Jornal Estado de Minas

JUSTIÇA

Aprovação do arcabouço fiscal pode reduzir atuação da Defensoria Pública

O novo arcabouço fiscal, proposto pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pode fazer com que a Defensoria Pública da União (DPU), que já tem atuação reduzida, tenha que diminuir ainda mais suas atividades. Essa, pelo menos, é a avaliação do defensor público-geral federal em exercício, Fernando Mauro Júnior, que anda preocupado com a manutenção do órgão no teto de gastos. "Muito provavelmente será necessário o fechamento de algumas unidades. O simples reajuste pela inflação do nosso orçamento não tem sido suficiente (para arcar com os gastos)", lamentou Fernando Mauro, em entrevista ao Estado de Minas.



A Defensoria Pública está presente em apenas 80 das 279 unidades jurisdicionais do Brasil. Isso significa que apenas 29% do público-alvo da defensoria têm assessoria jurídica. Em Minas Gerais, por exemplo, o órgão está em cinco das 27 unidades, de acordo com a Pesquisa Nacional da Defensoria Pública de 2022. Os locais não atendidos regularmente recebem ocasionalmente o projeto "Defensoria Itinerante", que busca dar alguma assistência para pessoas necessitadas que não residem nos territórios atendidos.

O Projeto de Lei Complementar 93/2023, que trata sobre o novo regime fiscal, determina, no capítulo III, que despesas com saúde, educação, execução de obras e outros "não se incluem na base de cálculo e nos limites estabelecidos". Ou seja, estão fora do teto de gastos. A DPU defende que também a defensoria fique fora do teto e argumenta que a exclusão é fundamental para que seja pago o salário dos profissionais, seja feita a contratação de serviços de limpeza e da manutenção das unidades. Além de permitir que novas unidades sejam abertas para prestar assistência jurídica. "Do jeito que está hoje, e se esse cenário não for mudado, o que vai acontecer com a DPU é que, além de não conseguir crescer, a gente vai regredir", se queixou um defensor público de BH que não quis se identificar.

Os problemas da DPU, segundo Fernando Mauro, iniciaram em 2017, mais precisamente quando a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241/2016, de autoria do governo de Michel Temer (MDB), foi aprovada na Câmara dos Deputados. O texto previa que o governo federal teria um limite para gastos nos próximos 20 anos, tendo por base o orçamento de 2016. Na prática, ficou impedido que o Estado gaste mais do que no ano anterior, exceto pela correção dos valores segundo a inflação.



Em 2023, o orçamento da Defensoria Pública da União é de cerca de R$ 750 milhões. A título de comparação, a Advocacia-Geral da União recebe um aporte de R$ 4,2 bilhões, enquanto o Ministério Público da União terá um orçamento de aproximadamente R$ 8 bilhões. Este valor é de mais de 90% acima do que foi destinado à DPU.

Para que a Defensoria chegue a todas 279 unidades jurisdicionais do país é estimado, de acordo com estudos da assessoria do planejamento da Defensoria Pública da União, que sejam necessários cerca de R$ 4 bilhões, metade do que é gasto com o MPU e um pouco a menos do que a AGU. “Os representantes do órgão vêm buscando o Ministério do Planejamento, o Ministério da Fazenda, os ministros (Fernando) Haddad e (Simone) Tebet para sensibilizá-los deste problema e têm obtido uma sinalização favorável ao tema”, disse Fernando Mauro.

Emenda

O deputado federal Luiz Carlos Busato (União Brasil-RS) protocolou uma emenda ao projeto do arcabouço fiscal, com a intenção de "viabilizar o cumprimento da Emenda Constitucional 80/2014, apelidado de 'Defensoria para todos'". Na justificativa, Busato argumentou que a Defensoria Pública "sofreu um impacto desproporcional com a regra atualmente vigente (teto de gastos) e que não foi corrigido com o texto". O parlamentar também apontou que o orçamento do órgão é diminuto em comparação com outros do sistema judiciário. "A garantia do direito constitucional de acesso à Justiça passa, sem dúvidas, pelo efetivo cumprimento desta emenda. A DPU hoje só está presente em 27% das unidades da Justiça Federal e possui um público vulnerável desassistido estimado em 33 milhões de pessoas", declarou o parlamentar gaúcho.



Em contato com a reportagem, o líder do governo na Câmara, deputado federal José Guimarães (PT-CE), afirmou que "a liderança do governo vai apoiar o texto que o relator apresentar, seja acatando ou não a proposta" de Busato. O relator designado para o projeto, o deputado federal Cláudio Cajado (PP-BA) e o Ministério da Fazenda não responderam aos questionamentos sobre o tema.
 

Atendimento à população mais vulnerável

Se alguma pessoa não tiver condições financeiras de arcar com um advogado em algum processo, ela pode recorrer à Defensoria Pública da União, que tem como função prestar assistência e orientação jurídica para famílias que ganhem até R$ 2 mil mensais; pessoas que, mesmo ganhando mais, comprovem que possuem gastos extraordinários, como compras de remédios; além de grupos vulneráveis.

Levando em consideração a pesquisa Síntese de Indicadores Sociais, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aproximadamente 55 milhões de brasileiros estão abaixo da linha da pobreza. O equivalente a 1/4 da população, recebem, por pessoa, menos de R$ 406 por mês.

Idosos, crianças, pessoas em situação análoga à escravidão, indígenas, quilombolas e população LGBTQIA+ são os grupos que majoritariamente recorrem ao serviço da DPU.





Um integrante da defensoria comentou que o processo de invisibilização que esses grupos sofrem acaba se refletindo na forma como o órgão é visto pela população e inclusive pelas autoridades.

"A população mais vulnerável desconhece seus direitos. Tem, além da assistência jurídica, a orientação jurídica. (A Defensoria também) tem esse papel de colaborar com esses programas do governo federal, como Bolsa Família ou Minha Casa Minha Vida. Esclarecer para essas pessoas que elas têm direito a esses programas", esclareceu o defensor público-geral federal Fernando Mauro Júnior.

Emenda Constitucional 80/2014


Conhecida como PEC Defensoria para Todos, a Emenda Constitucional 80/2014 estipulou um prazo de oito anos para que a União, Estados e o Distrito Federal contassem com defensores públicos em todas unidades jurisdicionais. Contudo, conforme reforçado por Fernando Mauro, o tempo limite que iria até 2022 não foi cumprido.

O texto também garantiu à Defensoria Pública independência. Anteriormente, ela estava vinculada ao Ministério da Justiça. O que gerava um certo conflito, pois, em muitos casos, a DPU defende os interesses do cidadão contra o governo federal, sejam suas autarquias ou mesmo empresas públicas.