicas e presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). 

* Estagiária sob supervisão da editora Teresa Caram